Karla Gamba

Em um ano cheio de situações incomuns, o consumidor, as empresas privadas e entidades públicas ligadas à área da saúde, sem escolha, tiveram que experimentar uma nova forma de lidar com o Judiciário em sua busca pela resolução de demandas.
A despeito da crise causada pela pandemia, que trouxe novas demandas tanto para o setor público quanto para a saúde suplementar, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) se manteve relativamente fiel ao seu calendário e suas previsões de julgamentos. 
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O JOTA acompanhou todos os julgamentos — a maioria deles realizado por videoconferência — de todos os casos de Saúde deste ano de 2020 e fez uma seleção dos principais temas e decisões que vão impactar o setor. 
<h3>Planos de saúde e beneficiários </h3>
Prazo prescricional para beneficiários pedirem reembolso é de 10 anos
Em março de 2020, a 2ª Seção do STJ decidiu que é de 10 anos o prazo prescricional para que beneficiários peçam o reembolso de despesas médico-hospitalares, alegadamente cobertas por plano ou seguro saúde, mas que não foram cumpridas pela operadora. A previsão do julgamento estava na agenda, enviada pelo JOTA aos assinantes, sobre os principais processos de Saúde do semestre na Corte. O julgamento aconteceu nos REsp 1.756.283/SP e REsp 1.805.558/SP.
Operadora deve restabelecer plano de idosa por ter omitido vencimento de parcela
Em agosto, a 4ª Turma determinou o restabelecimento do plano de saúde de uma idosa, que foi rescindido unilateralmente por inadimplência. Os ministros do colegiado entenderam que a operadora agiu de má-fé ao omitir o vencimento de uma das parcelas. O caso (<a href="https://www.jota.info/tributos-e-empresas/saude/plano-de-saude-inadimplencia-09092020">REsp 1.647.745/SP</a>) também estava na lista dos principais julgamentos de Saúde do semestre em relatório enviado aos assinantes do JOTA.
Mudança de endereço não enseja rescisão tácita de plano de saúde
Em junho, a 3ª Turma do negou o recurso de um beneficiário contra condenação por inadimplência de parcelas em atraso. Ele alegava que havia comunicado a operadora de sua mudança de endereço e que, no novo local de moradia, não havia cobertura do plano, portanto ele não fez uso do serviço no período referente à inadimplência. Os ministros da 3ª Turma entenderam, no entanto, que a notificação de mudança não foi devidamente feita no prazo e que as cobranças geradas não poderiam ser desoneradas. A decisão foi no REsp 1.595.897/SP.
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<h3>Planos coletivos e empresariais</h3>
Ativos e inativos devem ter as mesmas condições de assistência e custeio em planos coletivos
No recurso repetitivo Tema 1.034, a 2ª Seção decidiu que ao ex-empregado aposentado (beneficiário inativo) deve ser aplicado o mesmo modelo de prestação de serviço, forma de custeio e valores dos beneficiários ativos. A decisão prevê que a manutenção do plano do inativo pode ser modificada em caso de alteração dos planos dos empregados ativos, desde que seja mantida a igualdade entre os dois. O julgamento foi concluído agora em dezembro.
Cobrança de número mínimo de beneficiários em plano coletivo é abusiva
A decisão foi da 3ª Turma, que julgou ser abusiva e ilegal uma cláusula de contrato de plano coletivo que previa a cobrança de um número mínimo de beneficiários, em caso de evasão. O tema foi analisado no  REsp 1.830.065/SP, no mês de novembro.
Plano coletivo deve aplicar índice da ANS caso não comprove necessidade de reajuste maior
No REsp 1.848.022/DF, em setembro de 2020, a 3ª Turma decidiu que o índice de reajuste de plano de saúde individual definido pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) deve ser aplicado caso a operadora de plano coletivo não consiga comprovar a necessidade de um reajuste acima desse índice. 
Rescisão unilateral de plano coletivo deve ser informada também aos beneficiários, que têm direito à portabilidade de carência
Em agosto, a 3ª Turma reforçou o entendimento de que as operadoras de plano de saúde coletivo que decidirem, unilateralmente, pela rescisão do contrato devem comunicar o fato à pessoa jurídica e aos beneficiários. O caso foi julgado no REsp 1.739.907/DF.
