Guilherme Pimenta

Alexandre Leoratti

"Precisamos baixar a cabeça e dizer o seguinte: quanto à ética, à integridade e à transparência, nós pecamos". O mea culpa é feito por Olga Pontes, chefe de compliance da Odebrecht, ao detalhar as transformações que vêm sendo realizadas na empresa, principalmente no setor de investigações internas.
Segundo Olga, que diz ser um "sonho de consumo" comandar o setor de conformidade da empresa, a Odebrecht tem aprendido como se livrar da má imagem com "notáveis", como executivos mundiais da Shell e Siemens, empresas que passaram por crises em sua governança, e professores da Universidade de Harvard.
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"Quanto à ética, à integridade e à transparência, nós pecamos. Mas estamos abertos a ouvir desses notáveis sobre as melhores práticas, pois isso é uma transformação: ouvir, absorver, adaptar à nossa realidade e implementar de forma sustentável, pois recortar e colar não adianta", declarou Olga em entrevista ao JOTA.
A Odebrecht colaborou com as autoridades brasileiras tanto no âmbito penal, com a <a href="https://www.jota.info/justica/stf-homologa-delacao-da-odebrecht-30012017" target="_blank" rel="noopener">delação de 77 funcionários</a> e o acordo de leniência firmado com o Ministério Público Federal, quanto no administrativo, com a Advocacia-Geral da União (AGU) e a Controladoria-Geral da União (CGU).
"Foi a colaboração do fim do mundo, mas que do fim do mundo não teve nada, estamos aqui ainda. Mas foi intensa, profunda e detalhada", afirmou a chefe de compliance. Olga Pontes acrescenta que a empresa ainda busca fechar mais acordos, seja com órgãos brasileiros, como o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), ou com outros países, como Colômbia, Venezuela e Argentina. "Sem dúvidas as delações atingem hierarquias do escalão político desses países", confirmou.
Leia a entrevista com Olga Pontes na íntegra:
Qual o tamanho do desafio de comandar o compliance de uma empresa que contou com 77 colaboradores no âmbito da operação Lava Jato?
Um sonho de consumo. Pra quem gosta de conformidade ver na prática o que as melhores ações do mundo ditam, em questão de risco, auditoria e compliance, não tenho dúvidas de que o melhor local para estar é uma empresa convicta de que o processo de transformação é essencial. 
Qual a estrutura do setor de compliance?
Decidimos transformar a Odebrecht em março de 2016, na colaboração com as autoridades. A primeira ação foi a reestruturação da governança. Não adianta ter regras de compliance sem pilares sólidos. Em abril demos o primeiro passo. Definimos que todas as empresas do grupo deveriam ter conselhos de administração (CA), comitê de compliance para tratar do tema e que o responsável por compliance deveria se reportar a esse comitê, paralelo ao CA.
+JOTA: <a href="https://www.jota.info/justica/lava-jato-aperfeicoar-compliance-bancos-01052018" target="_blank" rel="noopener">‘Efeito Lava Jato’ deve aperfeiçoar conformidade dos bancos, afirma procurador</a>
Muitas empresas de capital aberto não têm essa exigência de uma área reportando ao conselho. Não existia responsabilidade alguma para aplicar o que estamos aplicando, que vai além do que muitas empresas de capital aberto estão fazendo.
Cada uma das empresas [do grupo Odebrecht] tem seu diretor de compliance. Na minha [holding do grupo], tenho uma liderança responsável pela auditoria interna, uma pela linha de ética, de investigações. Fora uma equipe que atende o monitoramento independente da leniência, feito atualmente por duas pessoas.
Hoje em dia temos 72 pessoas dedicadas a compliance em todo o grupo, mas todos os funcionários têm responsabilidades voltadas à conformidade, com resultados quantitativos e qualitativos em seus planos de ação. As lideranças são responsáveis por garantir essa atuação. Se uma pessoa não fizer o treinamento, o líder também é responsabilizado.
Quais as penalidades possíveis?
Depende da infração. O não cumprimento de uma meta de plano, por exemplo, merece menos bônus, menor acréscimo de salários. Mas uma coisa são as metas do plano de ação e outra coisa é violar os códigos e orientações da empresa. Para cobrir o sistema, todos têm de fazer o treinamento. Mas se há uma denúncia interna, se a pessoa descumpriu atos, é caso de demissão - e até mesmo comunicação às autoridades.
Como é a metodologia de comunicar às autoridades a descoberta de um ilícito?
