
Ao dobrar a aposta no enfrentamento à política de juros do Banco Central, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva busca transformar o comando da instituição, que herdou de Jair Bolsonaro, em “inimigo número um” da população mais pobre e do empresariado, diminuindo a pressão por entregas de curto prazo que possam melhorar a percepção popular sobre a economia. Com isso, o presidente acredita que poderá atribuir mais objetivamente as prováveis dificuldades do primeiro ano ao que chama de ‘herança maldita’ do seu antecessor.
O presidente tem relatado a interlocutores que a estratégia de vincular o crescimento econômico e a geração de empregos ao barateamento do crédito pode engajar segmentos relevantes de sua base social nos primeiros 100 dias de governo e dissipar cobranças sobre resultados imediatos de sua política econômica.
Diante desse diagnóstico, Lula vem sendo estimulado pela ala política do governo e pelos dirigentes do PT, sob forte influência dos desenvolvimentistas que tiveram protagonismo no governo de Dilma Rousseff, a assumir publicamente e de maneira permanente o antagonismo com o BC.
Inicialmente, o plano era delegar as críticas mais incisivas aos representantes da cúpula petista, como fez a presidente da sigla, Gleisi Hoffmann. A série de desencontros da semana passada, contudo, apressou a entrada de Lula numa espécie de ringue público contra Roberto Campos Neto.
Desde o início de janeiro circulam entre assessores do Planalto materiais que associam Campos Neto ao bolsonarismo e o colocam como ameaça ao projeto político lulista. Na lista de imagens e reportagens compartilhadas por auxiliares do presidente estão fotos dele votando com a camisa verde e amarela, usada como símbolo político dos eleitores de Bolsonaro no segundo turno, e textos que mostram a efusiva participação do presidente do BC na posse de Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo e principal postulante a herdeiro político do bolsonarismo no país.
Também foram anexados a esses documentos relatos de que Campos Neto participaria ativamente até hoje de grupos de aplicativos de celular com ligação direta com o ex-presidente, hoje nos Estados Unidos.
Agravada com a carta do Copom na semana passada, a revolta de Lula com o dirigente do BC, contudo, escalou na sexta-feira, quando Bolsonaro interrompeu o silêncio para afirmar que o Brasil caminha para uma “grande recessão” em 2023, atribuindo-a ao início do novo governo.
O chefe do Executivo enxergou na postagem do rival político uma mensagem subliminar de que ainda manteria contato com a autoridade monetária, que havia produzido duro documento sinalizando viés de alta nos juros em razão das incertezas fiscais e da pressão inflacionária.
Nesta segunda, durante a posse de Aloizio Mercadante no BNDES, trecho do discurso de Lula chamou a atenção até dos seus assessores mais próximos. Ao defender que a população e o empresariado pressionem o BC a rever a taxa de juros, o petista culpou “os ricos que perderam a eleição” pela tentativa de golpe em 8 de janeiro e sinalizou que, “um dia, o povo pobre pode se cansar de ser pobre e fazer as coisas mudarem neste país”, quase conclamando um movimento popular de luta de classes tendo como pano de fundo uma guinada na política monetária.
Neste contexto, Lula vem sendo questionado pela ala política do governo e pelos dirigentes do PT, sob forte influência dos desenvolvimentistas que tiveram protagonismo no governo de Dilma Rousseff, a refutar a ideia de um BC independente e integrado à agenda de seu antecessor.
O dilema vivido no governo é que o compromisso com a autonomia da instituição foi um dos poucos assumidos por Lula e sua equipe com o mercado financeiro durante a campanha.
A promessa foi validada pela própria Gleisi, acompanhada do hoje número 2 do Ministério da Fazenda, Gabriel Galípolo, em reuniões com empresários e representantes do setor financeiro em abril de 2022.
Foi referendada ainda em diversas ocasiões pelo atual ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, ativo participante de fóruns com o empresariado. Na época, a mensagem foi usada para acalmar os agentes financeiros, incomodados com a ausência de clareza do programa econômico do então candidato do PT ao Planalto.
Bombeiros
Em paralelo, a equipe econômica vem tentando se desvencilhar do discurso ideológico de Lula firmando posições mais técnicas perante os representantes dos bancos. Em conversas setoriais, Haddad e aliados sustentam que se comprometeram com Campos Neto a destravar demandas do Banco Central, como a redução do spread bancário e a liberação do PIX para empréstimos. O foco, de acordo com o ministro, seria melhorar o ambiente de crédito no país.
Esse canal direto com o BC, entretanto, ficou estremecido depois que integrantes do time de Haddad se sentiram “traídos” pela ata da reunião do Copom.
A crise adiciona mais tensão a um item de curto prazo na agenda da equipe econômica, que é a troca de duas diretorias do BC em fevereiro, entre elas a de Política Monetária.
Mesmo que a troca privilegie nomes da confiança do governo, Campos Neto, na avaliação de auxiliares de Lula, manteria a maioria no controle da instituição.
Diante do quadro, é esperada uma ação de mitigação de danos na relação com o executivo, que vem sendo costurada por membros do alto escalão da equipe econômica.
Até porque não há nenhum sinal de que o presidente do BC entregue os pontos e deixe o cargo antes do final de seu mandato. Se o ruído político é parte do jogo de Lula, as providências de atribuição exclusiva da autoridade monetária afetam de forma importante o ambiente de risco fiscal, o que poderia deteriorar as condições políticas antes que o grupo de Haddad apresente as novas regras fiscais pós-teto, o que deve ocorrer em abril, com gordura para aprovação em prazo razoável no Congresso.