Pedro Gordilho

Um americano em Paris. Se houvesse um pleito para escolher o verdadeiro americano em Paris este seria seguramente Benjamin Franklin, que os parisienses adotaram desde sua chegada na França em 1776. Foi um personagem excepcional, uma raridade, um diamante lapidado: autodidata, tendo exercido todas as atividades possíveis, tornou-se editor, dono de jornal, físico, inventor (deve-se a ele o primeiro para-raios), criador da primeira universidade da Pensilvânia e poliglota.
Ele foi o único pai fundador dos Estados Unidos que teve o ensejo de redigir e assinar os três grandes textos que constitui a declaração da independência dos Estados Unidos, o tratado de Paris que sela em 1783 a paz com a Inglaterra e a Constituição Norte-Americana. Esse homem que libertou seus escravos tornou-se um grande amigo de Voltaire. Foi o primeiro embaixador dos Estados Unidos ainda em gestação, chegando a Paris em plena efervescência social e intelectual.
Nenhum estrangeiro conheceu em seu tempo semelhante popularidade na França, que celebrou nele um representando do espírito filosófico personificando o saber e a liberdade ao serviço do progresso Turgot formula isso de maneira brilhante com a divisa: “Ele atira o raio ao céu, e o cetro aos tiranos”.
A revolução francesa o considera como um herói nacional. A seguir, o século XIX celebra em Franklin um exemplo de virtude paradigma do liberalismo econômico e da ordem social, fazendo de sua obra o evangelho de uma sociedade burguesa. Suas ideias, mesmo sem ser totalmente originais, são apresentadas com humor, sua filosofia, tal como apresentada, é consensual. Ele é um dos últimos avatares da construção da moral cívica e laica ensinada nas escolas francesas e transmitidas aos povos que se deixaram tocar pelas luzes que a França fez florescer em grande parte do mundo ocidental.
Benjamin Franklin nasceu em 1706 em Boston, num regime democrático marcado pelo puritanismo e sobretudo pelo conformismo. Último filho de uma família de dezessete crianças, no seio de uma família que vivia da fabricação de velas e sabonetes, foi praticamente privado da instrução. Empregou-se na loja do pai desde da idade de dez anos, depois, em 1718, torna-se impressor, familiarizando-se com a impressão dos jornais. Essa atividade coloca o jovem em contato com personalidades locais que se interessam pela literatura. E foi esse banco de ensaios que permitiu a ele escrever seus primeiros textos, cartas humorísticas ou políticas defendendo, entre outras, a liberdade de expressão. Mas suas relações locais se tornaram mais difíceis, fazendo-o romper brutalmente com esse meio em que vivia em 1723 e transferindo-se para Filadélfia, onde ele chega sem dinheiro e encontra emprego com um editor.
Foi depois nomeado diretor dos serviços postais da Filadélfia, codiretor dos Correios das treze Colônias em 1753. O Congresso o nomeia Diretor Geral dos Correios em 1775, o que lhe permite ter o controle sobre todo o Correio das Colônias. Até então, o serviço dos Correios Americanos era defeituoso e deficitário. A aplicação de um método rigoroso de contabilidade, o calculo das distancias e de períodos de deslocamento, bem como as viagens de inspeção destinadas a melhorar o funcionamento dos serviços deram grande prestigio a Franklin, recebendo elogios do tesouro britânico.
Sendo homem que amava o contato social e praticava a conversação, e as leituras, fundou em 1726 o clube Junto, provavelmente influenciado pelo exemplo dos clubes ingleses, grupo que reúne doze membros de origem modesta, para discutir questões de moral, de política, de ciências e de filosofia. É igualmente um grupo que lhe permite ampliar sua clientela e de cujas discussões são inspirados artigos para seu jornal.
Fortuna feita, Franklin se desocupa em 1748 dos seus negócios particulares. Seu gosto pelo bem comum se manifesta principalmente no domínio da educação e da promoção de conhecimentos uteis. Ele é o fundador, em 1731, da Biblioteca de Filadélfia, primeira Biblioteca pública sob o regime de subscrição da América do Norte.
