No Congresso

Lira faz cálculo político ao transformar Haddad em negociador da pauta do governo

Agenda de Lula só terá chances de aprovação se convergir com a do centrão

Lira
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP - AL) - Luis Macedo/Câmara dos Deputados
logo do jota pro poder, na cor azul royal

Reconduzido à presidência da Câmara com votação recorde e apoio de partidos da direita, da esquerda e do centro, Arthur Lira (PP-AL) faz sucessivos gestos públicos em favor de Fernando Haddad, mas transmite um recado subliminar ao ministro da Fazenda: cabe a ele e à articulação política do governo trabalhar para arregimentar votos que validem no Congresso a agenda de interesse do Planalto.

A segunda mensagem, essa mais explícita, enviada por Lira a Haddad, tem, na verdade, outro destinatário: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Para o principal expoente do “centrão” na Câmara dos Deputados, a pauta ideológica vocalizada pelo PT, incluindo revisionismo de medidas aprovadas pelo Legislativo, está fadada ao fracasso diante da nova configuração de forças na Casa.

A base do governo, turbinada com a PEC da Transição e as indicações de representantes de siglas do centro ao primeiro escalão, ainda estaria distante de atingir maioria qualificada para mudanças constitucionais.

Embora exista espaço para expansão de apoios com as nomeações de segundo, terceiro escalões e empresas estatais e postos regionais, o terreno entre os congressistas está pronto apenas para tramitação segura de temas convergentes.

Os itens da pauta em que houver dissenso e obstáculos políticos expressivos demandarão esforço adicional do QG do Planalto, bem como flexibilidade da equipe econômica.

O cálculo de Lira ao afagar Haddad leva em conta a assimetria de cacife político entre ambos. Enquanto o presidente da Câmara controla hoje o ritmo e o humor do plenário e das comissões, o ministro da Fazenda dependerá cada vez mais do aval de Lula para se fortalecer com os parlamentares e não repetir os erros do seu antecessor, Paulo Guedes, que terminou o mandato de Jair Bolsonaro visto como enfraquecido e sem poder de fogo nas negociações com a base governista.

O ministro da Fazenda, que não tinha boa reputação como negociador com o Legislativo enquanto prefeito de São Paulo, tem sinalizado uma mudança de conduta na nova função.

Em diversas exposições a congressistas, Haddad demonstrou ponderação e disposição para ceder, afirmam fontes ouvidas pelo JOTA e que recentemente estiveram à mesa com ele.

Menos é mais

Lira também espera que Haddad atue em dobradinha com Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e funcione como filtro ao discurso do PT contra privatizações e reformas recém-aprovadas, como a trabalhista.

Dirigentes do “centrão” apostam na dupla para moderar o apetite petista nas discussões econômicas dentro do Legislativo e desejam que Haddad e Padilha atuem como facilitadores dos pleitos orçamentários do varejo parlamentar.

Líderes dos partidos do centro afirmam que a conduta dos ministros será decisiva para diferenciar a atuação partidária e ideológica da base social de Lula no Congresso da engenharia política necessária à solução dos entraves para o avanço da pauta econômica.

É nesse contexto que devem ser interpretadas as declarações de Lira sobre a necessidade de uma regra fiscal “moderada” e de uma reforma tributária que não seja “radical”.

Disposto a acionar os botões para a tramitação das propostas tidas como prioritárias para Lula, como a simbólica criação de grupo de trabalho para debater a mudança nos impostos, o presidente da Câmara não quer ser tachado de sabotador do Executivo, mas também dá indicativos de que não tem interesse em virar mero carimbador da agenda petista.