Existe um protocolo pré-estabelecido a depender da denúncia, classificada de baixo, médio e alto risco. O não cumprimento de uma lei, por exemplo, é uma denúncia classificada como risco alto. Como obrigação, se o agente tiver conhecimento, tem de avisar as autoridades. Seja a denúncia verdadeira ou falsa. A depender de quem seja denunciado, normalmente o comitê de ética é utilizado para tratar desses assuntos. Se existir algum tipo de conflito nesse comitê, utiliza-se o de conformidade. Tudo é previsto para não criar regras no calor da oportunidade. 
Como é essa relação com órgãos de outros países?
Algumas das exigências do <a href="https://www.justice.gov/" target="_blank" rel="noopener">DoJ (Departamento de Justiça Americano</a>), por exemplo, é o compromisso da empresa de não corromper, ser monitorada por ao menos três anos, além de multa. Eles querem garantir que a gente saiba lidar com situações da forma correta e do jeito certo. 
Você chegou a comentar que a Odebrecht ainda está colaborando com as autoridades. De que forma vem sendo feito? Ajustes em delações?
Não está tendo ajuste. Há uma agenda de futuro e de passado. Eu cuido da transformação e um grupo de advogados trabalha com o passado. 77 colaboradores decidiram colaborar, colaboraram, foi a colaboração do fim do mundo, mas que do fim do mundo não teve nada, estamos aqui ainda. Mas foi intensa, profunda e detalhada.
Muitas vezes abrimos os jornais e está o nome da Odebrecht. Não significa que são fatos novos, mas sim que foram reportados há dois anos e a autoridade vai avançando no processo. Os colaboradores seguem à disposição prestando esclarecimentos necessários. 
No exterior, já fechamos acordos com Panamá, República Dominicana, Equador e Guatemala. Ainda tem Colômbia, Venezuela e Argentina, mas não sou a pessoa adequada a dizer o status dessas negociações. O que tarda o fechamento de algum dos acordos é o fato de ter tido uma divulgação quando houve a colaboração com o DoJ no momento em que estávamos negociando com outros países. Por mais que a leniência não fale do presidente A do país B, isso atrapalhou as nações, pois veio a público por outro órgão.
Nossa lei estava atrasada em relação aos EUA, mas os países da América Latina estavam infinitamente atrasados em relação a esse aspecto. Como vou fechar acordos se não há arcabouço legal para fechar acordo? Mas há uma movimentação para que os países tenham acordos de combate à corrupção, que prevejam penalidades e atendimento a novas regras para um mercado global mais competitivo e mais salutar. 
As empresas não podem morrer dentro de um determinado país da América do Sul, elas tendem a ser globais e devem atender a regras. E sem dúvidas as delações atingem hierarquias do escalão político dos países.
Desde o acordo de leniência e das delações foram detectados novos ilícitos? 
A nossa colaboração foi definitiva. Isso significa que firmamos o compromisso de não ter mais ilícitos e de que qualquer ato, informação ou dado que possa contribuir com o processo de delação será compartilhado. A expectativa é de que o que aconteceu de errado no passado já tenha sido delatado pelas pessoas que decidiram colaborar. 
Nosso diferencial foi ter implantando, antes do acordo, um sistema de conformidade que monitora os nossos compromissos, porque normalmente as empresas assinam acordo e possuem 90 dias para definir o sistema de conformidade. As autoridades não querem só promessas, elas querem mecanismos que garantam que todos esses compromissos fazem parte do dia a dia da empresa. 
O sistema de conformidade é um conjunto de dez elementos: seis ações de prevenção, duas ações de detecção e duas de remediação. A ação de prevenção, por exemplo, é a da governança da conformidade, é colocar a responsabilidade de conformidade no top manager da companhia, com independência e autonomia para reportar ao conselho.
Na detecção temos a gestão do canal de linha de ética, assim podemos detectar tanto na auditoria interna, como em uma denúncia anônima de gestão e riscos. Quando acontece algo de não correto, você precisa remediar, encontrando uma oportunidade de melhoria dos processos, para que não aconteça de novo, e punir e aplicar sanções naqueles stakeholders, ou seja, aqueles clientes fornecedores ou os próprios integrantes que, de alguma forma, não atuaram de forma ética e transparente. 
Outro ponto importante é o líder no centro da estratégia. Quem faz tudo isso rodar não é a área de conformidade e sim o líder, pois é ele quem contrata todos os dias terceiros, quem faz a avaliação de risco, engaja e fornece informações transparentes para as auditorias internas. É uma forma de permear a nova Odebrecht no DNA de todos os integrantes. Isso acontece quando atribuímos essa responsabilidade a todos e não somente a um grupo de pessoas que está reportando ao conselho. 
