O diretor-presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, afirmou em entrevista ao JOTA, nesta quarta-feira (7/4), que a realização da votação para decidir sobre a importação excepcional da vacina Sputnik V, da Rússia, depende do envio de dados complementares pelos governos estaduais que fizeram as solicitações.
Os cinco integrantes do alto escalão da agência se reuniram, na tarde de terça-feira (6/4), com os governadores do Acre, Alagoas, Amapá, Bahia, Ceará, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Rondônia. Na ocasião, segundo o presidente da Anvisa, foram apontadas fragilidades existentes nos pedidos.

No dia 1º de abril, foram protocoladas sete solicitações excepcionais envolvendo a vacina russa. Até a tarde de ontem, o número subiu para 11, envolvendo 29.603.800 doses. Pará e Amapá não confirmaram os quantitativos.
De acordo com a Lei nº 14.124/2021 e com a RDC 476/2021, a Anvisa tem até sete dias úteis para dar uma resposta, com possibilidade de extensão para 30 dias em caso de ausência de relatório técnico de autoridade estrangeira. Barra Torres indicou que espera que a deliberação ocorra antes do tempo máximo.
“Nunca é o prazo, é sempre ‘até’. Essas três letras fazem toda a diferença. O que vejo é que, de posse das informações da reunião de hoje, de eventuais informações faltantes, documentos faltantes, os governos estaduais deverão agir no sentido de obter e nos apresentar. De nossa parte, vamos aguardar os documentos que eles vão nos enviar, com certeza, com a maior brevidade possível. Acho que bem antes desse prazo. Eu diria que depende deles”, afirmou.
Na manhã desta quarta-feira (7/3), o diretor Alex Campos e o gerente-geral de Portos, Aeroportos e Fronteiras, Nélio Aquino, receberam o secretário-executivo do Consórcio Nordeste, Carlos Gabas, para tratar sobre as inconsistências.
As principais pendências envolvendo a análise da Sputnik no Brasil estão relacionadas às informações técnicas que basearam a tomada de decisão para a liberação do uso emergencial da vacina na Rússia e em outros países.
A Anvisa tem feito uma busca ativa por essas informações desde o recebimento do primeiro pedido de uso emergencial do imunizante feito pela farmacêutica União Química, em janeiro deste ano.
A revista científica The Lancet publicou, no dia 2 de fevereiro, artigo que relata a eficácia de 91,6% da vacina, mas os detalhes do estudo clínico precisam ser avaliados para que esse resultado seja confirmado pela reguladora brasileira.
Há uma dificuldade de obtenção dessas informações a nível mundial. De acordo com uma publicação do Financial Times, a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) fará uma inspeção para verificar se a pesquisa utilizou critérios de boas práticas clínicas, fundamentais para a confirmação dos resultados de segurança e eficácia. A vacina foi aceita, em fevereiro, para a submissão contínua na Europa.
Inspeção na Rússia
Ainda de acordo com o presidente da Anvisa, uma inspeção programada para avaliar aspectos de boas práticas de fabricação tanto do produto acabado quanto do ingrediente farmacêutico ativo (IFA) aguarda apenas o aval da Rússia para ser realizada.
Barra Torres esteve no Palácio do Planalto, também nesta terça-feira (6/4), para acompanhar um telefonema do presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), ao presidente da Rússia, Vladimir Putin.
“O presidente Putin demonstrou que estava acompanhando esse assunto. Então, essa parte da nossa ida lá evolui bem, evolui favoravelmente. Estamos prontos para ir hoje, se for preciso, mas temos que ter a definição deles, que irão nos receber”, afirmou ao JOTA.
Bolsonaro abordou, na conversa, a intenção de aumentar a oferta de vacinas no Brasil com o envase da Sputnik V no país. A União Química, que fechou contrato com o Ministério da Saúde para o fornecimento de 10 milhões de doses prontas, já conseguiu a certificação de uma fábrica em Guarulhos (SP) para o envase de IFA.
“O que entendi, desse esforço do presidente Bolsonaro com o presidente Putin, é que era em sede de uma compra governo a governo. Mas a nossa inspeção é útil inclusive para o futuro, porque podemos certificar e esperamos que possamos certificar. Isso é bom. Não só no caso concreto da Sputnik V, mas para qualquer outro produto que de lá vier”, detalhou Barra Torres.
Alternativa do governo
A certificação não é obrigatória no pedido de importação excepcional, mas a reprovação da fábrica da Bharat Biotech, na Índia, pela Anvisa, foi decisiva para que a agência negasse, no dia 31 de março, a liberação de 20 milhões de doses da vacina Covaxin a pedido do Ministério da Saúde por essa via.
Na última semana, o novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, afirmou na Câmara dos Deputados que a vacina russa para Covid-19 poderia ser a solução para suprir a falta de 16 milhões de doses da Covaxin que chegariam em março e abril para uso no plano nacional de imunização.
“A posição da Covaxin não é definitiva. Foram apontados problemas, tanto na importação por parte do Ministério da Saúde como também na certificação da fábrica na Índia. Mas nada disso é imutável. Tanto a empresa na Índia tem condição de melhorar as suas instalações e atingir os padrões, que são padrões internacionais, quanto o Ministério da Saúde tem condições de obter os documentos faltantes e entrar com um novo processo”, disse.
Leia a íntegra da entrevista com Antonio Barra Torres:
O senhor participou ontem de uma conversa do presidente Jair Bolsonaro com o presidente da Rússia, Vladimir Putin. Gostaria de entender as razões para esse alinhamento.
