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A operação policial contra o ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, revelou problemas jurídico-institucionais do processo acusatório e deve suscitar alguns debates que, neste momento, estão abafados pelos indícios de crimes investigados.
Salles é o alvo principal da investigação. Mas, institucionalmente, a apuração revela a desconfiança em relação ao procurador-geral da República, Augusto Aras, com repercussão para as atribuições até então incontestes do Ministério Público.

Aras foi by passado por essa investigação. Duplamente. O ministro Alexandre de Moraes, do STF, autorizou a operação contra Salles sem parecer prévio do Ministério Público. Aras só foi comunicado da investigação depois dos mandados de busca e apreensão cumpridos.
Há mais: a petição que tramitava no Supremo com pedido de investigação sobre as condutas de Salles havia sido arquivada a pedido da PGR no ano passado. E foi desarquivada a pedido da Polícia Federal, não do Ministério Público.
No nosso sistema acusatório, quem tem o poder para dar a última palavra sobre a continuidade ou não da investigação contra uma autoridade com foro é o PGR. Se o investigador diz que não há o que apurar, que não há indícios de crime, cabe ao Supremo apenas mandar o caso para o arquivo.
O que foi feito no caso de Salles é bastante diferente. Seria diverso, inclusive, do que o Supremo decidiu no caso do inquérito das fake news. O ministro Edson Fachin, relator da ação que questionava a regularidade daquela investigação, deixou expresso no voto: “A coleta de elementos informativos, em toda e qualquer investigação, para não albergar percepções ou afazeres inconstitucionais, deve ser amiúde acompanhada pari passu pelo Ministério Público, que, como se sabe, é o titular da acusação”.
O caso Salles, portanto, é um precedente que fissura o sistema. O Ministério Público só foi avisado das diligências contra Salles depois de executadas. Não pôde acompanhar “pari passu” a operação. O fiscal da lei – o MP – foi retirado do jogo. E, ressalte-se, neste caso concreto houve medidas constritivas - busca e apreensão, quebras de sigilo. Medidas invasivas que demandam formalidade muito maior.
Aras especialmente sai desgastado desse processo. Apesar de não haver manifestações expressas nesse sentido por parte do ministro Alexandre de Moraes, fica evidente a desconfiança em relação ao procurador-geral da República e à sua postura diante de investigações contra integrantes e atos do governo.
O PGR pode contestar a decisão de Alexandre de Moraes. Mas dificilmente o plenário reverteria sua decisão. E então cria-se uma situação heterodoxa: se o PGR se manifestou contra a investigação, quem ao final poderá denunciar Salles se os indícios de crimes se confirmarem? Se a PF não tem esse poder, quem poderia acusar Salles?
O que este caso revela é um debate mais antigo no Ministério Público. Não cabe qualquer recurso da decisão de arquivamento de um inquérito contra autoridade com foro no STF. O procurador-geral da República pode, hoje, arquivar todas as investigações, indiscriminadamente, arcando politicamente com o ônus de suas decisões. Mas seria possível criar uma alternativa?
Há quem defenda mudanças. Mas não dando esse poder para a Polícia Federal, como ocorreu agora no caso de Salles. Uma possibilidade seria atribuir ao Conselho Superior do Ministério Público Federal a competência para se manifestar sobre o pedido de arquivamento feito pelo PGR. Seria uma mudança significativa no poder político discricionário do procurador-geral, mas ao menos não esvaziaria o Ministério Público nem retiraria desses processos a atuação do fiscal da lei.