Felipe Recondo

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Jair Bolsonaro se elegeu com o bordão de mais Brasil e menos Brasília. Dias Toffoli conduziu a presidência do Supremo com a promessa de injetar mais Brasília num governo que anunciava a negação da institucionalidade e da liturgia.
Brasília tem seus vícios, seu descolamento do Brasil – muitas das vezes - , sua ética própria, mas força uma necessária convivência entre poderes e um mínimo de pactuação no conflito.
Bolsonaro começou seu governo, priorizando o atrito. Para cumprir seu lema de campanha, negava o diálogo e estimulava os discursos e manifestações contra o Congresso e contra o Supremo.
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Toffoli, por outro lado, já antes de empossado, fazia gestos de aproximação. Tratou de “movimento” o golpe de 64, convidou para sua equipe um general da ativa, baixou o tom quando dele alguns esperavam respostas imediatas e em volume alto.
Toffoli compareceu a posses de integrantes do governo, participou de encontros políticos, negociou, propôs pactos, postou-se como interlocutor/pacificador/moderador, paralisou investigações – o que beneficiou Flávio Bolsonaro, filho do presidente da República.
Nos dois anos de mandato, insistiu no mais Brasília como alternativa ao clima de conflito que colocava as instituições sob ameaça. Teve a seu lado os presidentes da Câmara e do Senado.
E, quando o tribunal foi ameaçado pela proliferação das fake news, abusou da heterodoxia da política brasiliense e instaurou um inquérito de próprio punho para investigar os ataques ao tribunal.
Também no mundo de Brasília, atirou no que viu para acertar algo muito maior. O inquérito trouxe o governo para um cenário de mais normalidade. A rede de apoio a Bolsonaro, responsável pela proliferação de ataques ao tribunal, se dissipou. E esse efeito serviu de justificação para a decisão de Toffoli.
Integrantes do governo refratários a Brasília – como Abraham Weintraub e Sérgio Moro – deixaram o Executivo. O governo que se articulava no Congresso também pelo conflito, converteu-se guarda-chuva para o centrão.
No seu último dia como presidente do Supremo, Toffoli recebeu a medalha Grã-Cruz da Ordem do Mérito do Congresso Nacional, a mais alta honraria concedida pelo Parlamento brasileiro. E Jair Bolsonaro – de surpresa – compareceu à última sessão de Toffoli como presidente do STF, ouvindo silente discursos de ministros contra os ataques sofridos pela Corte e contra ameaças à democracia.
Toffoli encerra seu mandato homenageado por Brasília.
A gestão
Para analisar a gestão de Dias Toffoli à frente do Supremo é possível dividir o mandato em dois campos, dois conjuntos que se ligam, mas que podem ser observados em separado para não desfocar a visão.
O primeiro desses conjuntos é o das palavras. E elas são parte indissociável da gestão de um presidente do Supremo. O ministro que comanda o tribunal será avaliado pelo que diz, quando diz, como diz.
Ainda mais nas circunstâncias de um governo – e seus aliados – que faz das palavras sua arma mais evidente, inclusive contra as instituições, inclusive contra o Supremo Tribunal Federal.
O “soldado e o cabo”, os tuítes de Augusto Heleno, o “acabou, porra” ou a ampliação do número de ministros do Supremo para colocar “10 isentos lá dentro” são algumas das demonstrações do bolsonarismo.
O desafio pelo discurso, tão grave quanto pelas atitudes, testa hoje as instituições, a ciência, o jornalismo, a história, os fatos. E Toffoli não era o melhor jogador neste campo das palavras. Nunca foi. Toffoli sempre falou para dentro, pouco para fora. Essa sempre foi sua característica, basta ver seu comportamento como ministro do Supremo.
Esperar que fizesse frente a estes ataques pelas palavras era desconsiderar sua personalidade ou criar expectativas de que fosse outra personagem: Celso de Mello que da sua cadeira de decano tem mais desenvoltura para a crítica, Gilmar Mendes, pelo tom belicoso de certas manifestações, ou Cármen Lúcia, acima de tudo estratégica no que diz e no que deixa de dizer.
Ao longo dos dois anos de presidência, Toffoli não respondia ao ataques às instituições de imediato, não soltava notas à imprensa no calor dos fatos, não dava declarações enfáticas, mesmo contra ataques desferidos contra o STF.
