Marcella Fernandes

Diante da pressão para liberação do uso da Sputnik-V no Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou dois comunicados em que nega motivação política e lista uma série de exigências de documentação ainda não cumpridas pela União Química, representante do imunizante no Brasil. Nesta semana, integrantes do Consórcio de Governadores do Nordeste assinaram com o Fundo Russo de Investimentos Diretos a contratação de 37 milhões de doses da vacina Sputnik-V que seriam importadas diretamente da Rússia, sem mediação da farmacêutica brasileira.
A União Química tem até 16 de maio para apresentar a documentação complementar. Em 15 de janeiro, a empresa protocolou, de forma eletrônica, o pedido de autorização de uso emergencial. No dia seguinte, a Anvisa informou ao laboratório as exigências necessárias. Desde então, foram feitas 15 reuniões para orientar a empresa, mas os dados necessários para liberar o uso do imunizante ainda não foram apresentados à agência.
<a href="https://conteudo.jota.info/saude?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Saude_materias"><img class="aligncenter wp-image-292716 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-saude.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>Segundo informe da Anvisa, as informações solicitadas incluem:
<ul>
<li>Avaliação de risco demonstrando que a relação benefício-risco é favorável;</li>
<li>Descrição do processo de fabricação da substância ativa e do produto terminado, identificando parâmetros e testes dos controles; resultados da análise interina do estudo fase 3;</li>
<li>Lista de todos locais onde a vacina será fabricada ou está sendo e documentações relacionadas às boas práticas de fabricação, como relatório de inspeção emitido pela Convenção Farmacêutica Internacional (PIC/S na sigla em inglês);</li>
<li>Informações sobre prazo de validade e cuidados de conservação; texto de bula e plano de gerenciamento de riscos.</li>
</ul>
Em outro comunicado, a Anvisa afirma que "não exerce nenhum tipo de atividade político-partidária, nem trabalha para favorecer qualquer liderança política". "A Anvisa é um órgão de Estado, com a missão de garantir a segurança sanitária da população brasileira", diz o texto.
<h3>Reunião com União Química</h3>
Em relação a reunião com o presidente da União Química, Fernando Marques, em 11 de março, o comunicado informa que "em nenhum momento" o diretor-presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, "tratou o solicitante da reunião com qualquer tipo de hostilidade". Participaram do encontro a diretora Meiruze Freitas, da Segunda Diretoria, responsável pelos protocolos de análise de vacinas; Juvenal de Souza Brasil, adjunto da Primeira Diretoria; Alberto Frambach, assessor da Presidência da Anvisa; e Richardson Araújo, assessor técnico da Diretoria
Na última quarta-feira (17/03), representantes do Fundo Russo de Desenvolvimento e da União Química, se reuniram novamente com integrantes da agência. Uma nova reunião está prevista para segunda-feira (22/03).
Como as agências que aprovam o uso do imunizante em outros países não fazem parte do Conselho Internacional sobre Harmonização de Requisitos Técnicos em Produtos Farmacêuticos para Uso Humano (ICH, da sigla em inglês), o acesso da Anvisa a essas informações é mais difícil. A agência tem buscado o compartilhamento de informações das agências regulatórias russa e argentina. De acordo com o gerente-geral de medicamentos da Anvisa, Gustavo Mendes, dados dos ensaios clínicos de fase 3 e de uso em massa na Rússia podem subsidiar a decisão da agência brasileira.
<h3>Transferência de tecnologia</h3>
Quanto à transferência de tecnologia, o caminho pode ser mais demorado. "Para produzir aqui, precisa de equipamentos altamente qualificados, o procedimento precisa ser validado. Isso leva tempo. Qualquer parâmetro que você altera na fabricação da vacina, pode colocar todo o lote a perder. Existe muita sensibilidade na fabricação de uma vacina e isso é um processo lento", afirmou Mendes a deputados em reunião nesta semana da Comissão da Câmara dos Deputados sobre enfrentamento à pandemia.
