Isabella Macedo
Repórter freelancer

O depoimento dos irmãos Luís Ricardo e Luís Miranda (DEM-DF) à CPI da Pandemia na sexta-feira (25/6) começou confuso e por algumas horas deu a impressão de que seria uma tentativa frustrada de descobrir o nome do parlamentar citado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) quando Miranda o informou sobre as pressões sofridas pelo irmão no ministério da Saúde.
Luís Miranda chegou uma hora antes de seu irmão - que é servidor do ministério e estava em voo junto com as vacinas da Janssen - usando um colete à prova de balas, cercado por seguranças e segurando uma Bíblia. Foram necessárias mais de seis horas até Miranda falar abertamente o nome do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP/PR).

Após o depoimento, que se encerrou quase às 23h, a cúpula da CPI afirmou, em entrevista coletiva, que os elementos apresentados pelos depoentes indicam prevaricação de Bolsonaro em relação ao caso e que analisarão a possibilidade de comunicar o crime ao Supremo Tribunal Federal.
Para o vice-presidente da comissão, o senador Randolfe Rodrigues (REDE-AP), além de não ter tomado providências, o Palácio do Planalto fez investida de intimidação às testemunhas. “O senhor presidente da República, através de representantes de seu governo tenta intimidar as testemunhas que vão depor nesta Comissão Parlamentar de Inquérito. Mais grave que tudo isso, o senhor presidente da República ao ser comunicado do fato criminoso relata que tem suspeita de quem se trata e quem está operando e providências não são tomadas. Estão dados todos os elementos do crime de prevaricação”.
Cronologia
Por volta das 15h30, ainda no início do depoimento, o irmão deputado afirmou à comissão que levou ao conhecimento de Bolsonaro a denúncia feita pelo irmão servidor: superiores do Ministério da Saúde estavam exercendo pressão atípica para que a liberação da importação da vacina indiana Covaxin. O imunizante é produzido pela farmacêutica Bharat Biotech, mas sua venda ao Brasil foi a única intermediada por uma outra empresa: a Precisa Medicamentos. Barros é alvo de uma ação por improbidade administrativa por ter beneficiado a Global Gestão em Saúde, sócia da Precisa, quando era ministro da Saúde do governo Michel Temer (MDB).
“Ele nos recebeu num sábado, por conta de que eu aleguei que a urgência era urgente, urgentíssima, devido à gravidade das informações trazidas pelo meu irmão para a minha pessoa. O presidente entendeu a gravidade. Olhando os meus olhos, ele falou: ‘Isso é grave!’ Não me recordo do nome do parlamentar, mas ele até citou um nome pra mim, dizendo: ‘Isso é coisa de fulano’. Não me recordo. E falou: ‘Vou acionar o DG [diretor-geral] da Polícia Federal, porque, de fato, Luis, isso é muito grave, isso que está ocorrendo’”, relatou inicialmente o deputado.
A declaração imediatamente despertou a atenção do presidente da comissão, Senador Omar Aziz (PSD-AM). “Só um minutinho. O Presidente disse que era coisa de um parlamentar isso, essa falcatrua?”, perguntou o amazonense ao deputado, que desconversou. Os senadores seguiram a questionar Miranda, a princípio pedindo que ele fizesse um esforço para que se lembrasse o nome do parlamentar citado por Bolsonaro. “Não dá para fazer um esforço de memória e tentar lembrar o nome desse parlamentar?”, perguntou Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI.
Quando ficou claro que Miranda não diria o nome, apesar de os senadores já terem deixado claro que sabiam que se tratava de Barros, os integrantes do grupo majoritário da comissão, composto por senadores de oposição ao governo e independentes, partiram para a estratégia de ataque. A ofensiva teve início com Rogério Carvalho (PT-SE), que leu um diálogo publicado pelo jornal O Globo entre Miranda e Bolsonaro em que o nome de Barros era citado. Novamente, o deputado desconversou: “Estão tentando acertar o nome. Eu não tenho essa memória tão boa assim. Queria ter.”
Cerca de meia hora depois, nos questionamentos de outro sergipano, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), a pressão para que Miranda dissesse o nome de Barros se intensificou. Alessandro afirmou que, ao contrário de Luís Ricardo, que teve a coragem de denunciar as pressões sofridas, o deputado não queria falar o nome de Barros. “O senhor assumiu o compromisso e, agora, aqui, diante do Brasil, não tem a coragem de falar o nome. Eu falo: deputado federal Ricardo Barros. Será ouvido, se a CPI assim entender. (...) O seu irmão, sim. O seu irmão, que é um servidor público concursado, cumpriu a missão dele; o senhor faltou com a sua missão”, afirmou Alessandro.
O deputado, que já dava sinais de abalo, finalmente cedeu ao ser questionado pela senadora Simone Tebet (MDB-MS), que não é integrante da comissão, mas tem participado de quase todas as reuniões. Sentada em uma das fileiras mais à frente do plenário, Simone destacou que era muito importante que Miranda dissesse o nome de Barros e tentou acalmá-lo, afirmando que ele não precisaria se preocupar com conselho de Ética e que a comissão já tinha indícios para dar continuidade às investigações. “Eu gostaria de, na linha do senador Alessandro, pedir aqui que, no espírito público, que parece presente na alma e no coração do deputado, dos irmãos Miranda, que complete o depoimento a favor do país. É muito importante que diga o nome, até porque não se preocupe. Vossa Excelência diz que não tem como provar, mas nós temos. Nós já temos indícios, nós já temos documentos e nós temos como rastrear”.
“A senhora também sabe que é o Ricardo Barros que o presidente falou”, desabafou, já quase às 22h o deputado. “Eu não me sinto pressionado para falar. Eu queria ter dito desde o primeiro momento, mas é porque vocês não sabem o que eu vou passar por apontar um presidente da República que todo mundo defende como uma pessoa correta, honesta, que sabe que tem algo errado. Ele sabe o nome, ele sabe quem é. Ele não faz nada por medo da pressão que ele pode levar do outro lado”.
Com a admissão de Miranda e o plenário esvaziado de senadores governistas, não houve defesa do presidente na hora que se seguiu. Omar reforçou o pedido de proteção à testemunha para a PF para Luís Ricardo. No início da madrugada, também foi encaminhado um ofício ao Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, assinado pelo presidente da CPI, pedindo que o servidor seja incluído no programa de proteção à testemunha.