Opinião e Análise

Joisa Dutra

Avança o ano de 2024 e com ele a <a href="https://www.jota.info/coberturas-especiais/g20-brasil?non-beta=1">presidência do Brasil no G20</a>. No <a href="https://www.gov.br/mme/pt-br/assuntos/noticias/dialogos-g20-mme-e-epe-debatem-sobre-acesso-ao-financiamento-para-transicao-energetica-durante-evento-no-rio-de-janeiro">primeiro</a> de uma série de diálogos das transições energéticas o governo apresentou suas três prioridades: acesso a financiamento, dimensão social e inovação em combustíveis sustentáveis.
Além de relevantes para o Brasil, os temas são uma boa marca na passagem do bastão nessa sequência de presidências de economias emergentes – da Indonésia (2022) para Índia (2023), seguida do Brasil neste ano e a caminho da África do Sul em 2025. Importante nesse processo é ser ambicioso e deixar marca compatível com nosso protagonismo no processo. Como contribuição, discuto neste artigo como o uso de dados e transparência pode ajudar a conciliar justiça e efetividade no financiamento de infraestrutura em tempos de mudanças climáticas.
Mais acesso a financiamento de infraestrutura e a dimensão social não são caminhos paralelos; ao contrário, se encontram no conceito de justiça e equidade na <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/transicao-energetica">transição energética</a>. A proposta do governo brasileiro para abordar este tema inclui dois produtos: conjunto de 10 princípios a serem seguidos no processo e uma proposta de coalizão para planejamento energético.
Para ir além da narrativa, é crucial pavimentar o caminho para a evidenciar a justiça na transição energética. Para isso, dá para buscar inspiração em pesquisas que investigam em que medida programas e políticas de governo conseguem manejar adequadamente equidade e eficiência.
Um exemplo interessante vem de artigo recente de <a href="https://www.nber.org/books-and-chapters/environmental-and-energy-policy-and-economy-volume-6/equity-and-efficiency-bipartisan-infrastructure-laws-adaptation-investments">Rudik</a> e coautores, que tentam avaliar o desafio do financiamento à adaptação a mudanças climáticas. O foco é a lei de infraestrutura aprovada nos Estados Unidos (Bipartisan Infrastructure Law ou BIL), que assegura investimentos de US$ 1,2 trilhão em infraestrutura tanto para investimentos novos (US$ 550 bilhões) como existentes (US$ 650 bilhões).
Aprovada em 2021, a legislação está orientada para o princípio de equidade expresso na Iniciativa Justiça-40. De acordo com essa diretriz, pelo menos 40% dos benefícios do financiamento sob a égide da BIL deveriam ser canalizados para comunidades consideradas desavantajadas.
A qualificação de um grupo como desavantajado pressupõe o atendimento a dois critérios: (i) proporção de famílias com renda menor que 200% da linha de pobreza estabelecida; e (ii) se qualificar como em desvantagem medido por um limite (threshold) em outra categoria de clima, energia, saúde, habitação, poluição legada, transporte, infraestrutura de saneamento ou grau de desenvolvimento da força de trabalho.
O artigo compara o desempenho de diferentes instrumentos de alocação de recursos para investimentos em adaptação em infraestrutura no contexto da BIL quanto ao critério de Justiça-40. O desafio é que há um dilema (tradeoff) entre o objetivo de promover equidade e eficiência: nem sempre direcionar fundos para comunidades com maior pobreza leva a focar em áreas mais expostas a riscos climáticos.
Diferentes mecanismos performam de modo desigual: fundos que alocam recursos competitivamente conseguem levar mais investimentos em adaptação para áreas desavantajadas relativamente a fundos discricionários – definidos com mais liberdade por governos e agências. A boa notícia é que dá para fazer melhor: os autores apresentam recomendações para enfrentar o dilema equidade-eficiência. E a informação com alta resolução é crítica para enfrentar pobreza e risco climático com o mesmo recurso.
Também no Brasil já contamos com instrumentos para avaliar em que medida os programas e políticas de governo de fato endereçam a preocupação com justiça na transição energética.
Um exemplo é o Indicador de Vulnerabilidade Social do FGV-CERI (IVS CERI). Tal como no Justiça-40, o IVS CERI avalia vulnerabilidade a eventos extremos (em casos de uma interrupção prolongada no fornecimento de eletricidade). A depender da disponibilidade de dados, a resolução (aqui conhecida como granularidade) pode ser tão “fina” como o setor censitário. Resultados já estão disponíveis para os estados do Rio de Janeiro, Amazonas e Rio Grande do Sul.
O IVS CERI parte de um conjunto de mais de 40 variáveis informadas pela literatura, consideradas relevantes, que buscam refletir três dimensões cruciais: saúde, capacidade de evacuação e preparação para enfrentar um evento dessa natureza. Considera, por exemplo, que pessoas ou residências com pessoas que fazem uso de respirador, ou têm animais de estimação, ou contam com mais idosos ou mais crianças, tendem a resistir a abandonar seus lares em resposta a eventos extremos. Combinado com medidas de resiliência, abordagens dessa natureza contribuem para mitigar o dilema entre equidade e eficiência, contribuindo para tornar realidade a transição energética justa.
O artigo de Rudik e coautores faz pensar na utilidade de um indicador como o IVS CERI para informar (ex-ante) e avaliar (ex-post) investimentos em adaptação de infraestrutura. Urge avaliar em que medida os investimentos que se busca atrair com o maior acesso ao financiamento (Prioridade 1 da agenda do G20 em energia) efetivamente incorporam a dimensão social da transição energética (Prioridade 2). O enfrentamento desses dilemas contribui para mitigar resistências e acelerar a descarbonização da economia em resposta às mudanças climáticas.

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JOTA

Acesso a financiamento, dimensão social e inovação em combustíveis sustentáveis são prioridades do Brasil no G20

Transição energética: como os dados ajudam a enfrentar dilema equidade/eficiência

Este conteúdo integra uma cobertura especial do JOTA, que mantém independência editorial na produção das reportagens. O apoiador participa da escolha dos temas

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Acesso a financiamento, dimensão social e inovação em combustíveis sustentáveis são prioridades do Brasil no G20 em transição energética