A reunião foi a convite do encarregado da agenda do presidente, dizendo que haveria um contato entre os dois através de telefone, por iniciativa do presidente Bolsonaro. Entre outros temas, poderia ser tratado, com grande ênfase, o tema vacina e, por isso, eu poderia estar lá para prestar assessoria, tirar alguma dúvida caso surgisse. Então, a Anvisa compareceu nessa qualidade. Foi um convite para estar presente caso surgisse o assunto vacina, no caso, a Sputnik.
E a Anvisa prestou essa assessoria?
Nós citamos a questão da nossa missão de inspeção, que vai ser feita lá. O presidente Putin demonstrou que estava acompanhando esse assunto. Então, essa parte da nossa ida lá evolui bem, evolui favoravelmente. Estamos prontos para ir hoje, se for preciso, mas temos que ter a definição deles, que irão nos receber. Eu diria que está evoluindo bem. Foi abordada pelo presidente Bolsonaro a intenção do Brasil, fruto é claro das verificações que vão ser feitas pela Anvisa, de adquirir a Sputnik para aumentar a oferta vacinal.
Essa inspeção é de boas práticas, certo?
Olha, é uma inspeção que abordará as boas práticas tanto do IFA [ingrediente farmacêutico ativo] quanto do produto acabado, a vacina pronta. Pode ser que, como estamos na fase final de tratativas, surja mais algum outro aspecto, mas é basicamente isso mesmo.
A princípio, as doses da Sputnik seriam importadas prontas. Agora, há essa expectativa porque a fábrica da União Química em São Paulo já tem certificação de boas práticas. Gostaria de saber se o Ministério da Saúde indicou intenção de fazer esse pedido para a importação do IFA. Há alguma definição nesse sentido?
O que entendi, desse esforço do presidente Bolsonaro com o presidente Putin, é que era em sede de uma compra governo a governo. Mas a nossa inspeção é útil inclusive para o futuro, porque podemos certificar e esperamos que possamos certificar. Isso é bom. Não só no caso concreto da Sputnik V, mas para qualquer outro produto que de lá vier.
O novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, avaliou que a Sputnik pode ser uma solução para a lacuna no plano nacional de imunização deixada pela decisão da Anvisa desfavorável à Covaxin. O senhor tem tido um bom trânsito com o presidente Bolsonaro. Diante de intensa movimentação no Congresso Nacional para flexibilização de regras para o uso de vacinas para Covid-19, conseguiu influenciar a decisão de um veto em um texto que, na sua visão, prejudicaria a agência. Agora, a Anvisa será cobrada por isso?
A posição da Covaxin não é definitiva. Foram apontados problemas, tanto na importação por parte do Ministério da Saúde como também na certificação da fábrica na Índia. Mas nada disso é imutável. Tanto a empresa na Índia tem condição de melhorar as suas instalações e atingir os padrões, que são padrões internacionais, quanto o Ministério da Saúde tem condições de obter os documentos faltantes e entrar com um novo processo. Não vejo que se trate de substituir uma por outra. A Covaxin é uma vacina que tem a condição de ser analisada e de integrar o programa nacional de imunização desde que os problemas sejam resolvidos. Isso é uma coisa.
Agora, sobre essa segunda parte, não entendi muito bem a pergunta. Eu pedi porque sou presidente da Anvisa, mas foi um entendimento da agência de que aquilo ali extinguiria a capacidade de analisar qualquer coisa, porque estava escrito lá “concederá autorização”. Então, não precisaria ter agência, não é? Se era para conceder autorização somente. Houve o entendimento de que isso deixava desprotegido o cidadão brasileiro. Foi um pedido em prol da população que foi acatado pelo presidente, foi vetado. E entendo que da parte do Congresso também, porque o Congresso poderia ter derrubado o veto e não o fez. Os legítimos representantes do povo entenderam da mesma maneira que nós, que pese por um caminho mais longo.
Ontem, todos os diretores da Anvisa participaram da reunião com os governadores que tentam importar a Sputnik. Por quê? Houve algum apelo da agência?
Nós estamos com um número considerável de pedidos de governadores para autorização excepcional de importação da Sputnik. Pareceu-nos razoável e eles também assim o entenderam, tanto é que aceitaram gentilmente o nosso convite, para que estivéssemos reunidos. Apontamos para todas as fragilidades que entendemos que existem nos processos, até para que eles possam sanar, digamos assim, em bloco. Mesmo sendo pedidos diferentes, o produto é o mesmo. Tanto o saldo foi positivo que os próprios governadores solicitaram que no dia de hoje [quarta-feira] ocorresse uma reunião de nível técnico, de pessoas da assessoria técnica dos governos estaduais e da Anvisa, para que esse caminho fosse melhor pavimentado. Foi uma boa reunião.
Seria possível haver uma votação ainda nesta semana ou a Anvisa precisará dos 30 dias previstos na lei e na resolução?
Nunca é o prazo, é sempre “até”. Essas três letras fazem toda a diferença. O que vejo é que, de posse das informações da reunião de hoje, de eventuais informações faltantes, documentos faltantes, os governos estaduais deverão agir no sentido de obter e nos apresentar. De nossa parte, vamos aguardar os documentos que eles vão nos enviar, com certeza, com a maior brevidade possível. Acho que bem antes desse prazo. Eu diria que depende deles.