Manoela Albuquerque

Diretora da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) superior à área de medicamentos, Meiruze Sousa Freitas avalia que as informações apresentadas pela farmacêutica União Química sobre a vacina Sputnik V são insuficientes para uma autorização de uso emergencial segura no Brasil.
“Dentro dos elementos que temos hoje, dados técnicos, eu diria que não há condição de a gente atestar a qualidade, a eficácia e a segurança”, disse, em entrevista ao JOTA.
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Para ela, o Brasil demorou mais que outros países para ter as primeiras vacinas liberadas, o que veio a ocorrer no dia 17 de janeiro, devido a estratégias dos desenvolvedores e não por imposição de barreiras regulatórias pela agência.
“Acho que não houve um zelo excessivo. Era um processo novo. O que me parece é que as empresas também precisaram de um tempo para trazer essas informações para a Anvisa”, avaliou. 
A reguladora brasileira está empenhada na busca por informações relacionadas à fabricação e ao estudo da Sputnik V. Para tentar obtê-las, acionou as agências reguladoras da Rússia, da Argentina, do México, da Turquia e a própria Organização Mundial da Saúde (OMS).
A revista científica The Lancet <a href="https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(21)00191-4/fulltext">publicou</a>, no dia 2 de fevereiro, artigo que relata a eficácia de 91,6% da vacina. A Anvisa precisa ter acesso aos detalhes do estudo em fase 3, realizado na Rússia, para confirmar esse resultado. Também faltam dados sobre boas práticas de fabricação da planta fabril que produz o Insumo Farmacêutico Ativo (IFA) da Sputnik.
“Para que essas reuniões sejam mais produtivas, colocamos quais são as dúvidas e as inconsistências que o Brasil tem em termos de documentação, para que a gente possa discutir mais próximos com a Argentina, com a Organização Mundial da Saúde e até mesmo com a Rússia, sempre no sentido proativo de entender o contexto e para favorecer que a gente tenha vacinas no Brasil”, afirmou.
A União Química solicitou o pedido de uso emergencial da Sputnik V no dia 16 de janeiro, mas teve a solicitação rejeitada devido ao não cumprimento de critérios considerados primordiais para a análise, entre eles o andamento de pesquisa clínica em fase 3 no Brasil.
A entrevista com Meiruze Freitas, gravada em vídeo, ocorreu no dia 28 de janeiro e foi enviada com exclusividade aos assinantes PRO Saúde.
De lá para cá, a Anvisa flexibilizou as regras para o pedido. No dia 3 de fevereiro, houve a <a href="https://www.jota.info/tributos-e-empresas/saude/anvisa-uso-emergencial-vacinas-03022021">atualização do Guia 42</a> para a retirada da exigência de realização de estudos em fase 3 no país, permitindo a apresentação de dados desse estágio da pesquisa realizado no exterior para a liberação temporária. Nesse caso, o prazo máximo para análise passou de 10 dias para 30 dias. 
O Senado Federal aprovou, no dia seguinte, uma medida provisória que estabelece, em seu artigo 5º, o prazo de cinco dias para que a agência autorize a liberação de vacinas para Covid-19 que tenham conseguido aval de alguma das nove instituições dispostas no texto: FDA (Estados Unidos); EMA (União Europeia); PMDA (Japão); (NMPA (China); HC (Canadá); MHRA (Reino Unido); KDCA (Coreia do Sul); Anmat (Argentina); ou no Ministério da Saúde da Rússia. 
Para o presidente da Anvisa, essa atuação do Legislativo destruirá a credibilidade da agência, que integra os principais fóruns internacionais de reguladoras de medicamentos. O principal argumento é que o texto, ao impor uma autorização, retira a prerrogativa de análise. 
"Entendo que é uma destruição muito grande na agência. Com certeza, a credibilidade internacional construída ao longo de 22 anos ficará perdida", afirmou, também em entrevista ao JOTA, na sexta-feira (5/2).
O cenário para a Sputnik, do ponto de vista regulatório, continua o mesmo até que haja sanção pelo presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), do texto da MP modificada no Congresso. A Anvisa, por sua vez, encaminhou à Casa Civil argumentação pedindo o veto do dispositivo. 
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<h3>Avanços regulatórios</h3>
Servidora de carreira desde 2007, Meiruze Freitas chegou ao alto escalão com planos para otimizar processos na reguladora. E não só para os medicamentos. As ideias passam por modelos de reliance e podem resultar na reestruturação organizacional das áreas técnicas, tendo como principal foco a análise relacionada aos ciclos de vida dos produtos sujeitos à vigilância sanitária.
Depois de passar por um período como substituta na diretoria colegiada, entre abril e outubro, a farmacêutica conquistou um lugar definitivo em novembro de 2020. Seu nome foi trabalhado no Palácio do Planalto pelo próprio presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres. Logo em seguida, foi escolhida por unanimidade para chefiar a Segunda Diretoria, responsável pelas áreas técnicas de alimentos e medicamentos.
“O ciclo de vida do produto eu diria que é uma grande estratégia de atuação da regulação. Para todos os produtos sujeitos à vigilância sanitária. É um tema que eu persigo. Isso, certamente, terá um reflexo na estruturação da Anvisa. Isso fará com que a Anvisa saia de caixas de diretoria A, B e C. Se eu conseguir avançar nesse tema junto aos meus pares, eu diria que seria um grande avanço na regulação no Brasil”, antecipou ao JOTA.
Meiruze Freitas explicou que a presença da agência em mecanismos internacionais, como a Cooperação em Inspeção Farmacêutica (PIC/S) e o Conselho Internacional de Harmonização de Requisitos Técnicos para Produtos Farmacêuticos para Uso Humano (ICH), devem ter como contrapartida a agilidade no trabalho desenvolvido aqui.
“Isso tem que ter um reflexo. Esse reflexo é que a gente consiga melhorar as estratégias, procedimentos e redução dos tempos regulatórios. A gente utilizar o reliance para reduzir o tempo regulatório”, avaliou. 
Nesse caminho, pode haver flexibilização da análise pré-mercado e o reforço do monitoramento pós-mercado. 
“Cada vez mais, a Anvisa vai ter que focar em produtos com base em risco. O que significa? Dependendo do contexto de avanço que a gente teve em 22 anos, a gente precisa reduzir o impacto da avaliação pré-mercado para alguns produtos. Os medicamentos isentos de prescrição, os medicamentos com fármacos bem estabelecidos, alguns medicamentos genéricos”, disse.

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JOTA

Agência acionou outras reguladoras e a OMS para obter informações sobre a vacina russa para Covid-19


Diretora da Anvisa diz que falta de dados impede autorização segura da Sputnik V no Brasil

Diretora da Anvisa, Meiruze Freitas avalia que informações sobre Sputnik V são insuficientes para autorização de uso emergencial segura.