Preferia falar depois, silenciava até que uma sessão em plenário lhe permitisse ler uma nota que funcionasse como manifestação institucional. O passar do tempo, porém, diminuía a importância e o peso de suas palavras. Isso era deliberado. E escondia esse seu déficit como presidente: Toffoli se comunicou mal - para fora. Falou mais para dentro, mais para o mundo em que o circundava, falava na sintonia de Brasília.
Para além dos silêncios ou das manifestações em fogo brando, Toffoli também buscou, pelas palavras, alicerçar suas relações com os demais poderes, especialmente com o presidente Jair Bolsonaro e com os militares.
O “movimento de 64” foi o inaugurar de sua presidência, no aceno para o candidato que se anunciava anti-instituições. Agora, sua presidência se encerra com o “nunca vi diretamente da parte deles [Bolsonaro e ministros] nenhuma atitude contra a democracia”. Ou seja, terminou como começou.
Toffoli pouco se valeu das palavras. Será avaliado por isso.
O segundo dos conjuntos é o das decisões. Neste campo, o cenário é menos evidente, as articulações nem sempre se tornaram públicas e algumas conquistas se deram pelo que não aconteceu.
Toffoli propôs a assinatura de um pacto entre os três poderes ainda antes da posse de Jair Bolsonaro. Uma pactuação em torno de uma agenda aberta, com poucos temas afeitos ao Judiciário e que passou, para fora, a imagem de um judiciário disposto a fazer concessões em troca de acordos políticos – mesmo que sua agenda fosse meritória – e que se coloca em linha com a coalizão que governa o país.
A assinatura de um pacto não seria inédita. Nelson Jobim e Gilmar Mendes colocaram suas rubricas em acordos assim com o Executivo e o Legislativo. Entre as diferenças, entretanto, estava a unilateralidade da iniciativa e baseada em agenda com poucos elementos afeitos ao Judiciário. A proposta de Toffoli não prosperou. O Executivo preferiu governar pelo conflito nos dois anos em que ele presidiu o Supremo.
Algumas das agendas que estavam no croqui de Toffoli avançaram. Na sua última entrevista como presidente do Supremo, ele tentou se capitalizar por alguns dos avanços em torno destes temas. Mas a aprovação de alguns desses pontos só ocorreu pela percepção geral de sua necessidade, como a Reforma da Previdência.
Toffoli convidou para sua equipe um general da ativa. Algo que incomodou alguns seus colegas, que foi traduzido por seus assessores como tentativa de melhorar a interlocução com as Forças Armadas. Fernando Azevedo e Silva serviria de antena para sintonizar as relações do tribunal com os militares que, já se evidenciava, teriam participação destacada no governo Bolsonaro.
Depois, Fernando Azevedo, dentro de um helicóptero camuflado, sobrevoou uma manifestação a favor do governo e com faixas pelo fechamento do STF. A prova de que alguns militares pouco compreendem a função do STF. E que misturá-los ao tribunal não é bom negócio.
Agora, algo que, indubitavelmente, tem a sua marca.
No início de 2019, senadores coletaram assinaturas para instaurar uma CPI para investigar o Supremo e seus ministros. Independentemente do acerto ou desacerto da proposta, uma comissão parlamentar de inquérito transformaria o tribunal em alvo. O que, dada a conjuntura, poderia facilitar a vida do Executivo na busca por hegemonia na relação com os demais poderes.
Toffoli articulou com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, solitariamente, o engavetamento da CPI. Tarefa que era complexa, dado que Alcolumbre teve o apoio desses senadores para se eleger presidente na disputa com Renan Calheiros (PMDB-AL).
No seu empreendimento de servir como pacificador, uma aposta arriscada e ingrata de seu discurso de posse, Toffoli é hoje mencionado por integrantes do governo e do Congresso como alguém que contribuiu para distensionar a relação entre Executivo e demais poderes.
Nas palavras do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que viveu às turras com o governo, Toffoli atuou “como um poder moderador nesses momentos de mais turbulência entre nossas instituições”.
