O Ministério da Saúde atrasou a disponibilização do Zolgensma, um dos medicamentos mais caros do mundo, para tratar a Atrofia Muscular Espinhal (AME) tipo 1 no Sistema Único de Saúde (SUS). O prazo de 180 dias, dado pela pasta para fornecer a terapia gênica na rede pública, se esgotou em 4 de junho.
Segundo associações de pacientes ouvidas pelo JOTA, não há perspectiva de quando o medicamento estará disponível no SUS; a expectativa mais otimista é de que o processo deve levar pelo menos mais dois meses. Isso porque o ministério deveria ter seguido um rito que ainda não começou.
O primeiro passo era abrir uma nova consulta pública sobre incluir o Zolgensma no SUS, com prazo de 20 dias, após publicar a portaria em 7 de dezembro. Depois, deveria atualizar o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) com as indicações do tratamento da AME tipo 1 com a terapia gênica e, então, uma consulta pública sobre o documento.
A demora não é exclusiva para o Zolgensma. Também não é a primeira vez que o governo federal se alonga sobre um tratamento contra AME. A última atualização do PCDT da doença ocorreu em 19 de maio com a indicação de uso do Risdiplam, medicamento via oral contra AME tipo 1 e 2.
A inclusão, porém, deveria ter ocorrido ainda em 2022, quando começou a sofrer atrasos diante da campanha eleitoral, dizem interlocutores. Entidades de pacientes estimam que a demora nesse caso chegou a pelo menos 200 dias.
Cabe à pasta comprar o Zolgensma, de forma centralizada com a fabricante Novartis, conforme pactuado com estados e municípios na reunião da Comissão Intergestores Tripartite (CIT) em dezembro.
“De acordo com a legislação vigente, para que a disponibilização da terapia gênica através do processo de compra centralizada entre a farmacêutica e o Ministério da Saúde possa ser concluído, é necessário a publicação do Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) de AME atualizado. O PCDT foi recentemente atualizado, porém ainda não contemplou a inclusão de Zolgensma”, diz a nota da Novartis.
Pelas diretrizes, bebês com AME tipo I devem ter até 6 meses de idade e estar fora de ventilação invasiva por pelo menos 16 horas por dia para obter o Zolgensma na rede pública. As regras se estendem aos planos de saúde: o onasemnogeno abeparvoveque integra o rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) desde fevereiro. O prazo é menor para as operadoras porque a Lei 14.307/2022 define que essas empresas têm até 60 dias para incorporar um tratamento que recebeu aval da Conitec e, posteriormente, do Ministério da Saúde.
Segundo o anúncio oficial, o SUS deve custear o tratamento por meio de um acordo de compartilhamento de risco junto à indústria farmacêutica: o pagamento de R$ 5,7 milhões — valor exclusivo para o governo — deve se dividir em cinco parcelas, de 20% cada, condicionadas à evolução do paciente.
Assim, a União não terá que arcar com todo o montante em caso de piora no quadro ou de morte. A Novartis faz uma ressalva, porém, de que os “termos (do acordo de compartilhamento de risco) ainda estão em discussão com o Ministério da Saúde”, mas não detalhou quais seriam esses pontos.
Como o JOTA mostrou, a restrição de idade — justificada pelo então ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, como a faixa etária mais eficaz para o tratamento — limitou o acesso dos pacientes. A estimativa do Instituto Nacional da Atrofia Muscular Espinhal (Iname) é de que só 49% deles possam ser contemplados.
Nesse cenário, a dificuldade e a demora no diagnóstico andam em descompasso com o início do tratamento. Famílias podem continuar a levar pedidos de cobertura à Justiça fora desses critérios, uma vez que a liberação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) vai até 2 anos. Por exemplo, pais podem solicitar o tratamento na justiça para bebês acima da idade de 6 meses.
Essa possibilidade está no radar de operadoras de saúde, que veem no aval da Anvisa e na inclusão no SUS dois argumentos para ações do tipo. As empresas também defendem um novo modelo de custeio ao tratamento milionário e também que possam pagar o valor igual ao do SUS.
“A rápida implementação do ACR no Brasil permite ao Ministério da Saúde a redução das incertezas em relação ao impacto orçamentário. A Novartis ressalta ainda que permanece à disposição do Ministério da Saúde para a construção e implementação desta solução sustentável de acesso ao Zolgensma”, complementa a farmacêutica.
O JOTA questiona o Ministério da Saúde sobre a disponibilização do Zolgensma no SUS por e-mails, ligações e mensagens de texto desde 5 de junho. Não houve retorno.