Rescisão unilateral de plano coletivo não obriga operadora a oferecer opções individuais
No julgamento dos recursos 1.732.511/SP e 1.819.894/SP, a 3ª Turma concluiu que a rescisão unilateral de plano coletivo não obriga a operadora a oferecer opções de planos individuais sem prazo de carência e com preços iguais. O entendimento vale apenas nos casos em que não há benefícios compatíveis na carteira de serviços.
2ª Seção fixa e depois altera tese sobre planos derivados de contratos de trabalho 
Em março, a 2ª Seção julgou o Incidente de Assunção de Competência (IAC) nº 5 — também comunicado antecipadamente aos assinantes do JOTA — no qual fixou a seguinte tese sobre planos derivados de contratos de trabalho: “Compete à Justiça comum julgar as demandas relativas a plano de saúde de autogestão empresarial, exceto quando o benefício for instituído por meio de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, hipótese em que a competência será da Justiça do Trabalho, ainda que figure como parte trabalhador aposentado ou dependente do trabalhador”.
Três meses depois, em junho, o mesmo colegiado aprovou uma alteração no texto da tese firmada, trocando a palavra instituído pelo termo regulado.
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<h3>Cobertura e reembolso de procedimentos </h3>
Fertilização in vitro: ministros decidem que planos não são obrigados a custear procedimento
Em fevereiro de 2020, os ministros das turmas de direito privado do STJ (3ª e 4ª) decidiram, em julgamentos diferentes, pelo mesmo entendimento de que os <a href="https://www.jota.info/tributos-e-empresas/saude/stj-planos-fertilizacao-19022020">planos de saúde não são obrigados a custear o procedimento de fertilização </a>in vitro, pacificando assim a jurisprudência da Corte sobre a matéria. Os dois colegiados interpretaram que, embora a lei dos planos de saúde cite expressamente a proibição de cobertura apenas de inseminação artificial, a fertilização pode ser compreendida como um procedimento análogo, portanto, fora do rol de cobertura. A interpretação foi fundamentada no artigo 10, inciso III, da Lei 9.656/98.
Na 3ª Turma a decisão foi por maioria de votos, no âmbito do REsp 1.794.629/SP, julgado em 18 de fevereiro. Já na 4ª Turma, a decisão foi por unanimidade, no âmbito do REsp 1.823.077/SP, julgado no dia 20 do mesmo mês.  
Planos devem arcar com retirada e criopreservação de óvulos até alta de paciente com câncer
Em maio, a 3ª Turma decidiu que uma operadora deveria arcar com o procedimento de retirada e criopreservação de óvulos de uma beneficiária até que ela recebesse alta de seu tratamento quimioterápico, visando preservar o seu direito de ser mãe, caso venha a ficar infértil. Os ministros, no entanto, ressaltaram que o caso era peculiar e não afrontava o que já estava previsto: que os planos não são obrigados a cobrir procedimentos de fertilização. O julgamento ocorreu no  <a href="https://www.jota.info/tributos-e-empresas/saude/plano-criopreservacao-ovulos-cancer-29052020">REsp 1.815.796/RJ</a>.
Cobrança de coparticipação após o 30º dia de internação psiquiátrica não é ilegal
Com o recurso repetitivo Tema 1.032, a 2ª Seção decidiu em dezembro que a cobrança de coparticipação após o 30º dia de internação psiquiátrica não é ilegal. Para os ministros, o enunciado da Súmula 302 do STJ — que considera abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita no tempo a internação hospitalar do segurado — não se aplica para internações psiquiátricas. Eles concluíram também que a cobrança de coparticipação, após os 30 dias de internação, era um importante instrumento para o equilíbrio atuarial dos planos. O julgamento tomou como exemplo os seguintes processos: <a href="https://www.jota.info/tributos-e-empresas/saude/tjsp-plano-coparticipacao-internacao-psiquiatrica-30-dias-20012020">REsp 1.755.866/SP e REsp 1.809.486/SP</a>. 
Plano não precisa cobrir prótese de fisioterapia pelo método Pediasuit
No julgamento do REsp 1.741.618/DF, que também ocorreu em dezembro, a 3ª Turma decidiu que uma operadora não deveria cobrir o fornecimento de órteses e próteses em fisioterapia realizada pelo método Pediasuit. A decisão foi baseada no art. 10 da Lei 9656/98, que exclui a cobertura de órteses e próteses não ligadas a ato cirúrgico.  
