Clara Cerioni

O <a href="https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2265631" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Projeto de Lei 5.284/2020</a>, que pretende reformular o estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), precisa de um debate mais profundo para não gerar retrocessos no que diz respeito ao cumprimento de obrigações internacionais do Brasil em relação ao combate à corrupção.
A avaliação é do procurador regional da República Vladimir Aras, que concedeu entrevista ao <a href="http://jota.info/">JOTA</a>. Para ele, uma alteração nas dimensões propostas não pode ser feita com urgência, no final de ano, em uma situação de pandemia. "Algumas propostas podem causar retrocesso na posição brasileira no cumprimento de obrigações internacionais", afirmou.
Segundo Aras, a principal questão é que nenhuma categoria profissional pode ser imune. Ele citou como exemplo as investigações da Operação Faroeste, que miram um esquema de venda de sentenças por parte de desembargadores do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA), o mais antigo do Brasil.
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"Veja agora a Operação Faroeste que recaiu sobre o TJBA. Não se pode pensar que uma categoria profissional, qualquer que seja ela, fique com cláusulas que sirvam para proteger maus profissionais que se envolvem com crime e deixam de representar os interesses dos seus clientes para se associar a eles no mau sentido da palavra", disse.
O entendimento do procurador converge com a opinião da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) e da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp). Em <a href="https://www.anpr.org.br/imprensa/noticias/24787-anpr-envia-oficio-ao-presidente-da-camara-contra-o-pl-5-284-2020">nota conjunta divulgada</a> na quarta-feira (16/12), as entidades apontam que se as propostas em discussão forem aprovadas, elas implicarão em "efetiva blindagem de crimes cometidos por advogados, conferindo carta branca para a prática de lavagem de dinheiro, algo jamais visto no Brasil ou no exterior".
Um dos trechos mais criticados do PL, de autoria do deputado Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG), é o que estabelece ser "vedada a quebra da inviolabilidade do escritório ou do local de trabalho do advogado com fundamento meramente em indício, depoimento ou colaboração premiada, sem a presença de provas periciadas e validadas". O projeto teve a urgência aprovada na Câmara dos Deputados. Portanto, o texto pode ser votado diretamente no plenário.
"É preciso discutir com a sociedade civil, com os agentes da área criminal, e também, claro, com os advogados, a fim que se encontre um ponto adequado de regulamentação dessas questões", avaliou o membro do MPF.
<h3>Cautela também na LGPD Penal</h3>
Outra discussão legislativa que precisa de cautela, na avaliação de Aras, envolve o anteprojeto da Lei Geral de Proteção de Dados Penal (LGPD Penal). O procurador regional foi um dos organizadores de uma coletânea de artigos intitulada <a href="http://www.anpr.org.br/images/2020/Livros/protecao_dados_pessoais_versao_eletronica.pdf">"Proteção de Dados Pessoais e Investigação Criminal"</a>, lançada nesta quinta-feira (17/12).
Na obra, membros do MPF, da advocacia, da magistratura e da academia destrincham temas específicos do marco normativo e abordam questões sensíveis na proteção de dados em investigações criminais que são dado-dependentes.
Dentre os temas tratados estão a proteção de dados para elaboração de perfis genéticos, reconhecimento facial, acesso a provas mantidas em dispositivos móveis, compartilhamento de informações obtidas em investigações criminais, tratamento de dados pessoais em massa e contact tracing. Há também reflexões sobre o uso da tecnologia para policiamento preventivo contra a pornografia infantil.
"O Congresso Nacional tem que encontrar um espaço adequado de regulação da temática de proteção de dados para fins penais, sem manietar a polícia e o Ministério Público, sem impedir que investigações relevantes sejam feitas pela falta das ferramentas", afirmou Aras.
De acordo com o procurador regional, é preciso criar um sistema protetivo que proteja o titular dos dados, especialmente os terceiros, mas que também proteja o cidadão em geral "que não quer ficar à mercê do crime. E ficará se as ferramentas de trabalho do MP e da polícia forem inviabilizadas".
Questionado acerca dos possíveis impactos da LGPD Penal na Lava Jato, Aras, que já foi parte da operação, afirmou que as consequências serão gerais a todos os casos significativos do Ministério Público e das polícias — não apenas para a Lava Jato.
"Uma investigação como o caso Marielle [Franco], por exemplo, tem um interesse muito grande na utilização de dados. Ali, foram feitas inovações que nenhuma outra investigação tinha usado com a mesma repercussão para tentar delimitar a autoria [do crime]. Isso levou o Google a impugnar os pedidos de obtenção de provas pelo MPRJ até o STJ, porque segundo a empresa não existe uma legislação adequada", disse o membro do MPF.
"Esse é um ponto muito importante para se analisar porque, uma vez que entre em vigor a LGPD Penal, isso pode se tornar um problema para investigações feitas pelo MP e pela polícia", continuou, acrescentando que a regulamentação da legislação precisa ser "compatível com o dever do Estado de investigar, processar e punir, especialmente violações de Direitos Humanos".
Nesta semana, entidades representantes do setor de segurança pública no Brasil <a href="https://www.jota.info/jotinhas/lgpd-penal-seguranca-publica-anteprojeto-15122020" target="_blank" rel="noopener noreferrer">publicaram uma nota criticando a proposta</a> que foi elaborada pela Comissão de Juristas criada no âmbito da Câmara dos Deputados para regulamentar o disposto no artigo 4°, inciso III, alíneas "a" e "d" da Lei 13.709/2018.
Elas apontam que o texto está repleto de “vícios insanáveis de inconstitucionalidade”, como na transformação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em um órgão de controle de acesso aos dados.
Atualmente, a projeção do procurador regional é que o anteprojeto da LGPD Penal seja encaminhado antes de terminar o mandato do atual presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em 31 de janeiro de 2021.

Vladimir Aras, procurador regional da República / Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados

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JOTA

Ao JOTA, procurador regional da República também criticou pontos do anteprojeto da LGPD Penal

Nenhuma categoria pode ser imune, diz Vladimir Aras sobre PL da advocacia

Ao JOTA, procurador regional da República comentou também sobre as expectativas para o anteprojeto da LGPD Penal