
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) suspendeu o estudo clínico da vacina CoronaVac, testada para Covid-19, por precaução. A reguladora concluiu, na noite desta segunda-feira (9/11), que não é possível descartar a relação do evento adverso grave notificado com a aplicação do produto, apesar de o Instituto Butantan afirmar o contrário.
Para a área técnica da Anvisa, a análise sobre o nexo de causalidade cabe ao comitê independente que acompanha a pesquisa e não ao seu patrocinador, o instituto paulista, que é parte interessada no processo. O fato de a agência ser a única no mundo a acompanhar um estudo em fase 3 com a vacina chinesa também foi decisivo.
“As informações veiculadas foram consideradas, pela área técnica, insuficientes, incompletas para que ontem fosse possível, em posse delas, continuar permitindo o desenvolvimento vacinal”, disse o diretor-presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, em coletiva de imprensa na tarde desta terça-feira (10/11).
Durante essa interrupção temporária, voluntários não podem ser vacinados, mas os dados obtidos na pesquisa continuam válidos. A retomada dos testes em humanos depende do envio de informações que comprovem a segurança dos participantes.
“Não é brincadeira o que estamos tratando aqui. Não é brincadeira atestar que uma vacina pode ser aplicada em uma pessoa. Isso não pode ocorrer em sede de dúvida. Documentos claros, precisos e completos precisam ser enviados para nós, o que não aconteceu”, acrescentou Barra Torres.
O evento adverso que motivou a suspensão ocorreu no dia 29 de outubro e a notificação à Anvisa foi feita no último dia do prazo previsto na regulamentação, de sete dias. Ou seja, apenas no dia 6 de novembro, uma sexta-feira.
Integrantes da agência relataram que, devido a falhas no sistema interno na última semana, o formulário eletrônico que poderia ter informações adicionais sobre caso ficou indisponível.
A decisão pela suspensão temporária foi tomada na segunda-feira seguinte, no dia 9 de novembro, depois que houve acesso ao conteúdo. Ainda assim, os dados foram considerados insuficientes para a continuidade da pesquisa.
Instituto Butantan
Uma das queixas apresentadas pelo diretor do Butantan, Dimas Covas, é que a decisão de interrupção foi definida antes de uma reunião técnica com o instituto, o que ocorreu apenas na manhã desta terça-feira.
A reclamação pública dá, mais uma vez, caráter político à discussão sobre a análise da vacina. A CoronaVac, desenvolvida pela empresa chinesa Sinovac, é uma promessa do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), visto como adversário do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Apesar de ter bom relacionamento com Bolsonaro, Barra Torres tem negado sucessivamente qualquer interferência do governo na agência.
“Estamos tratando de um evento adverso grave que não tem relação com a vacina. Essa informação está disponível. Eu quero acreditar que a Anvisa seja técnica e independente”, afirmou Dimas Covas, em coletiva de imprensa realizada nesta manhã.
Comitê da Anvisa
De acordo com integrantes da reguladora ouvidos pela reportagem, um dos aspectos positivos da criação de um comitê especial para Covid-19 na Gerência-Geral de Medicamentos e Biológicos (GGMED) é a possibilidade de discussões conjuntas envolvendo cerca de 10 servidores.
Na estrutura da agência reguladora, essa área técnica tem autonomia no processo de análise, ou seja, as decisões sobre os estudos clínicos não passam nem pelo presidente Antonio Barra Torres nem pela diretoria colegiada.
“Uma situação de politização põe em xeque o nosso trabalho. Isso é muito ruim. Pedimos que o trabalho técnico seja respeitado. O nosso compromisso é dar transparência, dar a segurança de que estamos zelando pelos melhores dados, pelas melhores informações. O nosso foco, nesse caso específico, é a segurança de quem está participando dos estudos”, disse o titular da GGMED, Gustavo Mendes, na coletiva da Anvisa.
Evento adverso inesperado
O JOTA apurou que a notificação é de uma morte de voluntário sem infecção pelo coronavírus, o que foi considerado um evento adverso grave inesperado.
Nesse cenário, outros participantes do estudo poderiam correr risco se não houvesse a suspensão imediata dos testes com a CoronaVac. Mesmo após a reunião da Anvisa com o Instituto Butantan, nesta manhã, a conclusão continua a mesma.
No caso do estudo da vacina candidata da Universidade de Oxford em parceria com a AstraZeneca, em que um voluntário morreu com Covid-19 no mês de outubro, a conclusão foi que o evento adverso grave era esperado devido à exposição ao risco de contaminação.
Na terminologia técnica, enquanto não há suspeita de relação com a vacina, fala-se em “evento”. Quando há suspeita de nexo causal já se pode falar em “reação”. Em caso de confirmação de nexo causal, fala-se em “efeito”.
Técnicos consultados pela reportagem afirmam que a causa de uma morte não tem influência na decisão de suspender ou não os estudos clínicos, a menos que seja uma causa prevista no protocolo como desfecho clínico. E essa análise não tem de ser feita pelo patrocinador nem desenvolvedor, mas sim por um comitê independente de monitoramento de segurança.
A Anvisa não informou detalhes sobre o evento adverso. A nota divulgada pela agência na noite de segunda-feira (9/11) diz que a decisão está baseada em procedimentos nacionais e internacionais de Boas Práticas Clínicas.
O comunicado à imprensa reforça que dados sobre voluntários de pesquisas clínicas devem ser mantidos em sigilo, em conformidade com princípios de confidencialidade, dignidade humana e proteção dos participantes.