E na decisão mais difícil de sua gestão, como ele mesmo elegeu, instaurou o inquérito para conter a pandemia de fake news nos ataques ao Supremo. Colocando como delegado o ministro Alexandre de Moraes, que Toffoli escolheu para tocar uma investigação delicada como esta.
Toffoli atirou no que viu, acertou no que não viu.
A investigação heterodoxa, combatida pela Procuradoria-Geral da República e defendida pela Advocacia-Geral da União, tornou-se o principal dique de contenção de aloprados que montaram uma máquina de ataques às instituições, com a participação, inclusive, de parlamentares da base governista.
Toffoli foi amplamente criticado quando anunciou a abertura do inquérito. Só ganhou a disputa quando a investigação revelou seu poder de dissuasão e deu ao cenário político-institucional de Brasília algum grau de normalidade e racionalidade. Algo que não se via desde o início do governo Bolsonaro.
Por fim, os aspectos interna corporis.
No campo judicial, a decisão por que Toffoli será cobrado como presidente foi a suspensão de todos os processos criminais instruídos com dados compartilhados pelos órgãos de fiscalização, como o antigo Coaf, a partir de decisões que não tiveram a supervisão do Judiciário.
Um dos processos que foi paralisado foi a investigação aberta pelo Ministério Público do Rio de Janeiro contra o filho de Bolsonaro, o senador Flávio Bolsonaro. Para quem queria enxergar em todos os gestos de Toffoli um aceno para o governo, este foi um caso emblemático.
No andamento dos trabalhos da Corte, Toffoli conseguiu desbloquear a pauta de julgamentos do tribunal e promover, com isso, uma redução significativa de processos. Quando assumiu a presidência, havia mais de 1.200 processos liberados para o plenário. Ele deixará o comando do tribunal com 369 processos na fila.
A necessidade de isolamento social provocada pela pandemia da Covid 19 foi o argumento para ampliação dos julgamentos no plenário virtual. Em parte, a solução tem seus efeitos colaterais. Como boa parte dos julgamentos transcorreu em plenário virtual, o acompanhamento pela sociedade fica debilitado pela falta de debate público das decisões. Contudo, o engarrafamento do plenário poderá não ser mais um problema tão sensível para o Supremo quanto era no passado.
E, ainda internamente, um fato que, não fosse lembrado por Gilmar Mendes, poderia passar despercebido. Desde antes de tomar posse como presidente, Toffoli fez uma política de diálogo interno, convidando ministros a participarem de todas as decisões de sua gestão. Não queria repetir gestões anteriores, lembradas por conflitos internos e dissenso entre os ministros.
A despeito de liminares monocráticas assinadas por ele e que suspenderam os efeitos de decisões de colegas, como no caso da entrevista do ex-presidente Lula durante o processo eleitoral, Toffoli buscou harmonizar relações internas. “Desde o começo, trabalhou para ter uma Corte integrada, composta verdadeiramente por 11 ministros, buscando dar voz e votos a todos os participantes da Corte em todos os assuntos da sua institucionalidade”, disse Gilmar Mendes. E, de fato, o clima conflituoso de anos anteriores, também se dissipou, seja pela sua atuação, dizem os ministros, seja pelo espírito de corpo que uniu a Corte diante de ameaças externas.
Na intersecção desses dois conjuntos – discursos/manifestações públicas simbólicas e articulações políticas/decisões -, estão os dados que ajudam a analisar racionalmente os acertos e erros de sua gestão. Cada um, na sua matemática, pode chegar a um resultado – positivo ou negativo – colocando pesos diferentes nos diferentes fatores.
Nada de novo. O mesmo aconteceu com alguns de seus antecessores. Basta pensar na gestão da ministra Cármen Lúcia e perceber como a equação é repleta de incógnitas.
Toffoli, portanto, deixa o tribunal com a esperança – para ele uma certeza - de que o futuro o julgará melhor do que o presente, de que a visão de Brasília será o mesma do Brasil.

Toffoli-presidente-stf

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JOTA

Em meio às narrativas de mais Brasil e menos Brasília, Toffoli encerra seu mandato homenageado por Brasília

A gestão de Toffoli: diálogo, política e uma injeção de Brasília

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