Opinião e Análise

Fabiana Luci de Oliveira

Vivemos hoje um acirramento do processo de politização do ativismo judicial anticorrupção, e muitos analistas da conjuntura política brasileira afirmam que esse processo teve início com o julgamento do Mensalão, sendo amplificado agora em meio aos episódios da operação Lava-Jato. Nesse cenário, o Supremo Tribunal Federal ganhou relevância e notoriedade, vindo a ser cada vez mais noticiado na mídia, e mais conhecido também do grande público, como diversas pesquisas de opinião têm mostrado.
Declarações de ministros do STF à imprensa passaram a ser constantes e quase diárias, e essa constância provoca questionamentos se a cúpula do Poder Judiciário deveria ter tamanha exposição midiática, criticando-se a assiduidade das falas dos seus ministros “fora dos autos”, acerca de assuntos que depois poderão vir a julgar.
O protagonismo político do Supremo pode estar mais visível agora, mas certamente não teve início com o Mensalão. Tampouco é a famigerada “judicialização da política” fenômeno exclusivo do Brasil. Mas pensando exclusivamente no caso brasileiro, a cobertura dos grandes jornais nos ajuda a entender como se deu esse processo, e o papel fundamental que a mídia desempenhou nele<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
Durante a ditadura militar, o Supremo foi retratado predominantemente como alheio à realidade social, econômica e política do país. E foi somente com a abertura política, no final da década de 1970, que a visão sobre o tribunal começou a transitar dessa posição de alheamento à posição de uma instituição central para o desenvolvimento da nação.
A partir de 1978, com a Emenda Constitucional n. 11, o STF passou a julgar deputados e senadores por crimes contra a segurança nacional, sem necessidade de licença prévia, via requerimentos levados ao tribunal pelo Procurador-Geral da República. Exemplos de casos noticiados foram os processos contra os deputados João Cunha e Francisco Pinto, quando Firmino Ferreira Paz era Procurador-Geral, em 1980. O afastamento de políticos de seus mandatos gerou tensão entre Legislativo e Supremo, como foi divulgado por jornais nessa época. Apesar disso, foram poucas as notícias encontradas sobre o STF até o final da década de 1970.
Ao assumir a presidência do STF em 1981, o ministro Xavier de Albuquerque declarou: “o povo não conhece o Supremo”, dando início a um movimento de aproximação com a opinião pública. Assim, convocou um encontro entre os ministros, proprietários de jornais e jornalistas, justificando-o com o argumento de que a nação e o povo brasileiro não podiam mais suportar o distanciamento existente entre a opinião pública e o Supremo, afirmando ser necessário resgatar o tribunal “das páginas mais modestas da imprensa para as mais destacadas e condizentes com a sua importância institucional".
A busca pelos holofotes começou aí, tendo sido intensa a “campanha” dos ministros nos jornais durante a Constituinte, expondo sua agenda em busca de garantias e ferramentas institucionais para manutenção e expansão dos seus poderes políticos.
Com a promulgação da Constituição de 1988, e as garantias conquistadas, o Supremo passou a ocupar um espaço maior na vida política do país, havendo, em decorrência dessa mudança, uma maior exposição das disputas internas no tribunal, com as clivagens ideológicas entre os ministros sendo mais destacadas. Os jornais passaram a traçar com maior frequência o perfil de atuação dos ministros, classificando-os em termos da natureza técnica ou política de suas decisões.
Ganharam espaço, também, a performance dos ministros do Supremo à frente do Tribunal Superior Eleitoral, sendo um dos episódios mais noticiados a atuação do ministro Francisco Rezek, quando ocupava a presidência do TSE, no julgamento que retirou o apresentador Silvio Santos da competição pela Presidência da República.
Outro tema incidente no início dos anos 1990 foi o processo de nomeação de ministros ao Supremo. Críticas tão corriqueiras durante o longevo governo do PT (de que ministros entusiastas de projetos políticos e da ideologia do governo que os nomeou atuariam em defesa desse governo quando no tribunal), apareceram também na rápida administração Collor. Muito se aventou, por exemplo, que Marco Aurélio, Carlos Velloso e Ilmar Galvão atuariam como protetores dos interesses do governo Collor no tribunal, noticiando-se quando interrompiam julgamentos em questões de interesse do governo, com pedidos de vistas, que atuavam pela retirada de casos polêmicos da pauta de votação.
As notícias sobre o STF a partir da década de 1990 transparecem que a atuação do tribunal se modificou, e que os ministros assumiram mais abertamente sua posição de atores políticos imprescindíveis. Essa alteração ficou manifesta em diversas notícias, uma delas dizia: “nos últimos 35 dias o País descobriu no STF um alarme capaz de frear um presidente que tem pressa em cumprir as metas de governo e um Congresso mais voltado para o recesso parlamentar que para suas tarefas. (...) O alarme que toca cada vez que um dos poderes desrespeita um dos 315 artigos da Constituição, tem servido aos brasileiros como uma aula prática de como devem funcionar o Executivo, o Legislativo e o Judiciário” (“STF impõe Constituição e muda imagem”, publicado em 08/07/1990 no jornal Estado de São Paulo).
Essa mudança de percepção foi construída também a partir das falas e declarações dos próprios ministros aos jornais, como Sepúlveda Pertence afirmando que “estamos cada vez mais longe da imagem de bons velhinhos do Supremo”, e Sydney Sanches dizendo que “o STF não pode deixar de considerar o momento político e econômico por que passa o país na época de seus julgamentos”.
