Etienne Jacintho

Muito já se falou sobre “Narcos” e a única opinião unânime diz respeito ao sotaque de Wagner Moura no papel do traficante colombiano Pablo Escobar. Mas, quer saber? Pouco importa se o sotaque do ator baiano convence ou não. Moura é um ator excelente que teve pouco tempo para fazer uma imersão no espanhol e detectar as nuances do sotaque de Medellín. Essa era só uma parte de sua preparação. Ele ainda teve de imprimir sua visão aos trejeitos e tipo físico deste personagem tão conhecido por ter construído um império à base do tráfico de cocaína, principalmente para os Estados Unidos.
Na Colômbia, há duras críticas à personificação que Moura deu a Escobar. Mas, na trama de “Narcos”, o personagem que Moura criou cabe perfeitamente. O Escobar do ator brasileiro é bem crível dentro do universo criado pelos roteiristas e diretores da série, que tem produção assinada por José Padilha, diretor de “Tropa de Elite”. A técnica narrativa se assemelha a outro sucesso cinematográfico brasileiro: “Cidade de Deus”. Como no filme de Fernando Meirelles, a série “Narcos” é narrada por um personagem que conta a história do traficante sob sua ótica. Neste caso, o personagem é Steve Murphy, um oficial americano do DEA, que vai à Colômbia para combater o narcotráfico desde sua origem. Nos EUA, a cocaína de Pablo Escobar fez um estrago em Miami, gerando uma situação de quase guerrilha.
Murphy é interpretado pelo ator Boyd Holbrook, curiosamente, o pior ator em cena. Seu parceiro Javi Peña (Pedro Pascal) é muito melhor e convence mais o espectador na pele do durão agente que não mede esforços e recursos para capturar os traficantes. Para ele, as regras pouco importam. Holbrook está tão ofuscado pelo brilho dos seus companheiros em cena que passa quase despercebida a enorme transformação pela qual seu personagem passa ao longo dos dez capítulos que compõem a primeira temporada. No primeiro capítulo, Murphy é o mocinho disposto a capturar os bandidos, mas sempre jogando dentro das regras. Nos últimos, ele já não é o mocinho inocente. Mas é necessária uma cena de Murphy com sua mulher, Connie (Joanna Christie) para que o telespectador tenha a dimensão dessa transformação, já que Hollbrock não convence só por sua atuação.
“Narcos” de fato é um boa série de ação. Com direção ágil e roteiro redondo, talvez peque apenas pela narração, às vezes, um pouco maçante ou explicativa demais. No entanto, as cenas de perseguição, explosão, tiroteio, traições e tramoias são bem construídas, assim como as personas dos outros traficantes que cercavam Pablo Escobar e seu império, seja como parceiros ou inimigos. Destaque para os atores Juan Pablo Raba, como Gustavo Gaviria, o primo leal de Pablo; Luis Gusmán na pele de Gacha, um dos doidos seguidores de Escobar; e o brasileiro André Mattos, como um dos irmãos Uchoa, família de traficantes aliada a Pablo. É interessante ver como esses personagens se relacionam com Pablo Escobar nas diferentes fases do império do chefão do tráfico.
A série tem início no fim dos anos 1970, quando Escobar recebe um “presente”: um sócio um tanto limitado em questões estratégicas, que acaba ensinando a Escobar todo o processo de produção de cocaína. A partir daí, o público vê como o empresário do contrabando se torna um dos homens mais ricos do mundo. “Narcos” aposta na visão de Escobar para os negócios. Ele é um ótimo estrategista e, mesmo quando todos presumem que ele está em xeque-mate, o jogo vira e ele consegue encontrar uma saída. Na série, Escobar é ajudado e traído por amigos, sócios, por informantes, amantes, por policiais e políticos. Ele não perdoa ninguém. Finge alianças, se aproveita de sua alcunha de Robin Hood de um país repleto de pobreza e desigualdade social para ludibriar inocentes, mata sem piedade quem ele crê ser descartável ou testemunha de seus crimes.
Enfim, o Pablo Escobar de “Narcos” é um grande personagem ficcional. E, apesar de a série utilizar muitas imagens reais de Escobar para dar esse tom documental à série, o público e os críticos têm de assistir à série como sendo ficção. Uma boa ficção. Tão boa que teve excelente audiência e crítica nos Estados Unidos, fato que serviu para garantir uma segunda temporada para 2016. Ou seja, Wagner Moura terá de engordar seus 20 quilos para dar vida novamente ao rechonchudo traficante de andar engraçado e jeitão conservador. “Narcos” tem seu mérito, assim como José Padilha e Wagner Moura por aceitarem o desafio sem medo de errar – ou de receber críticas por se aventurarem em terreno desconhecido, em uma produção estrangeira e falada em língua estrangeira. Nesse universo de séries cada vez mais amplo e com grandes jogadores (Netflix, HBO, Showtime etc.) quem se arrisca quase sempre sai ganhando!
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JOTA

Netflix mistura ficção e realidade para contar história de Pablo Escobar.

Justiça em série &#8211; “Narcos”: muito além do sotaque de Wagner Moura

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