
“Vossa excelência vem no Plenário do STF, que foi destruído, para dizer que houve conspiração do governo contra o próprio governo? Tenha dó”, indagou o ministro Alexandre de Moraes, nesta quinta-feira (14/9), ao ministro André Mendonça durante o julgamento do primeiro réu dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro. Mendonça havia divergido de Moraes em relação à acusação de crime de golpe de Estado no julgamento da Ação Penal (AP) 1060 contra Aécio Lúcio Costa Pereira. “Não coloque palavras na minha boca, tenha dó, vossa excelência”, respondeu Mendonça. Alguns minutos depois, os dois ministros se desculpam.
Em seu voto, o ministro Alexandre de Moraes, relator, entendeu pela condenação de Pereira no crime de golpe de Estado. Moraes observou que “às vezes, o terraplanismo e o obscurantismo de algumas pessoas faz parecer que o dia 8 de janeiro foi um domingo no parque”.
“As pessoas vieram pegaram um ticket, entraram na fila […] agora nós vamos invadir o Supremo e vamos quebrar alguma coisinha aqui, agora vamos invadir o Senado, agora vamos invadir o Palácio do Planalto, como se fosse possível”, destacou. Moraes afirmou que “é tão ridículo ouvir isso que a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) não deveria permitir. A OAB que é uma defensora intransigente da democracia.”
Já o ministro Mendonça, divergiu afirmando que “um golpe de Estado demanda atos não só de destituição do poder, mas do estabelecimento de uma nova ordem jurídica e institucional”. “Eu preciso definir o que eu vou fazer com o Congresso, eu preciso definir o que eu vou fazer com o STF, eu preciso definir o que vai ser feito com a imprensa, com a liberdade das pessoas, no meio universitário, uma série de planejamentos e condutas que, com a devida vênia, não vi nesses manifestantes”, destacou.
Moraes, então, citou exemplos como golpe de 1964, em que buscou-se trocar apenas o presidente eleito, João Goulart. “Não foi, em momento algum, tentar mexer com a estrutura dos outros poderes. Até porque, lamentavelmente, os outros poderes aderiram. Então você consegue vislumbrar uma tentativa de golpe na troca do poder, na troca daquele que foi legitimamente e democraticamente eleito”, defendeu o ministro.
O ministro Gilmar Mendes também interferiu afirmando ser necessário uma contextualização das manifestações. “Nós jamais tivemos um grupo acumulado na frente de quartéis pedindo intervenção federal, é preciso colocar isso nos seus contextos”, ressalta. Em seguida, acrescenta: “Nós tivemos, e vivemos na pele, dois ‘7 de setembro’ em que imaginávamos que aquilo poderia descambar para a arruaça que se transformou o 8 de janeiro”.
Se referindo ao voto do ministro Nunes Marques, que entendeu pela condenação de apenas dois dos cinco crimes aos quais Pereira é acusado, Mendes destacou que “jamais houve passeio no parque, não se tratava de passeio no parque, ministro Kassio, nem de um incidente. A cadeira que o senhor está sentado, estava lá na rua no dia da invasão”. Marques apenas respondeu que a fala não foi sua.
Em resposta a Mendes, Mendonça disse ter “muitas perguntas sem respostas” em relação ao atual ministro da Justiça, Flávio Dino. “Eu fui ministro da Justiça e o senhor também trabalhou no Palácio do Planalto, na subchefia de assuntos jurídicos. Em todos esses movimentos de 7 de setembro, como ministro da Justiça, eu estava de plantão com uma equipe à disposição. Seja no Ministério da Justiça, seja com policiais da Força Nacional que chegariam aqui em alguns minutos para impedir o que aconteceu. Eu não consigo entender, e também carece de resposta, como o Palácio do Planalto foi invadido da forma como foi invadido”, questionou.
Neste momento, Moraes intervém e diz que “as investigações mostraram claramente porque houve essa facilidade”. “Cinco coronéis comandantes da polícia militar estão presos porque desde o final das eleições se comunicavam por ‘zap’, dizendo exatamente que iriam preparar uma forma de haver manifestação”, diz.
“Eu também fui ministro da Justiça e sabemos nós dois que o ministro não pode utilizar a Força Nacional se não houver autorização do governo do Distrito Federal porque isso fere o princípio federativo”, afirma. “É um absurdo, com todo respeito, vossa excelência, querer falar que a culpa do 8 de janeiro é do ministro da Justiça. É um absurdo, quando cinco comandantes estão presos, quando o ex-ministro da Justiça que sucedeu vossa excelência fugiu para os EUA, jogou o celular dele no lixo e foi preso”, completa.
“Vossa excelência vem no Plenário do STF, que foi destruído, para dizer que houve conspiração do governo contra o próprio governo? Tenha dó”, indagou Moraes. Mendonça, então, pede ao ministro não colocar palavras na sua boca, “tenha dó vossa excelência”.
Minutos após o bate-boca, os dois ministros se desculpam. A Mendonça, Moraes diz: “Vossa excelência fez uma referência a mim extremamente injusta”. “Se você se sentiu ofendido, eu retiro a referência, peço desculpas”, responde Mendonça. E Moraes acrescenta: “Eu agradeço. Então, se fiz algo de modo indevido, também peço minhas escusas”.