A partir do ano de 1760, as treze colônias inglesas da America do Norte suportam, em condições adversas, a tutela da metrópole: os colonos criticam os impostos fixados em Londres, contestam as tarifas aduaneiras que enfraquecem as colônias e travam o seu comercio, e desejam participar concretamente das decisões políticas. Pouco a pouco eles se organizam e, dezembro de 1773, o Boston tea party marca efetivamente o rompimento: são lançados ao mar grandes partidas de chá vindas da Inglaterra. O Governo britânico toma, em 1774, várias medidas, conhecidas como as leis de coerção (coercive acts) e qualificadas de atos intoleráveis que não fazem senão estimular cada vez mais a revolta. Em cinco de setembro de 1774, doze colônias (todas menos a Georgia) enviam um delegado da Filadélfia para o primeiro congresso continental: Samuel e John Adams representam o Massachusetts, George Washington representa a Virginia. O Congresso, onde se estabelece uma luta entre conservadores e radicais, adota, em 14 de outubro de 1774, uma declaração e várias resoluções, ainda relativamente moderadas. Em 19 de abril de 1775, em Lexington, a 25 km de Boston, os soldados britânicos se acham diante de uma milícia americana e tiros são então trocados.
Em 1776 foi publicado o Common Sense do planfletário norte americano Thomas Paine, que constitui a primeira reivindicação pública de independência e que conhece um prodigioso sucesso. Um comitê de cinco membros foi designado na Filadélfia em junho para preparar uma declaração de independência cuja redação é confiada a Thomas Jefferson e que Franklin aperfeiçoa, dando-lhe o toque da elegância. O texto foi adaptado pelo congresso de 4 de julho de 1776 e assinado em 2 de agosto pelos 55 delegados. A Pensilvânia se engaja imediatamente na redação da Constituição e nomeia para esse efeito uma convenção de oito membros presidida por Franklin, que imprime a sua marca, sobretudo na declaração dos direitos e no plano de governo. A Constituição consagra a evolução de Franklin da monarquia em direção à democracia e será muito admirada na Europa, particularmente na França. Em 26 de outubro de 1776 Franklin embarca para França. O Congresso o envia na qualidade de comissário oficioso dos Estados diante da Corte da França.
Franklin embarca com a idade de 70 anos. A noticia de sua chegada o precede em Paris e se espalha através da França. O que o filosofo americano pode observar? Ele vê que o funcionamento de uma grande capital do ocidente moderno era outra coisa, diferente do que ele percebeu em Londres, onde permaneceu grande parte da sua vida. É a capital das capitais, como a monarquia francesa construiu.
A capital de Luis XVI, embora submetida uma monarquia absoluta mostra ao mundo modelos que os americanos já então gostariam de incorporar ao novo país. Paris reúne então todos os componentes da puissance (“poderio”), senão a residência regular da monarquia que continua em Versalhes, ao menos todos os grandes serviços, é a sede do parlamento, é a sede da academia, constituindo o conjunto das funções intelectuais, e, igualmente, o centro do comercio.
A Paris de Franklin, capital das luzes e de uma monarquia que mistura habilmente reformas e conservação, não pode se impor aos seus olhos senão pelo volume da cidade, sua realidade material e as forças sociais que ela reúne. Ele é recebido por todos e celebrado pelos intelectuais. A cinco quilômetros de Paris, numa pequena cidade de Vinhateiros e de vendedores de hortaliças, ele encontra um abrigo na medida, mantendo-o numa digna simplicidade, análoga àquela revindicada pelos representantes do congresso de Filadélfia. Isolado, mas acessível e próximo a Versalles tanto quanto da capital, é um isolamento que permite em pouco tempo, menos de uma hora numa carruagem de dois cavalos, de sair e voltar. É uma solução pouco onerosa e garante o que ele desejava, que era sua imensurável liberdade de movimento.
Se a companhia de Franklin é desejada por todos, os contemporâneos maravilhavam-se do seu sucesso com as mulheres. O Abade de La Roche assinala que era de bom tom ter Franklin para jantar. As mulheres sobretudo se apressavam de visitá-lo e lhe falar por horas inteiras, sem se aperceber que ele não as compreendia seja porque era uma outra língua, seja porque elas falavam muito rápido.
