Análise

Demora no início de votações na Câmara não significa paralisia no governo Lula

Executivo aproveita lua de mel para lançar sozinho suas principais políticas no mandato sem precisar se preocupar já com votações

Lula
Crédito: Gerdan/Câmara dos Deputados
logo do jota pro poder, na cor azul royal

Na estreia de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), em 1995, as votações no plenário da Câmara foram iniciadas apenas no fim da primeira semana do mês de março. Já no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2003, as votações foram retomadas somente após a segunda quinzena de março. Na primeira gestão de Dilma Rousseff (PT), que representou a continuação do PT no Planalto, houve menos fricção, e as votações foram retomadas na segunda quinzena de fevereiro de 2011. Por fim, na estreia de Jair Bolsonaro (PL), em 2019, as votações no plenário também foram retomadas em fevereiro, mas um pouco mais cedo, na segunda semana do mês.

Embora algumas votações já tenham acontecido desde o início da nova legislatura, não houve votação nominal em que o governo e a oposição pudessem se enfrentar no Plenário.

A formação de uma base em uma legislatura viciada em orçamento secreto — instrumento que se traduziu na governabilidade durante o governo Bolsonaro — pode ter criado embaraços para o novo governo, mas a avaliação de que Lula 3 está paralisado e com mais dificuldade do que seus antecessores para conseguir formar uma base mínima no Congresso parece ser um exagero.

Lula foi “cauteloso” em seu primeiro mandato e tem ainda mais motivos agora, diante do Congresso que saiu das urnas: mais conservador e predominantemente de centro-direita. É um Congresso menos fragmentado também em termos de legendas: eram 30 partidos em 2018 contra 18 agora. Obter adesão total de um partido se tornou mais laborioso agora do que antes. 

Em seu terceiro mandato, é razoável achar que Lula sabe melhor do que ninguém que os eleitores prestam mais atenção ao que o presidente diz e faz apenas nos primeiros dois ou três meses do mandato. Por isso, enquanto não houver enfrentamento nos plenários da Câmara e do Senado tanto melhor para ele, que acaba monopolizando a atenção dessa audiência.

Não por acaso, Lula lançou parte de suas principais políticas nos 100 primeiros dias de seus mandatos anteriores, como o Fome Zero e a reforma da Previdência em 2003, e o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), em 2007.

Pacto político mais matizado 

No processo legislativo brasileiro, o intercâmbio político entre o Executivo e o Legislativo é uma característica essencial. Isso ocorre porque quando a ideologia não é o único fator que influencia a votação, a dinâmica governo-oposição acaba orientando o comportamento eleitoral na legislatura. 

Profundo conhecedor dessas relações, Lula optou pelo presidencialismo de coalizão. De modo semelhante ao que ocorre no parlamentarismo, o presidente da República forma seu ministério com integrantes dos partidos da coalizão de governo e, ao mesmo tempo, os partidos oferecem a maioria de que dispõem no Congresso Nacional para apoiar a agenda do presidente.

De pronto, a coalizão é um “acordo” de cooperação que pode ser total ou parcial. O caso mais desviante da coalizão montada por Lula é o União Brasil, que apesar de ter indicado três nomes para compor a Esplanada dos Ministérios, pretende não aderir ao governo de maneira fiel. 

A legenda controlada por Luciano Bivar é formada por uma maioria independente. Na Câmara, por exemplo, o partido abriga uma ala bolsonarista: cerca de 20 parlamentares são declaradamente opositores de Lula, 5 são governistas e outros 34 devem flutuar entre votações favoráveis ou não ao Planalto. No governo anterior, a taxa média de governismo do União foi de 88,5%. É esperado que essa taxa fique abaixo de 75% nesta nova legislatura.