análise

A sabatina de André Mendonça: quem o indicou era seu principal adversário

As culpas de Bolsonaro e as responsabilidades de Mendonça

sabatina André Mendonça
André Mendonça durante sabatina na CCJ do Senado. Crédito: Edilson Rodrigues/Agência Senado

André Mendonça teria uma sabatina muito diferente de tudo o que se viu no Senado desde a primeira das sabatinas, no final da década de 1980. Várias as razões, mas a principal era a situação contraditória em que Mendonça se achava: quem o indicou para a vaga era também seu principal adversário.

Foi Jair Bolsonaro (PL) quem o escolheu, dando como razão o fato de ser “terrivelmente evangélico”. Foi também o presidente da República quem disse que Mendonça faria oração antes das sessões plenárias. E isso criou a imagem de que o candidato ao Supremo atuaria como líder religioso dentro do tribunal.

Foi Bolsonaro quem ameaçou as instituições democráticas por ações e discursos, inclusive o STF. Foi também ele quem deu indicações de que não queria um juiz do Supremo, mas alguém indevidamente alinhado com ele no STF. Duas posturas que levantaram dúvidas sobre a imparcialidade e correção de Mendonça como juiz do Supremo.

Foram as indicações de Bolsonaro para diversos órgãos do Estado, como a Procuradoria-Geral da República (PGR), que criaram a dúvida sobre os critérios e objetivos do governo ao definir nomes para cargos-chave. Foi a escolha do ministro Nunes Marques, cuja indicação até hoje carece de uma explicação razoável, que suscita dúvidas sobre as razões para a seleção de Mendonça.

A lista poderia seguir. Mas esses exemplos são suficientes para compreender a postura defensiva de Mendonça desde o início da sabatina.

O discurso inicial – de 32 minutos – não era essencialmente de apresentação, mas de defesa, de desarmar as bombas que o presidente da República instalou ao longo do processo.

Por isso, disse que assumia – e assinou diante dos senadores – três compromissos com o Senado: defesa da democracia e defesa do Estado democrático de Direito, compromisso com a laicidade do Estado brasileiro, compromisso com a Justiça e a imparcialidade das decisões judiciais.

Três compromissos que não são virtudes, não diferenciam André Mendonça. Esses são pré-requisitos. Entretanto, em se tratando de alguém indicado por Bolsonaro e da forma como foi, tornou-se um diferencial.

Mendonça só citou Bolsonaro – nominalmente – numa passagem. E mencionou Deus em quatro oportunidades nesse discurso inicial. Nunes Marques, que não sofreu as resistências que Mendonça enfrentou por sua denominação religiosa, citou o nome de Deus por seis vezes no seu discurso inicial.

Entretanto, Mendonça tem também as suas responsabilidades pelas dificuldades que enfrentou. Ele paga o preço por integrar o governo Bolsonaro, por assumir a defesa das ações, das decisões e políticas do Executivo.

Sua sustentação oral no julgamento no STF sobre reabertura de cultos religiosos em meio à pandemia é o exemplo maior das suas – digamos assim – culpas. A manifestação de Mendonça neste caso, e ele tinha lá suas razões políticas para agir assim, tinha bases mais religiosas, retóricas, do que essencialmente jurídicas.

Os senadores lembraram-no também de duas outras de suas responsabilidades: quando assinou como ministro da Justiça um habeas corpus em favor de Abraham Weintraub, ministro da Educação, que havia defendido a prisão de ministros do Supremo; e quando acionou a Lei de Segurança Nacional para investigar detratores do presidente da República (Mendonça disse que, se não o fizesse, estaria prevaricando).

A indicação de André Mendonça não é ponto fora da curva, seja pelo seu currículo, seja pela proximidade do presidente da República, seja por integrar o governo que o nomeia. Inédita foi a demora para que a indicação fosse submetida à Comissão de Constituição e Justiça, nutrida por Davi Alcolumbre (DEM-AP) e por seus interesses políticos.

Também incomum foi a postura do governo e de suas lideranças, que abandonaram o indicado à própria sorte. Mais do que abandono até, alguns deles trabalharam insistentemente contra a sua escolha. Mendonça, na falta de apoio, teve de sustentar-se politicamente no apoio de lideranças religiosas. Quem precisa demonstrar seu respeito ao Estado laico viu-se cada vez mais próximo do bordão do presidente – “terrivelmente evangélico”, adjetivo que ele nunca viu com bons olhos.

Por fim, Mendonça também não será o primeiro evangélico a integrar o Supremo. O mineiro Antônio Martins Vilas Boas, como lembrou o senador Carlos Viana (PSD-MG), também era evangélico. A imprensa, quando ele foi indicado, lembrava que ele era bispo da Igreja Presbiteriana de Belo Horizonte. Nem mesmo será o primeiro juiz do STF cujas convicções religiosas podem falar alto. E a história recente do Supremo tem exemplos notórios nesse sentido.

Apesar de todos os empecilhos e articulações, o Senado mantém a regra de referendar as indicações para o STF. André Mendonça, aprovado e empossado, será mais um dos integrantes do Supremo com experiência e passagem pelo Executivo. O terceiro advogado-geral da União da atual composição reforçará a postura do tribunal de ser uma Corte notadamente pró-governabilidade. André Mendonça não será uma surpresa, nem uma página em branco. Talvez seja dos ministros do Supremo aquele com posições mais do que conhecidas.