Cada ilícito descoberto a partir das mudanças faz esse caminho?
Isso. Pensando em ilícito, nós temos seis elementos para evitar que isso aconteça. Não queremos punir ninguém por ilícito. Por isso temos políticas definidas para que ninguém faça algo de errado. Fazemos análises de risco de uma operação que será fechada, de um potencial mercado que iremos entrar, para que não aconteçam ilícitos. Mas vamos supor que algo dessa etapa falhe. Você ainda tem as auditorias internas para detectar e o canal de denúncia anônima para que alguém que saiba de algo acontecendo, que não conseguimos detectar e prevenir, nos fale. 
E vocês têm recebido denúncias ou detectado algo pelos monitoramentos?
O canal de denúncia funciona desde sempre. Mas nem tudo que chega lá é ilícito. Como qualquer outra empresa, recebemos coisas de todas as naturezas, como, por exemplo, o não atendimento a um item específico de um procedimento ou prática, algo relacionado a ações comportamentais de integrantes. Um de nossos passos para a transformação foi terceirizar o canal de denúncias. Quem recebe as denúncias é um empresa terceira, que faz uma classificação de baixo, médio ou alto risco da denúncia e já faz uma análise sobre o que a empresa deve fazer para realizar uma apuração do fato. Trouxemos para o nosso sistema de conformidade elementos que atendem às melhores práticas internacionais de quem quer ter mecanismos para garantir que os compromissos serão parte do dia a dia da empresa.
Há algum exemplo concreto do que ainda precisa ser feito? 
Em abril, quando decidimos montar a governança de conformidade, achávamos que estávamos buscando as melhores práticas de empresas de capital aberto, definindo conselho, comitê de conformidade, colocando o CCO (Chief Compliance Officer) abaixo do conselho da Odebrecht. Conseguimos aperfeiçoar o que já tínhamos em dezembro do ano passado, quando decidimos que não bastava auditorias independentes. Conformidade nunca será um checklist que você marca que fez algo. Ou seja, implementamos ações em abril e em dezembro do ano passado quando vimos necessidade de não termos somente independência, mas também diversidade. Não adianta ser independente e ficar 20 e 30 anos. Então, estabelecemos mandatos, determinamos limite de idade. Daqui a um ano o mundo pode pensar diferente e talvez tenhamos que revisitar as regras de conformidade. Desejamos no futuro ter o reconhecimento público que atuamos com referência, ética e de forma íntegra e transparente. 
Você sofre alguma resistência interna ou externa por comandar o compliance da Odebrecht? 
Nenhuma resistência interna. Inclusive, uma das condições, não só minha, mas de todos os CCOs que decidiram aceitar a proposta da organização, foi ter carta branca para trabalhar. E não sofro preconceito externo por ser da Odebrecht e atuar com conformidade na empresa. Muito pelo contrário. Muitas empresas que têm suas áreas de conformidade como exemplos do setor estão vindo aqui para entender o que estamos fazendo e como conquistamos isso de forma célere. Nossa transformação está sendo demanda de conferências no mundo inteiro. 
Há alguma empresa na qual vocês se espelharam para criar suas políticas de conformidade? 
Alguns conselheiros fizeram visitas a outras grandes empresas que passaram por problemas semelhantes no passado para entender como lidar com o processo de crise. Criamos o conselho global, composto por notáveis, como o ex-presidente da Shell, que passou por situações de crise pública, além de professores de Harvard, criadores de pactos globais, ou seja, referências mundiais no tema de governança e transparência. Continuamos sendo referência técnica e profissional de expertise em muitos segmentos, mas precisamos baixar a cabeça e dizer o seguinte: quanto à ética, integridade e transparência, nós pecamos. Mas estamos abertos a ouvir desses notáveis sobre as melhores práticas, pois isso é uma transformação: ouvir, absorver, adaptar à nossa realidade e implementar de forma sustentável, pois recortar e colar não adianta.

foto olga

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JOTA

Ao fazer mea culpa, Olga Pontes afirma que empresa tem buscado melhores práticas internacionais

‘Precisamos baixar a cabeça e dizer que pecamos’, diz compliance da Odebrecht

Olga Pontes, chefe de compliance da Odebrecht, detalha mudanças na empresa após colaboração de 77 executivos no âmbito da operação Lava Jato