Pedro Gordilho

Assim como se declara, com razão, que os gregos já disseram tudo o que havia para dizer de importante em filosofia, pode afirmar­se que os romanos previram – e praticaram – o essencial da arte da guerra, da conquista, do domínio e da integração dos territórios alcançados à grandeza do seu império. Eles já sabiam algo que os russos, séculos depois, esqueceram ao invadir o Afeganistão, assim como aconteceu aos norte americanos e franceses no Vietnã e, mais perto de nós, aos americanos na vergonhosa ocupação do Iraque fundada numa falsidade. E o que que se colhe de sábio vindo do Império Romano? Muito simples. A população local tem de aceitar a ocupação militar estrangeira, achando que está ganhando muito com isso. O processo de “romanização” dava certo quando havia já um principio de vida urbana organizada, capaz de entender os benefícios da pax romana. Os povos ocupados pagavam seus impostos ao império romano, mas usufruíam efetivamente dos grandes benefícios que essa civilização superior lhes trazia.
Visitas atentas aos territórios ocupados pelo Império Romano facilita a compreensão do que está sendo dito.
As crenças, a cultura, o estilo de vida dos povos que habitavam os territórios ocupados, por exemplo. É possível encontrar­se, em áreas anteriormente integrantes da Grécia antiga, divindades cultivadas pelos gregos e divindades cultivadas pelos romanos. Isto, e muito mais, ressalta a genialidade daquele povo, que veio a constituir aquilo que se chamou o primeiro Reich.
E os incas, que povo foi esse, que teve uma presença tão curta na historia do mundo ocidental, deixando, não obstante, vestígios de uma fé, de uma cultura, de uma arte, verdadeiramente geniais. Sobre quem eram os incas, são muitos os estudiosos que desde sempre fizeram a mesma pergunta, correspondendo a ela varias respostas. Existem versões que se baseiam em documentos, tais como palavras e certas características culturais que sugerem migrações de povos situados nas imediações do lago Titicaca. Outros estudiosos sustentam o desenvolvimento autônomo do povo Inca no vale de Cusco.
Os ciclos míticos são muito ricos em símbolos, gestos e rituais, com a presença do sobrenatural e, marcadamente, do panteísmo. Seriam personagens enviados pela divindade em busca de um lugar previamente marcado, que deveria ser reconhecido no momento em que o gesto ritual de seus personagens é aceito pela mãe natureza e todos os seres que moram nela, refletindo­se o fato em manifestações dela, tais como arco­íris, chuvas de fogo, que serão tomados como sinal de bom agouro e que atinge a sua culminância num passe mágico, que é a conversão dos personagens em pedra, nesta longa peregrinação.
A cosmovisão incaica ensina: quem deu ao mundo o sopro vital tinha por nome Wiracocha. E ali onde tudo era escuridão, o oculto, o desconhecido, o sopro vital pôs uma raça de gigantes, a quem instruiu viver em paz para que se servissem mutuamente e se conhecessem para sempre. Mas sua palavra foi desobedecida por aqueles que não puderam conter os ânimos da soberba. Só então, em imagens transcendentais, desceu sobre eles a confusão e a cólera do sopro caiu como uma tormenta. A terra e o mar tragaram alguns, outros ficaram convertidos em pedras, como testemunho desta tragédia dos primeiros tempos, uma vez que o dilúvio inca (chamado, na língua própria, eunu pachacuti, a saber, a água que transformou o mundo) cessou e as águas voltaram ao nível normal.
Passado o dilúvio, estando a terra seca, Wiracocha determinou que a terra viesse a ser mais uma vez povoada e elevou ao firmamento o sol, a lua e as estrelas. E assim como o céu se encheu de luzes, veio à terra outra aparição, a qual, com o nome de Wiracochan ou Tunupa, mostrou aos homens recém chegados a Luz. De estatura elevada, gestos comedidos e vestido pobremente, tinha só como sinal da autoridade divina a cabeça coroada e um prodigioso báculo, com o qual peregrinou pelos Andes dizendo: “Que obedeçam as nações, que eu mando que brotem e se multipliquem. Alguns emergirão dos lagos, outros das fontes, das arvores, para receber do sopro primeiro as artes e as diferentes línguas que haverão de cultivar. Lhes dou também uma ordem de vida devendo falar mansamente para que uns e outros não se façam mal nem se ofendam. Aqueles que elegerem a rebeldia cairão petrificados. Outros, terminarão erguendo­se em santuário.”
Prosseguindo seu caminho chegou ao lugar ao qual deu o nome Cusco. Deixou seus conhecimentos gravados em seu báculo e na memória do povo, imagem que trabalharam para se repetir à sua semelhança. Finalmente se dirigiu para linha do Equador, perdendo­se no mar, caminhando por sobre a água como se fosse a sua espuma mais alva.
Veja­se como a memória desse povo superdotado nos traz sua condição de multiétnico, pluricultural e bio­diverso. Os povos reconheceram no mesmo herói o benfeitor comum e aquele que representava a ideia germe do que, com o passar do tempo, seria a base de um império. A palavra Inca é um fonema que variou de enqa a ingá e inca: significa o espírito, força ou energia que ordena as coisas para gerar ou produzir bem estar.
Após a invasão espanhola, uma das tribos remanescentes declarou, diante do funcionário espanhol, oferecendo explicações sobre a origem dos Incas: “(...) que Manco Capac, primer Inca, había sido Hijo Del Sol, y salido por uma ventana de uma casa y engendrado por el rayo o resplandor del sol... fue a lós altos de uma serrania donde está el valle del Cusco a vista... para luego fundar la ciudad.”
Uma vez criado e ordenado o mundo, Wiracocha se apresentou na forma de um homem resplandecente e criou os Incas, e dentre eles chamou o maior de todos a quem nomeou Manco Capac e lhe disse: “Tú y tus descendientes habrán de ser grandes señores y sujetarán muchas nacionaes, te reverenciarán como a un padre, y ustedes como hijos míos serán siempre respetados. Y entregándoles por insígnia el Tupayauri (que era un instrumento como um báculo de oro), les instruyó que donde este se hundiese, sería voluntad suya fundar una gran ciudad.”
As forças guerreiras percorreram os atuais territórios da Argentina e do Chile, tendo chegado muito perto da cidade de Santiago. Existe a suspeita de que o chefe inca não quis entrar em conflito com a brava e corajosa etnia dos araucanos. Mas os limites sempre se estenderam e essas grandes façanhas militares levaram o estado Inca a ampliar­se territorialmente. Parte das republicas da Colômbia, do Equador, da Bolívia, do Chile e da Argentina foi cenário da ocupação territorial do conquistador Inca. E se não tivessem sido respeitados os cultos, os costumes, as religiões, não teríamos hoje marcas tão evidentes da historia desses povos.
O mesmo com os romanos: se não tivessem respeitado, igualmente, os costumes encontrados nos territórios que os legionários de Julio Cesar ocupavam, também não teríamos as historias límpidas dos territórios onde hoje estão Portugal, Espanha, França, Inglaterra, parte da Alemanha, um pedaço do Leste Europeu. Pode­-se, portanto, falar que, num universo muito menor, mil e quatrocentos anos depois do Império Romano, o Império Inca mostrou a sabedoria que permitiu à Historia Universal colher uma historia de conquistas como, por igual, uma historia de grandiosidade, sem prejuízo da prudência e do cuidado com a cultura e as tradições locais.

Colosseum_in_Rome,_Italy_-_April_2007

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JOTA

Como cada civilização lidava com os costumes dos vencidos

A Pax Romana e a Pax Incaica

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