Dalmo de Abreu Dallari

O impeachment, que vem sendo referido com grande destaque em comentários de políticos e juristas, assim como em artigos constantes de publicações jurídicas, é uma figura jurídico-política de grande relevância. 
Sem que lhe seja dada essa denominação, o impeachment está claramente inserido nas normas da Constituição brasileira de 1988. Além disso, ele é o tema central da Lei Federal nº 1079, de 1950, referida habitualmente pelos juristas como "Lei dos crimes de responsabilidade" e também, mais recentemente, como "Lei do impeachment".
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Essa figura jurídico-política foi criada e implantada na Inglaterra no século XIV. Em 1324 o Reino Unido era governado pelo rei inglês Eduardo III. Para comandar o uso e a administração dos bens da coroa o rei tinha como principal assessor o Lorde William Latmer, que gozava da confiança do monarca, que o considerava um valioso auxiliar e tinha por ele grande estima. 
Valendo-se da confiança do rei e dos poderes quase absolutos que lhe eram concedidos, Lorde Latmer aproveitou-se desse privilegio para obter proveito pessoal, agindo sem nenhum escrúpulo.
 Assim, durante a guerra pelo domínio da Bretanha ele entregou aos inimigos da Inglaterra o Castelo São Salvador, recebendo em troca uma elevada quantia, que foi incorporada ao seu patrimônio pessoal. A par disso, ele efetuou a venda de imóveis integrantes do patrimônio da Coroa, assim como de navios e outras embarcações da frota inglesa, contrariando o interesse público. E sempre recebendo dinheiro, a título de agradecimento dos beneficiários dessas generosas irregularidades.
Isso aconteceu quando já tinha crescido muito no Parlamento britânico a Câmara dos Comuns, que agia com grande autonomia e autoridade, sendo absolutamente independente da Câmara dos Lordes. Tendo informações precisas sobre esses abusos prejudiciais ao patrimônio público, praticados em troca do recebimento de proveitos pessoais, em 1376 a câmara dos Comuns decidiu expulsar da Corte os corruptos de alto nível. 
Nessa linha, demitiu de suas altas funções o Lorde Latmer, incluindo no ato de demissão o impedimento de voltar a exercer qualquer função pública. Assim foi criada a figura jurídico-política do impedimento, o impeachment, que foi saudada e passou a ser acolhida por lideranças políticas de outros países, que procuravam punir e impedir a pratica de corrupção por governantes e administradores públicos de todos os níveis.
No Brasil, pode-se dizer que o impeachment foi introduzido pela Constituição de 1891, que assim dispunha, no artigo 53: "O presidente dos Estados Unidos do Brasil será submetido a processo e julgamento, depois que a Câmara dos Deputados declarar procedente a acusação, perante o Supremo Tribunal Federal nos crimes comuns e nos crimes de responsabilidade perante o Senado. E no parágrafo único dispunha-se que decretada a pronuncia das acusações o Presidente ficaria suspenso do exercício de suas funções. 
Depois disso, foi a Constituição de 1988 que estabeleceu regras mais pormenorizadas para o afastamento do Presidente da República, configurando o impeachment. No artigo 85 foi dada especial relevância aos crimes de responsabilidade, dizendo a Constituição que se enquadram como tais os atos do Presidente que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra a existência da União, o livre exercício dos poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação, o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais, a segurança interna do país, a probidade na administração e a lei orçamentária. Acrescenta-se, em parágrafo único, que esses crimes serão definidos em lei especial. Na realidade, os crimes de responsabilidade já foram definidos pela Lei Federal número 1079, de 10 de abril de 1950, conhecida como 'lei do impeachment'".
Pelo comportamento e pelos deploráveis pronunciamentos do presidente Bolsonaro e, mais ainda, pelo conhecimento, que é público, de sua participação, com membros de sua família, numa série de atos de desvios de recursos públicos em favor de parentes, amigos e organizações que atuam fora da lei, já existem elementos comprobatórios suficientes para a decretação do impeachment de Bolsonaro. 
<blockquote class="jota-article__eye">A isso se acrescentam as informações mais recentes sobre sua interferência nos órgãos federais incumbidos da apuração de ilegalidades, para impedir a continuidade das investigações sobre os atos de corrupção que envolvem os seus familiares.</blockquote>
Em entrevista recente, concedida ao informativo TUTAMEIA, tendo por tema  o impeachment,  observou o eminente criminalista Jose Carlos Dias, que atuou como advogado no processo que resultou no impeachment do então presidente Fernando Collor, "que o impeachment, pelo conjunto de suas regras, é  antidemocrático", pois implica a cassação de um mandato concedido pelo povo, sem que o povo possa participar dessa decisão de grande relevância, que altera o funcionamento normal do Estado Democrático de Direito. 
Essa opinião é respeitável, mas é importante lembrar que o impeachment, como previsto nas normas constitucionais e legais brasileiras, só se aplica depois de um processo regular, no qual fica plenamente assegurado ao acusado o direito de defesa. 
Pode-se, pois, concluir, que embora seja um desvio da normalidade no Estado Democrático de Direito, o impeachment, legalmente aplicado, com base em provas regularmente obtidas e sendo assegurado ao acusado o direito de ampla defesa, é, justamente, um ato jurídico-político em defesa dos princípios e normas do Estado Democrático de Direito.

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JOTA

Legalmente aplicado, é um ato jurídico-político em defesa dos princípios e normas do Estado Democrático de Direito

Impeachment de Bolsonaro: exigência constitucional

Legalmente aplicado, é um ato jurídico-político em defesa dos princípios e normas do Estado Democrático de Direito