Enquanto há disputa no Congresso pelos cargos na CPMI do 8 de janeiro, governo e oposição também movem suas peças nas redes sociais para tentar definir a pauta da investigação ainda antes do seu início. Dois antecedentes ajudam a dar parâmetros para a dinâmica da comissão: a CPI da Covid, em 2021, e a CPI do 8 de janeiro, que já está funcionando na Câmara Legislativa do Distrito Federal.
A CPI da Covid produziu atenção, movimentou as redes e ajudou a criar um contraponto oficial ao governo Bolsonaro, com pressão que, na visão dos opositores, acelerou a vacinação. Mas houve poucos efeitos jurídicos consistentes. E mesmo o sucesso na comunicação foi limitado a um dos campos políticos. A direita bolsonarista continuou engajada e teve na CPI porta-vozes que validavam as versões propagadas pelo então presidente.
No DF, a CPI para investigar os ataques aos Três Poderes foi instalada logo após o afastamento de Ibaneis Rocha pelo STF. Presidida por um petista, mas com ampla maioria governista, de direita, a investigação foi inicialmente vista como uma forma de tirar de Ibaneis a responsabilidade sobre a inação das forças de Segurança e também escusar a PM do DF. Até agora, a comissão concentra-se em apurar a conduta de Anderson Torres, do comandante da PM à época e mira o Exército. A tese que embasa os trabalhos é a mesma de Ibaneis: uma “pane geral”.
Ao distribuir pedaços de responsabilidade operacional para todos os lados e concentrar possíveis omissões ou condutas dolosas em CPFs de não políticos, a CPI conseguiu até aqui operar abaixo do radar das redes sociais bolsonaristas.
O deputado distrital Chico Vigilante, veterano petista com passagens pela Câmara dos Deputados, avalia que o governo federal errou ao não ter apoiado a instalação imediata de uma CPMI no Congresso. “Deu uma bandeira a eles. A quem aprontou aquela baderna nos palácios. Foi um erro”, diz o deputado.
A partir da experiência na comissão, ele aponta duas prioridades para a CPMI: encontrar os financiadores dos atos e responsabilizar integrantes das forças policiais e das Forças Armadas. No rastro do dinheiro, Chico Vigilante enxerga pegadas que vêm do campo e sugere que o agronegócio seja o alvo preferencial da investigação.
A CPMI não terá a trégua digital da CPI de Brasília. No fim de semana, o governo começou a sair do corner em que ficou logo após a divulgação dos vídeos no Planalto. A reação veio exatamente por perfis que cresceram na CPI da Pandemia, como o Camarote da CPI (agora, Camarote da República), Tesoureiros do Jair e Jairmearrependi. Apurações feitas por eles ecoaram em postagens até do ministro Paulo Pimenta, da Secom.
Tudo aponta para a repetição da batalha da pandemia, com forças bolsonaristas agindo em dois planos. O mais visível é o da interpretação delirante dos fatos. É o que costuma atrair a reação, mas por trás dela há um propósito e uma direção, que lhe dá sentido e força. A “narrativa” está pronta e é de fácil apropriação pelos apoiadores:
a) os patriotas manifestaram-se pacificamente e foram presos de forma injusta por um sistema de Justiça controlado pela esquerda
b) os ataques de 8 de janeiro foram planejados ou facilitados pelo governo
Imagens do general Gonçalves Dias e de agentes do GSI prestaram-se a este encaixe narrativo. A palavra “Araraquara”, por exemplo, passou dois dias nos trending topics e pelos grupos fechados. Isso porque as imagens do presidente Lula inspecionando o Palácio na noite dos ataques foram vistas como “prova” de que ele não viajara a SP, como documentado pela imprensa. Em post particularmente cômico, um perfil bolsonarista apontou que um invasor do Planalto estaria com bandeira do MST. Confrontado com a informação de que a bandeira era do RS, ele só registrou o comentário, sem apagar o post, que já havia viralizado nos grupos. E é essa a chave.
Não é uma comunicação cujo efeito possa ser anulado por fact-checking. Em grande parte, o público dela sabe da manipulação, e a reproduz para reforçar o seu lado. Foi nos grupos que os protestos foram mobilizados. Foi nos grupos que os insurretos foram tratados como heróis no 8/1. Foram esses grupos que pediram intervenção militar.
Isso mostra os limites da contenção via comunicação. O governo e a esquerda reagiram, mas falam também para aqueles que já acreditam neles. Trata-se de motivar essa base para a disputa de um centro político e social cada vez mais reduzido. Mas ao menos o fim de semana já mostra que a direita não falará sozinha depois que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, ler o requerimento de instalação, provavelmente na próxima quarta-feira (26).