Análise

Governo estuda tratar estoque de precatórios gerado por PEC como dívida

Ao tratar como gasto financeiro, o estoque de precatórios não impactaria o alcance das metas anuais

orçamento público
Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Crédito: Antônio Cruz/Agência Brasil

O governo se debruça em uma série de alternativas para lidar com o problema de estoque de precatórios criado a partir da PEC aprovada na gestão Bolsonaro. Mais recentemente, nas discussões internas sobre como lidar com isso, uma das possibilidades que surgiu foi tratar contabilmente como dívida esse estoque crescente que tem sido criado pela falta de pagamento da totalidade dos precatórios.

A ideia faz sentido e daria maior transparência às contas públicas. Hoje, esse passivo crescente dos precatórios não aparece na dívida pública e, na prática, é o clássico esqueleto no armário, tão frequente na história do Brasil.

Esse caminho é uma possibilidade de se resolver o problema de uma vez. O efeito fiscal, no fim do processo, seria o mesmo que um pagamento como despesa primária, elevando a dívida pública. Mas, ao ser tratado como gasto financeiro, não impactaria o alcance das metas anuais a serem perseguidas pelo governo e nem disputaria espaço com outras despesas. Recentemente, o Ministério do Planejamento explicitou que a quitação desse passivo em 2027 como despesa primária simplesmente iria zerar o gasto discricionário, algo inviável.

De fato, a grande maioria dos precatórios refere-se a gastos primários, especialmente Previdência e Pessoal. E tratá-los como despesa financeira por meio da contabilização da dívida, por esse aspecto, pode ser uma questão controversa. Porém, é preciso considerar que a ideia, segundo o JOTA apurou, é dar esse tratamento apenas ao estoque que vem sendo gerado pelo calote proporcionado pela PEC dos Precatórios, e não para todos os precatórios, inclusive os que vêm sendo pagos corretamente.

Recentemente, o governo teve uma boa notícia. A emissão de precatórios novos para o orçamento de 2024 foi em volume bem mais baixo do que se esperado. Ficou mais provável que seja encaixado dentro do fluxo normal do orçamento, diminuindo o acúmulo de precatórios. Não se sabe, entretanto, se isso é ou não uma nova tendência de emissões mais baixas que começou neste ano — e que os últimos dois anos foram períodos anormais.

Em junho, o estoque de precatórios e RPV a pagar estava em R$ 108,9 bilhões, segundo o painel do Tesouro criado para o tema. Segundo projeções do próprio órgão, o estoque poderá chegar a R$ 199 bilhões em 2027, quando a regra atual acaba e esse passivo, em tese, terá que ser liquidado, disparando o déficit primário.

A necessidade de se discutir uma solução para o problema é evidente. Não ter deixado os precatórios fora do teto de gastos e evitado toda essa confusão era a solução mais correta quando o tema foi endereçado em 2021, mas, por teimosia do ministro Paulo Guedes, que queria pressionar o Judiciário a ser mais cuidadoso nas emissões dessas dívidas, buscou-se o caminho mais complicado.

A PEC dos Precatórios colocou como solução para reduzir o estoque o mecanismo de encontro de contas. Mesmo o governo passado, que criou a proposta, não regulamentou como isso seria feito e travou seu uso em 2022. A atual administração assumiu e não gostou do que viu, mantendo emperrada a possibilidade de uso dos precatórios como moeda para privatizações, compra de imóveis ou pagamentos de débitos tributários, entre outras possibilidades.

A leitura é que o dispositivo, que na letra da Constituição seria autoaplicável, tem complexidade operacional e brechas para fraude e corrupção. Mas, enquanto não se chega em uma solução definitiva, o governo deveria usar o que tem, concluir a regulamentação (que está na AGU) rapidamente e pelo menos mitigar esse passivo.

Seja como for, o fato é que as estatísticas fiscais hoje estão subestimando o endividamento público por conta dos precatórios não pagos e acumulados. Seja tirando do teto o pagamento desse excedente, seja tratando como dívida e pagando como despesa financeira, no fim das contas o Brasil terá uma dívida maior.

Mas é melhor ser realista com a situação do que alongar por demais essa situação. Quanto antes se encontrar uma saída para o estoque criado, melhor. A incerteza sobre isso também é um problema que rebate no custo da dívida, já que os investidores olham o risco de longo prazo e pedem prêmios para comprar títulos públicos, fragilizando o país.