O gerente-geral da Anvisa lembrou que no caso do Instituto Butantan e da Fiocruz - instituições com tradição na produção de vacinas - a transferência de tecnologia ainda não está completa. Atualmente ambos laboratórios recebem IFA (ingrediente farmacêutico ativo) importado e fazem o envase das doses. A produção local em larga escala do IFA só deve ocorrer em setembro na Fiocruz e em janeiro no Butantan. "Tudo isso porque é uma tecnologia muito complexa. Eu vislumbro no caso da União Química uma transferência de tecnologia. Estamos dando todo aconselhamento científico, mas não é tão rápido", afirmou Mendes.
<h3>47 milhões de doses contratadas</h3>
O contrato da União Química com o Ministério da Saúde prevê a entrega de 10 milhões de doses entre abril e junho. O laboratório faria a produção local em plantas próprias em São Paulo e no Distrito Federal. A União Química afirma ter capacidade para produzir 8 milhões de doses por mês a partir de abril.
Outro contrato firmado por integrantes do Consórcio de Governadores do Nordeste com o Fundo Russo de Investimentos Diretos nesta semana prevê o envio de 37 milhões de doses importadas da Rússia entre abril e julho. Um termo deve ser assinado entre governadores e o Ministério da Saúde para que as vacinas façam parte do Programa Nacional de Imunizações (PNI). A logística de recebimento das doses, armazenamento e distribuição ainda não foi definida. Nem o ministério nem o consórcio informaram quem faria a certificação junto à Anvisa.
Em nota ao JOTA, o Ministério da Saúde afirmou que a pasta "assumirá o pagamento e a distribuição desses imunizantes para todos os estados e Distrito Federal". O ministério também citou que a <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14124.htm#:~:text=1%C2%BA%20Esta%20Lei%20disp%C3%B5e,sobre%20o%20Plano%20Nacional%20de">Lei 14.124/21</a> autoriza a compra de vacinas contra a Covid-19 por estados, Distrito Federal e municípios.
No caso de importação de vacinas prontas por estados e municípios, resolução da Anvisa (RDC 476), que regulamenta a Lei 14.124, exige que o importador se responsabilize pelo processo.
As exigências incluem responsabilização pela eficácia e segurança da vacina, assegurar e monitorar as condições da cadeia de transporte e armazenamento adequado, criar mecanismos para monitoramento de eventos adversos, entre outras exigências. Os lotes das vacinas importados nessas condições também precisam da liberação pelo Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS).
Quando se tratar de imunizantes aprovados por 11 agências regulatórias, incluindo o Ministério da Saúde da Rússia, a Anvisa tem o prazo de 7 dias para análises de pedidos de importação quando “o relatório ou parecer técnico emitido pela autoridade sanitária estrangeira seja capaz de comprovar que a vacina atende aos padrões de qualidade, de eficácia e de seguranças” estabelecidos por autoridades internacionais.
Essas autoridades são OMS (Organização Mundial da Saúde), ICH (Conselho Internacional para Harmonização de Requisitos Técnicos para Medicamentos de Uso Humano e PIC/S (Esquema de Cooperação em Inspeção Farmacêutica). Quando o relatório não for capaz de comprovar essas informações, o prazo para análise da Anvisa é de 30 dias.
Para importação de vacinas por estados e municípios, também é necessária declaração assinada pelo chefe do Poder Executivo e pelo Secretário de Saúde que ateste o descumprimento do Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19 ou daquele que vier a substituí-lo, segundo a resolução.

Reunião da diretoria colegiada da Anvisa que autorizou uso emergencial de vacinas (Foto: Anvisa)

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JOTA

Agência regulatória listou exigências não cumpridas pela União Química

Anvisa nega motivação política para ainda não ter autorizado uso da Sputnik-V

Anvisa listou exigências não cumpridas pela União Química para a autorização de uso emergencial da vacina russa Sputnik-V no Brasil