Nos anos 90 houve, ainda, um incremento na cobertura de tensões do tribunal com os outros poderes do Estado, demarcando a existência de uma disputa por espaço na tomada de decisões dos rumos políticos do país. Entre os episódios de maior destaque estiveram a atuação do Supremo no processo de impeachment do ex-presidente Fernando Collor, no início da década, e as tensões do tribunal com o Legislativo, sobretudo entre o então presidente do Senado, Antônio Carlos Magalhães, e o então presidente do STF, ministro Carlos Velloso, devido quase sempre às decisões e declarações do Supremo sobre as diversas CPIs em andamento (dos bancos, do narcotráfico, e mesmo do Judiciário). Foram frequentes falas de ACM lamentando "ministros que estão todos os dias na imprensa, falando o que não devem", "vulgarizando o papel do Judiciário".
Mais recentemente, venho analisando de forma sistemática a cobertura midiática do STF no período de 1999 a 2014<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, e me deparei com uma série de notícias que tratam da atuação do Supremo em casos de corrupção e crimes políticos (envolvendo deputados, governadores, senadores, ministros de Estado, etc.).
Entre 1999 e 2002, antes, portanto, da TV Justiça, 13% de todas as notícias sobre o STF no jornal Folha de S. Paulo abordavam a atuação do tribunal em casos de corrupção e crimes políticos, estando entre os quatro assuntos mais recorrentes na cobertura do Supremo por esse jornal.
A principal temática abordada, em pouco mais de um terço das notícias, refere-se a decisões do STF em casos de controle de constitucionalidade, mais especificamente os impactos dessas decisões. Destrinchando o que aparece como “decisões do STF em políticas públicas” temos 6% de notícias referentes a decisões na esfera dos direitos sociais, civis e políticos; 6% acerca do funcionalismo público; 6% decisões com impactos na esfera econômica; 5% cobrindo casos tributários, com destaque para o ICMS; 5% tratando da competição politica; 5% cobrindo a administração pública, como licitações e orçamento, e 1% noticias referentes a decisões sobre segurança pública e administração da justiça.
A segunda temática mais frequente nessas notícias foram decisões do STF e falas dos seus ministros em defesa dos interesses da magistratura, sobretudo questões salariais, além de incluir posicionamentos dos ministros sobre greve do Judiciário que ocorreu no período. E com a mesma incidência, aparecem os casos de corrupção e crimes políticos e a cobertura das funções ordinárias do STF, incluindo decisões em habeas corpus em que figuram pessoas famosas ou ex-autoridades, abarcando decisões sobre intervenções da União nos Estados.
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Cobertura do Jornal Folha de S. Paulo acerca do “STF” no período 1999-2002
Base: 784 notícias (nas quais o STF é tema central, de um total de 6.435 noticias indexadas na busca pelo termo STF)
As tensões com o Poder Legislativo foram mais frequentes do que com o Poder Executivo, sobretudo devido às decisões do Supremo sobre as CPIs, lidas muitas vezes pelos deputados como interferência indevida do Judiciário no Legislativo. Lembrando que, naquele momento, o atual presidente em exercício, Michel Temer, ocupava a presidência da Câmara, e o ministro decano, Celso de Mello, a presidência do STF.
Nesse mesmo período, pouca atenção foi dada à reforma do Judiciário, e o Supremo pouco foi criticado, sendo que as críticas quando realizadas se endereçavam sobretudo ao avanço do tribunal sobre a competência de outros poderes, em especial no caso de privatizações ou das CPIs, como já apontado, e ainda pela falta de transparência na formação de sua agenda, ou seja, sobre o timing das decisões.
Em geral, esse breve histórico do Supremo na mídia escrita mostra que houve pouca rejeição ao papel político desempenhado pelo STF, sobretudo em decisões referentes à políticas públicas. A mídia cobriu com a mesma intensidade decisões acerca da temática de direitos (sociais, civis e políticos) e acerca do funcionalismo público, sendo que quando olhamos para a agenda decisória do Supremo no período, o tribunal decidiu quase quatro vezes mais sobre os direitos dos servidores públicos do que sobre direitos dos cidadãos em geral, num claro recorte midiático mais favorável à instituição aos olhos da opinião pública.
A proximidade da mídia com o STF vem numa tendência crescente desde a década de 1980, e se intensificou ainda mais após a criação da TV Justiça, e o televisionamento dos julgamentos. Ficou mais fácil e acessível cobrir o Supremo. Mas muitos dos questionamentos que os analistas de conjuntura levantam hoje quando olham para o cenário político atual, nasceram com essa aproximação, não sendo nenhuma novidade. A novidade talvez esteja na constatação de que se exacerbaram.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> A análise da cobertura midiática do STF no período de 1978 a 1999 é produto de pesquisa publicada em OLIVEIRA, Fabiana Luci. “STF - Do autoritarismo à democracia”. RJ: Elsevier, 2011.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> A análise da cobertura midiática do STF no período de 1999 a 2014 é produto de pesquisa em andamento, “Processo Decisório no Supremo Tribunal Federal- formação de grupos e redes de votação”.

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O Supremo na mídia

Um olhar retrospectivo