Política

Democracia é o único jogo aceitável: de volta a 2020, com Levitsky no Youtube do JOTA

É importante refletir sobre os ensinamentos do professor de Harvard e manter o olhar atento ao cenário institucional do País, porque as democracias costumam morrer por dentro

Virou um chavão acadêmico a definição segundo a qual as democracias estão consolidadas quando o regime democrático é o único “jogo aceitável” (“the only game in town”). Pensando nisso, em junho de 2020, muito antes do início da eleição presidencial, o JOTA fez uma longa conversa com Steven Levitsky, o cientista político da Universidade de Harvard e co-autor do bestseller “Como as Democracias Morrem”.

Dois anos depois, é útil voltarmos àquela conversa. Primeiro porque devemos sempre lembrar sob quais condições as democracias correm risco. Normalmente, populistas com viés autoritário são eleitos se vendendo como outsiders de um sistema político corrompido por uma elite. Essa elite pode ser política ou econômica. É comum o argumento de que a elite econômica não vai gostar desse candidato pois ele seria contrário aos interesses dela. 

É possível identificarmos alguns indicadores desse comportamento autoritário, uma espécie de playbook, que é repetido mundo afora. Primeiro, esse tipo de político costuma rejeitar as regras democráticas, como não aceitar o resultado de eleições quando é derrotado ou quando corre o risco de derrota. O segundo comportamento é negar que qualquer oposição seja legítima. Além disso, é muito comum tolerar ou encorajar violência contra adversários. Por fim, há uma propensão a restringir liberdades civis dos oponentes – e um sintoma clássico é atacar a imprensa, acusando-a de propagar mentiras.

A conversa com Levitsky, disponível no canal do JOTA no Youtube, também é útil para vermos como o Brasil tem forças para evitar decadências democráticas. Uma das formas clássicas de destruição “por dentro” da democracia é a captura de árbitros importantes. Instituições de controle passam a não cumprir o seu papel ou órgãos como o Supremo Tribunal Federal são cooptados. Uma movimentação clássica é simplesmente aumentar o número de ministros do Supremo e lotar a corte com aliados. Na conversa de 2020, Levitsky já dizia que “a Suprema Corte Brasileira não é tão fácil de intimidar como no caso da Venezuela”.


No momento em que muito se discute a possibilidade de golpe no país, o envolvimento dos militares ou o futuro após a eleição, é necessário lembrar que a democracia é o único jogo aceitável. Isso não significa que a imprensa deva abandonar o comedimento em um esforço para enfraquecer o governo ou que a sociedade civil deva entrar em desespero. As mobilizações dentro da regra do jogo nos últimos meses mostram que a sociedade está preparada para reagir contra certas ameaças.

Por outro lado, mudanças que contrariam as normas vindas do Congresso são motivo de preocupação. As democracias costumam morrer por dentro, com aliados de populistas autoritários no Congresso ou no Judiciário ajudando a corroer o regime democrático. Os Estados Unidos mostram que esse é um risco real. Quando líderes políticos colocam em dúvida a legitimidade do resultado das eleições, há cidadãos que passam a adotar essa visão. Nos Estados Unidos, mais de 60% dos Republicanos acreditam que a eleição de 2020 foi “roubada”. No Brasil, dados coletados pelo JOTA nos últimos meses mostram que entre eleitores com sentimento anti-PT a desconfiança nas urnas tem aumentado e está na casa dos 50% – enquanto entre eleitores do PT ou eleitores não partidários a confiança no sistema eleitoral permanece inabalada.

Voltar à conversa de 2020 é um exercício interessante e manter o olhar atento é um imperativo.