Isabella Macedo
Repórter freelancer

O ex-secretário de Saúde do Amazonas Marcellus Campêlo admitiu, em depoimento à CPI da Pandemia, que o estado não fez nenhuma compra de oxigênio nem contratou aumento de capacidade de fornecimento apesar de avisos da fornecedora de oxigênio hospitalar do estado, White Martins, ter avisado sobre o aumento da demanda em duas ocasiões durante 2020.
O JOTA teve acesso a duas cartas, enviadas pela empresa em junho e em setembro de 2020, nas quais o governo do Amazonas foi avisado que os volumes contratados àquela época seriam insuficientes para atender a demanda no futuro. Em janeiro deste ano, o estado sofreu com o colapso na saúde pela escassez de oxigênio.
Trechos das cartas foram lidos pelo senador Eduardo Braga (MDB-AM). “Avaliando os volumes contratados por vossas senhorias, já pudemos constatar que os mesmos não suportarão o consumo que atualmente estão praticando. Por outro lado, preocupa-nos que, neste momento excepcional de tão alta demanda, há possibilidade de termos de tomar a difícil decisão de atender somente os clientes em seus limites, prazos e condições comerciais contratadas”, diz trecho da carta enviada em julho lido pelo senador do Amazonas.
Campêlo também foi questionado por Braga se o estado fez a aquisição de alguma usina de oxigênio ou tomou providências para se adiantar ao cenário descrito pela White Martins. O ex-secretário admitiu que nenhuma compra foi feita naquela época. “Nessa época, nós não compramos nenhuma usina de oxigênio”, disse.
A White Martins também destacou na primeira carta, em negrito e sublinhado, que a secretaria precisava se adiantar para garantir o fornecimento de oxigênio. “É imperioso que se tomem medidas preventivas imediatas em relação ao atendimento desta secretaria, até porque são referentes a atendimento de indiscutível suporte à vida”, diz outro trecho, que sugere ainda um acréscimo contratual de 25% nos volumes de oxigênio.
O documento é encerrado pedindo medidas urgentes - com a palavra grifada em letras maiúsculas para chamar atenção dos gestores públicos. A empresa voltou a mandar uma carta, com conteúdo quase idêntico em setembro de 2020.
Contradição em datas
Campêlo foi mais um depoente a contradizer o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello durante sua participação na CPI. Ao contrário do que disse o ex-ministro, o comunicado da crise de falta de oxigênio no estado ocorreu na noite do dia 7 de janeiro, três dias antes do que alega o general da ativa. “A reunião com a White Martins foi à noite, a ligação para o ministro Pazuello foi, se eu não me engano, às 20h15 do dia 7, 21h em Brasília”. Segundo Campelo, a comunicação oficial, feita por meio de ofício, foi enviada à pasta no mesmo dia, às 23h45.
Em seu depoimento à CPI, Pazuello afirmou ter sido notificado do colapso por falta de oxigênio no estado no dia 10 de janeiro. Além de afirmar aos senadores que a comunicação ao general da ativa foi feita dias antes do que Pazuello afirma ter sido informado, Campêlo disse que um relatório da Força Nacional de Saúde registra que a situação foi relatada à pasta no dia 7.
Ao ser questionado pelo líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), sobre a alegação de que o Ministério da Saúde só teria recebido a comunicação no dia 16 de janeiro, Campêlo disse que um relatório de ações registra o recebimento no dia 8. “Eu tenho aqui um relatório parcial de ações entre 6 e 16 de janeiro da Força Nacional de Saúde. O registro que eles falam: ‘Tal problema chegou ao conhecimento no ministério no dia 8 de janeiro por meio de um e-mail enviado por Petrônio Bastos, da White Martins’”, relatou o ex-secretário, que afirmou que poderia encaminhar o documento aos senadores.
Já com conhecimento da situação, Pazuello esteve no estado no dia 11 de janeiro para o lançamento da plataforma TrateCov, que recomendava o uso de cloroquina para pessoas com sintomas de Covid-19. Além de Pazuello, a secretária de Gestão do Trabalho e Educação em Saúde, Mayra Pinheiro, a “Capitã Cloroquina”, também participou do evento. Mayra já havia passado alguns dias no estado antes do lançamento do TrateCov.
Questionado pelo senador e vice-presidente da comissão, Randolfe Rodrigues (REDE-AP), se o lançamento do aplicativo era adequado quando já se sabia do colapso da falta de oxigênio no estado, Campelo afirmou que não sabia que o aplicativo seria lançado e que a explicação seria dada durante o evento. “Nós nem sabíamos do que se tratava porque eles iam explicar o que era. (...) Esse evento teve várias pautas, uma delas foi a apresentação dessa ferramenta”, completou o ex-secretário.
Apesar de Mayra ter passado dias no estado e Pazuello já ter sido avisado sobre o problema de abastecimento de oxigênio, o evento não citou oxigênio em nenhum momento. Campêlo alegou que houve uma reunião antes do lançamento do TrateCov entre a White Martins e Pazuello para tratar do assunto, mas não deu detalhes do que foi tratado nesse encontro.