Operadora não é obrigada a reembolsar procedimento não urgente fora da rede credenciada
No mês de outubro, a 2ª Seção decidiu que uma operadora não era obrigada a reembolsar um beneficiário que realizou procedimento cirúrgico com médico e hospital não integrantes da rede credenciada. Os ministros entenderam que, no caso específico, não ficou caracterizado que o procedimento era de urgência ou emergência. 
O julgado não tem repercussão geral, ou seja, não se aplica automaticamente a outros casos, mas passa a configurar como jurisprudência atual da Corte, uma vez que a 2ª Seção é o órgão colegiado responsável por uniformizar os entendimentos do STJ sobre o tema. O julgamento ocorreu no âmbito do <a href="https://www.jota.info/tributos-e-empresas/saude/operadora-nao-reembolsar-procedimento-nao-urgente-fora-da-rede-22102020">EAREsp 1.459.849/ES</a>.
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<h3>Registro e fornecimento de medicamentos </h3>
Operadora deve importar medicamento que teve registro cancelado
Em dezembro, a 3ª Turma manteve a condenação de uma operadora a custear a importação do medicamento Targretin, que teve seu registro cancelado. No REsp 1.816.768/PR, os ministros concluíram que o cancelamento do registro ocorreu em função do "desinteresse comercial” do importador, o que, portanto, não anula a legalidade da importação e de seu uso.
Medicamentos com nomes semelhantes ao Dorflex têm seus registros anulados
No REsp 1.848.648/RJ, a 3ª Turma negou o recurso de uma farmacêutica, anulando os registros comerciais e proibindo o uso das marcas dos medicamentos Doralflex e Neodoralflex. O colegiado entendeu que a similaridade com a marca Dorflex, registrada anteriormente, poderia causar confusão aos consumidores. O julgamento começou em dezembro de 2019 e foi concluído em maio de 2020, com o placar apertado de 3 votos a 2.
Farmacêutica é condenada após mulher desenvolver compulsão por jogos como efeito colateral de medicamento
Em um julgamento inusitado ocorrido em maio, a 3ª Turma condenou uma farmacêutica ao pagamento de indenização a uma mulher que desenvolveu compulsão por jogos após o uso do medicamento Sifrol. A Justiça entendeu que o fabricante não esclareceu devidamente o risco ao qual a paciente estava submetida. A mulher faleceu em 2018, mas a ação foi mantida pelo espólio dela. 
A paciente sofria de Mal de Parkinson e, após o uso contínuo do Sifrol, alegou que, como efeito colateral, começou a frequentar bingos e acabou se viciando em jogos. O vício teria levado a mulher a perder 75% de seu patrimônio, além de abandono progressivo de sua carreira profissional de advogada, o que teria causado perda de renda e prestígio. A compulsão por jogos, ou jogo patológico, é uma doença reconhecida pela Organização Mundial de Saúde (OMS). O caso foi julgado no <a href="https://www.jota.info/tributos-e-empresas/saude/boehringer-remedio-compulsao-jogos-07052020">REsp 1.774.372/RS</a>.
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<h3>Operadoras e regulação </h3>
União e ANS devem ser pólos passivos de ACP que impacta mais de uma operadora 
No mês de outubro, no julgamento do REsp 1.188.443/MG, a 4ª Turma decidiu que a Justiça Estadual do Rio de Janeiro não poderia julgar uma ação civil pública coletiva contra planos de saúde sem consultar a União e a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), sobretudo porque, no curso do julgamento, o tribunal de segunda instância declarou nulidade de uma norma regulatória: a Resolução nº 13 do Conselho de Saúde Suplementar (Consu). Além de anular o acórdão recorrido, oriundo do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), o colegiado determinou a remessa dos autos para a Justiça Federal e a inclusão da União e da ANS como pólos passivos.

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JOTA

Prescrição, cobertura e reembolso de procedimentos, e paridade entre ativos e inativos estão nos julgados

Pandemia praticamente não afetou julgamentos sobre saúde no STJ em 2020

Demandas relacionadas aos planos de saúde, como cobertura e reembolso de procedimentos seguem sendo as mais recorrentes na Corte