Manoela Albuquerque

Marcella Fernandes

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) decidiu divulgar, durante um comunicado ao vivo na tarde desta quinta-feira (29/4), trechos de uma reunião com representantes do Instituto Gamaleya, desenvolvedor da vacina russa Sputnik V, para se defender de acusações feitas após a <a href="https://www.jota.info/tributos-e-empresas/saude/apos-cinco-horas-de-reuniao-anvisa-nega-liberacao-da-sputnik-v-26042021" target="_blank" rel="noopener noreferrer">negativa de importação da vacina</a>, no início da semana. A reunião ordinária de diretoria colegiada, prevista para esta manhã, foi cancelada para a preparação da resposta.
O impasse está relacionado à presença de adenovírus replicante no produto, considerada pela agência uma desconformidade que pode gerar risco à saúde da população. Esse foi um dos motivos para que a Sputnik não fosse liberada no Brasil, mas não o único. A decisão da Anvisa leva em consideração pareceres contrários elaborados pelas áreas técnicas de Medicamentos, Fiscalização e Monitoramento.
<a href="https://www.jota.info/produtos/saude?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Saude_materias"><img class="aligncenter wp-image-292716 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-saude.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>Um dia após a negativa de importação, o Fundo Russo de Investimento Direto publicou um comunicado em que classifica como política a decisão da agência e questiona a falta de dados apontada pelos técnicos e diretores. Segundo o documento, a decisão da reguladora é consequência da pressão do Departamento de Saúde dos Estados Unidos, que teria persuadido o Brasil a rejeitar a vacina russa.
A gravação de reuniões com desenvolvedores é prevista, mas sua divulgação é sem precedentes. A Anvisa chegou a negar via Lei de Acesso à Informação (LAI), em janeiro deste ano, conteúdo envolvendo o Instituto Butantan, que levantou dúvidas sobre a análise da CoronaVac. A justificativa foi que as informações são sigilosas, com base na própria lei.
Questionado pelo JOTA em coletiva de imprensa após a transmissão, o diretor-presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, avaliou que se trata de uma resposta à altura. 
<blockquote>"A decisão hoje foi um pouco mais firme, digamos assim, ou expressiva, porque o Estado foi achincalhado no exterior, acusado de veicular mentira, de gerar fake news, de agir sob pressões de potências estrangeiras. Foi ressuscitada a Guerra Fria, uma coisa que já acabou há muito tempo. Nas outras vezes, acho que as colocações fizeram parte do jogo democrático, coisa que todo país tem”, afirmou. </blockquote>
O perfil da Sputnik V no Twitter publicou, nesta manhã, que pretende acionar a reguladora judicialmente, mas Barra Torres descartou seguir o mesmo caminho contra os desenvolvedores russos. 
"A nossa medida é o trabalho sério e bem feito. Temos que focar em salvar vidas. Agora, se realmente tivermos que parar tudo para responder aos ataques judiciais, quaisquer que sejam, vamos fazê-lo”, declarou. 
<h3>Problemas na Sputnik</h3>
De acordo com a Anvisa, a reunião para discutir a presença de adenovírus replicante na vacina foi realizada no dia 23 de março. No encontro, um dos representantes do Gamaleya confirmou que entendeu os apontamentos feitos pela reguladora brasileira e pediu que os questionamentos fossem encaminhados. No dia 26 de março, segundo a agência, a resposta recebida foi insuficiente.
Durante a apresentação, o gerente-geral de Medicamentos, Gustavo Mendes, mostrou trechos dos documentos entregues. Segundo ele, o material atesta que o processo de fabricação das partículas RAD5-SCOV2 pode produzir partículas replicantes. 
A Sputnik é aplicada em duas doses com dois adenovírus vetores distintos: na primeira é administrada o Ad26 e na segunda, o Ad5. O adenovírus replicante foi detectado em todos os lotes apresentados para o adenovírus Ad5. De acordo com o técnico, foi justificada a não replicação de apenas um dos componentes.
Mendes esclarece que documentos avaliados pela Anvisa, apresentados pelo próprio desenvolvedor, estabelecem uma especificação de adenovírus replicante no produto acabado. 
“Essa especificação é definida 300 vezes maior limite regulatório que encontramos, que é o guia da FDA, que trata sobre terapias gênicas. O esperado, pela comunidade científica internacional, especialmente nas vacinas para Covid-19, é a ausência de vírus replicante”, afirmou. 
Os técnicos da GGMED compararam resultados das análises do produto placebo, o resultado dos laudos foi um valor zerado. Usando a mesma metodologia, houve identificação da especificação na vacina. 
“Para um mesmo tipo de ensaio, com uma mesma metodologia, é possível detectar um valor zerado e um valor com presença. Foi isso que nos levou a constatar que existe a permissibilidade e existe a presença do vírus replicante”, detalhou.
No ensaio de segurança, também foi constatada a presença de adenovírus replicante na vacina. A especificação determinada é “não menos que 1x10³ de adenovírus replicante” e o resultado é “de até 1x10²”. Segundo Mendes, esses resultados deveriam estar zerados. No placebo, há a mesma especificação e o valor aparece zerado. 
<h3>Reação de governadores</h3>