O Salão da Rua de Seine em Paris, onde a duquesa D’Enville recebia filósofos e sábios, passou a ser o centro de reunião dos fisiocratas e dos economistas, um dos bastiões da nobreza liberal. Discutia-se muito economia política com Turgot, Condorcet, Dupont de Nemours. Franklin foi convidado a jantar muitas vezes nesse endereço. Ele havia feito amizade com o Duque De La Rochefoucauld em Londres, provavelmente em março de 1769. E desde de sua permanência em Paris, no verão seguinte foi no endereço da intelectualidade parisiense de então que ele assistiu a uma demonstração da máquina elétrica do Abadie Nollet.
A Duquesa D’Enville era antes de tudo uma pregadora da tolerância. A intelectualidade francesa mais celebrada o tem como uma personalidade radiante. Condorcet, Lavoisier, as figuras mais representativas da Academia das Ciências, fundada por Luis XIV sob impulsão de Colbert, a sociedade real de medicina, os enciclopedistas, estão entre as grandes personalidades e instituições. E os enciclopedistas, em voga na época? A livraria parisiense Le Breton concebe a ideia, em 1746, de editar um dicionário universal das artes e das ciências traduzido de um dicionário enciclopédico inglês. A direção é confiada a Diderot e a D’Alembert, que lança uma subscrição pública para financiar esse projeto, que ambicionava abraçar todos domínios do saber universal. Todos são convocados, as academias, as lojas maçônicas e o cafés, como o Le Procope, as correntes do pensamento e as influentes que propagam de um circulo a outro circulo.
Malgrado a censura, notadamente aquela dos partidos clericais – a enciclopédia foi colocada no Index pelo Papa --, o grandioso empreendimento é sustentado fortemente por Malesherbes, tornado diretor da biblioteca e responsável pela aferição preliminar dos textos. Em 1772 17 volumes e 11 de mapas já tinham sido publicados. Franklin participa. É um projeto que tem muito a ver com seu pensamento: reunir aos conhecimentos adquiridos pelos homens, fazer a critica dos fanatismos religiosos e políticos, fazer a apologia da razão e da liberdade de espírito. O encontro com Voltaire, gloria viva, com Franklin, com o qual ele fala inglês (eu não pude resistir ao desejo de falar o momento a língua de N. Franklin) é frequentemente relatado, notadamente por Voltaire, numa carta a seu médico. Eles se reencontram numa sessão pública da Academia das Ciências, em que Voltaire diz: “É Solon que abraça Sopoclis”.
Quando a França toma ciência em 11 de junho de 1790 da morte de Franklin, Mirabeau pronuncia o elogio fúnebre. Depois de ter invocado naquela solenidade dramática, que era a marca de sua eloquência o “gênio que surpreendeu a America e trouxe para Europa torrentes de luz”, o orador quer que a Assembleia Nacional se associe, durante três dias, ao luto decretado pelo Congresso Norte Americano. “Durante longo tempo a etiqueta proclamou lutos hipócritas as nações não devem elevar senão o luto de seus benfeitores. Os representantes das nações não devem recomendar as suas homenagens senão os heróis da humanidade. A França livre deve um testemunho de saudade e de celebração a um dos maiores homens que serviram à filosofia e a liberdade”. A estatua do americano em Paris praça Benjamin Franklin próximo a rua do mesmo nome, da praça do Trocadéro e da Avenida Paul – Doumer foi oferecida à Prefeitura de Paris pelo americano Jonh Harjes, por ocasião do bicentenário do nascimento de Franklin. A estatua representa o político sentado numa poltrona tendo na mão direita os originais de uma de suas obras e sobre o pedestal dois baixos relevos assinados por Frederic Brou, figurando, um, à esquerda, a recepção de Franklin pelo Rei Luis XVI na Corte de Versailles em 1778, outro, à direita, a assinatura do Tratado de Paris de 1783. No frontispício do pedestal a inscrição: Benjamin Franklin 1706 – 1790 esse gênio que surpreendeu a América e derramou sobre a Europa as torrentes de luz, o sábio que dois mundos reclamam.

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Benjamin Franklin &#8211; Um americano em Paris

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Benjamin Franklin - Um americano em Paris

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