Dalmo de Abreu Dallari

Em declaração à imprensa, o deputado Jair Bolsonaro assim se pronunciou: “Quero mandar um recado para o Supremo Tribunal Federal: respeite o artigo 53 da Constituição que diz que eu, como deputado, sou inviolável por qualquer opinião”. Essa afirmação textual é um elemento a mais para confirmação de suas limitações éticas e intelectuais, bem como para deixar evidente, uma vez mais, que ele se considera acima da lei, imune a qualquer restrição ou punição, mesmo quando faz afirmações primárias e nitidamente ofensivas de direitos fundamentais universalmente consagrados e expressamente reafirmados na Constituição brasileira de 1988.
Tentando livrar-se de novos processos e, certamente, novas condenações, porque seus pronunciamentos públicos ofendem a dignidade e os direitos fundamentais de pessoas, individualmente, e de grupos humanos integrantes de certos segmentos sociais, como as mulheres, os negros, os quilombolas e os homossexuais, Bolsonaro fez um grosseiro pronunciamento público, dizendo que mandava uma “mensagem” para os integrantes do Supremo Tribunal Federal, como se eles desconhecessem a Constituição. Um dado importante é que sua “mensagem” ao Supremo Tribunal Federal contém um erro primário, deixando evidente que ele não conhece a Constituição e usou uma frase isolada. De fato, tenta sustentar que a Constituição lhe dá o direito de ser grosseiro e de ofender direitos pelo fato de estar no exercício de um mandato parlamentar. É mais do que óbvio o absurdo do alcance que ele pretende dar ao preceito constitucional, como se o exercício de um mandato parlamentar desse a alguém o direito de ofender pública e grosseiramente pessoas e instituições, estando isento da obrigação de respeitar os direitos e a dignidade de quem quer que seja.
<ul class="jota-article__internal-links">
<li>+JOTA PRO: <a href="https://www.jota.info/pro/degustacao-poder">Entenda o cenário institucional com o JOTA Poder. Seguimos de perto tribunais superiores, agências reguladoras, Congresso, Poder Executivo e legislativos estaduais e municipais para reportar informações públicas de impacto. Experimente o serviço que tem ajudado empresas e atores do mercado financeiro! 
</a></li>
<li>+JOTA: <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/democracia-militante-e-a-candidatura-de-bolsonaro-24082018">Democracia militante e a candidatura de Bolsonaro</a></li>
<li>+JOTA: <a href="https://www.jota.info/stf/supra/bolsonaro-reu-stf-29082018">Bolsonaro, candidato e réu: a insegurança provocada pelo STF</a></li>
</ul>
Em primeiro lugar, o referido artigo 53 da Constituição diz, realmente, que “os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. Entretanto, logo em seguida, no parágrafo primeiro desse mesmo artigo, diz expressamente: “os deputados e senadores, desde a expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal”. Como fica mais do que evidente, a inviolabilidade referida no “caput” do artigo tem alcance limitado e não significa, obviamente, um salvo conduto para cometer ilegalidades, pois o mesmo artigo constitucional que fala da inviolabilidade indica qual o tribunal competente para o julgamento dos parlamentares, o que deixa mais do que óbvio que eles podem ser processados.
Sobre o sentido e o alcance dessa imunidade, é muito claro e preciso o ensinamento do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, em sua obra “Constituição do Brasil Interpretada”. Ensina o ministro e mestre de Direito Constitucional que a imunidade material é prerrogativa concedida aos parlamentares para o exercício de sua atividade com a mais ampla liberdade de manifestação, por meio de palavras, discussão, debate e voto; trata-se, pois, “a imunidade, de cláusula de irresponsabilidade funcional do congressista, que não pode ser processado judicial ou disciplinarmente pelos votos que emitiu ou pelas palavras que pronunciou no Parlamento ou em uma de suas comissões”. Além disso, acrescenta ainda o eminente ministro: “A imunidade parlamentar material só protege o congressista nos atos, palavras, opiniões e votos proferidos no exercício do ofício congressual, sendo passíveis dessa tutela jurídico-constitucional apenas os comportamentos parlamentares cuja prática possa ser imputável ao exercício do mandato legislativo” (ob.cit., pág.1078).
Assim, pois, as palavras ofensivas dos direitos e da dignidade de seres humanos ou grupos sociais constituem crime e seu autor está sujeito a ser processado e condenado. Se o autor fez os pronunciamentos criminosos em reuniões públicas, congressos ou seminários ou em declarações à imprensa cometeu crime e deverá ser processado e julgado, podendo ser condenado por isso. A única diferença de tratamento é que se o autor do pronunciamento criminoso estiver no exercício de mandato de senador ou deputado ele deverá ser processado perante o Supremo Tribunal Federal, ficando sujeito às mesmas penas aplicáveis a todos os cidadãos. Assim, as grosseiras manifestações públicas do deputado Jair Bolsonaro que caracterizarem crimes podem e devem ser tomadas como base para que ele seja juridicamente processado e eventualmente condenado, para que sejam respeitados e efetivados os princípios e as normas constitucionais do Estado Democrático de Direito.

img201512151233264520618

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Em recado para o STF, Bolsonaro mandou a Corte respeitar o artigo 53 da Constituição

A limitada imunidade parlamentar

Em recado para o STF, Bolsonaro mandou a Corte respeitar o artigo 53 da Constituição