Os <a href="https://www.jota.info/tributos-e-empresas/saude/stf-governadores-anvisa-sputnik-14042021" target="_blank" rel="noopener noreferrer">governadores do consórcio do Nordeste</a> enviaram à Anvisa na tarde desta quinta-feira um documento do Instituto Gamaleya com objetivo de rebater lacunas de informações apontadas pela agência. O arquivo com 55 páginas inclui um anexo com análise de amostras de lotes que apresentam informações de amostras com adenovírus replicantes. Esses dados foram repassados à reguladora em 26 de março. Outro anexo é um estudo com adenovírus em animais.
Na primeira parte, o laboratório russo responde a 30 questionamentos feitos pela Anvisa. Em geral, são respostas curtas e as indicações de fontes incluem releases do próprio laboratório e tweets. No questionamento sobre quais possíveis eventos adversos causados pelo imunizante, o documento aponta como fonte um comunicado à imprensa e tweets da conta Sputnik V.
O documento é assinado por Alexander Vasilievich Pronin, pesquisador do Centro de Epidemiologia e Microbiologia do Ministério da Saúde da Rússia e vice-diretor financeiro do Instituto Gamaleya.
Sobre questionamentos de dados que comprovem a segurança, eficácia e qualidade, as respostas não são detalhadas e citam informações como o registro da vacina em 60 países —sem documentos que embasaram essas decisões — e o fato de "mais de 18 milhões de doses administradas na Rússia durante vacinação em massa com alto perfil de segurança", também sem detalhar esses dados.
Sobre a presença de adenovírus replicantes, “o Centro Gamaleya confirmou que não encontrou adenovírus replicante nos lotes produzidos”, diz um trecho. “A qualidade e a segurança da Sputnik V é, dentre outras coisas, assegurar pelo fato que, diferente de outras vacinas, ela usa uma tecnologia de 4 filtros de purificação”, continua o documento. De acordo com o laboratório russo, esse processo de filtragem ajuda a obter “um produto altamente puro que cumpre controles de qualidade obrigatórios, incluindo controle de adenovírus replicantes e presença de qualquer tipo de aditivos".
As autoridades russas também alegam que a equipe da Anvisa em Moscou "teve total acesso a todos os documentos relevantes, assim como a todos os locais de produção e pesquisa" e que as inspeções incluíram apenas duas instalações previstas para produzir as vacinas para o Brasil.
Além de encaminhar o documento russo, em ofício enviado a Barra Torres, nesta quinta-feira, a procuradora-chefe da Bahia, Bárbara Camardelli, pede a "disponibilização de acesso integral aos autos administrativos, especialmente à documentação analisada e que embasou a mencionada decisão", em referência à negativa da importação.
A pressão sobre a decisão da agência também ocorreu por parte da União Química, representante do imunizante no Brasil. O diretor científico do laboratório, Miguel Giudicissi Filho, enviou uma carta ao diretor da Anvisa em que sugere que agência teria analisado amostras de "vacinas faltas do mercado negro". A reguladora não fez testes com a Sputnik V.
“Pedimos a gentileza de nos informar qual foi a forma e o canal pelo qual teve acesso às amostras da Sputnik V para confirmar que a vacina utilizada para análise foi oficialmente fornecida a essa agência. Confirmamos que nenhuma vacina Sputnik-V foi oficialmente ofertada à Anvisa por nós e nem pelo parceiro russo", diz a carta enviada por Giudicissi nesta quarta-feira.
Após a Anvisa negar o pedido de dez estados para importação e uso da vacina Sputnik V no Brasil, os governadores decidiram aguardar o envio de documentos por autoridades sanitárias russas — e análise desses dados pela reguladora —para decidir sobre sua estratégia de atuação.
Ao todo, 37 milhões de doses foram contratadas por estados do Norte e Nordeste. Segundo os governadores, os pagamentos serão feitos à medida que cada lote for entregue: 25% do valor no embarque das doses e 75% no recebimento.
O Consórcio Brasil Central (BrC), que inclui sete unidades da Federação e negociou 28 milhões de doses com o Fundo Soberano Russo, informou que a contratação só seria concluída com o aval regulatório.
"A aquisição só seria realizada mediante aprovação da Anvisa. E no caso da autorização do STF, permitindo judicialmente essa importação, a decisão será tomada em conjunto pelos 7 Governadores dos estados de Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins, Maranhão, Rondônia, além do Distrito Federal", informou o secretário-executivo do consórcio e vice-governador do Distrito Federal, Paco Britto.
Já o Conectar, consórcio da Frente Nacional de Prefeitos, tem procurado outros fornecedores. Eles negociavam 30 milhões de doses com o Fundo Soberano Russo. Nesta quinta-feira, 8 prefeitos se reuniram com o embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, para pedir ajuda em negociações com a Sinovac e a Sinopharm. A intenção é conseguir 6 milhões neste semestre para profissionais da educação básica. Uma carta foi enviada à Sinopharm para compra de 15 milhões de doses que seriam enviadas até o final de 2021.

Diretor-presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, rebate acusações de representantes da Sputnik V (Reprodução/TV Brasil)

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JOTA

Desenvolvedores acusaram a agência de mentir sobre a presença de adenovírus replicante na vacina russa

Anvisa divulga conteúdo sigiloso de reunião com Gamaleya sobre Sputnik

Desenvolvedores acusaram a agência de mentir sobre a presença de adenovírus replicante na vacina russa Sputnik V.