Depois de uma decisão judicial que adiou a primeira audiência pública e de um processo de obstrução que incluiu a descrição lenta da formação do universo e das primeiras moléculas de água na Terra, a Assembleia Legislativa de São Paulo finalmente realizará nesta quinta-feira (16/11) a audiência para discutir a privatização da Sabesp.
Se depender da base governista, será a única audiência pública a discutir o Projeto de Lei 1501/2023, que tramita em regime de urgência desde que foi enviado por Tarcísio de Freitas em 18 de outubro.
Sem votos para impedir sozinha a aprovação do projeto, a oposição tem feito de tudo para ganhar tempo, adiando ao máximo a votação, enquanto espera que cresça a pressão social contra a privatização ou que alguma das ações contra o projeto prospere no STF ou no Tribunal de Justiça.
A única vitória judicial até aqui foi a ordem de um juiz plantonista para que a audiência pública marcada para o último dia 6 de novembro tivesse nova data, divulgada com pelo menos oito dias de antecedência. Afinado com o governo, o presidente da Assembleia, André do Prado (PL) nem recorreu e marcou a audiência para esta quinta. Em compensação, considerou que a oposição havia rompido um acordo de tramitação e determinou que o projeto começasse a tramitar logo pelas comissões da Casa.
É no Congresso de Comissões que a verdadeira ação se desenrolou nos últimos dias. Trata-se de um colegiado para tramitação conjunta nas três comissões em que o projeto precisa ser discutido antes de ir ao plenário. Ao enviar o texto a esse colegiado ampliado, André do Prado acelerou o trâmite e evitou que o processo pudesse ficar travado na Comissão de Infraestrutura, presidida por um deputado do PT, Luiz Fernando Ferreira. O governo tem maioria no Congresso, que reúne ainda a Comissões de Constituição, Justiça e Redação e a Comissão de Finanças, Orçamento e Planejamento.
Mas quem não tem maioria usa o regimento. E a oposição manobrou de todas as formas para ganhar tempo.
O processo nas comissões deveria ser simples: o relator do projeto de lei lê o seu relatório sobre o texto original, acolhe ou rejeita sugestões de emendas dos deputados e sugere a reprovação do texto ou a sua aprovação, normalmente com algumas alterações. No caso do PL da Sabesp, o governo escolheu um dos deputados estaduais mais experientes, o ex-presidente da Assembleia e ex-líder de governo Barros Munhoz (PSDB). Com bom trânsito em todas as bancadas, ele cumpriu a tarefa: apresentou um voto curto em 8 de novembro, apenas com mudanças pontuais, que poderiam tornar o projeto mais palatável para aprovação.
Mas pouco antes de ler o seu voto, Barros Munhoz sabia que uma velha batalha perdida voltaria para incomodá-lo: “Eu tentei e não consegui mudar essa regra quando fui presidente da Casa. Fiz um estudo em legislativos no mundo todo. Só no Congresso dos EUA tem algo parecido, e ainda assim, com uma só pessoa. Aqui, eles podem se alternar”.
Ele se referia à possibilidade de apresentação de votos em separado nas comissões. É comum que deputados, senadores ou vereadores leiam votos divergentes do relator. A comissão que decida. Acontece que na Alesp não há limite para o tamanho dos votos. Sendo assim, o PT preparou um relatório com mais de mil páginas.
O deputado Luiz Claudio Marcolino (PT) começou a ler na noite do dia 8, lentamente, revisando as 177 emendas apresentadas por deputados e citando críticas à privatização. Depois, falou sobre a importância da água para vida e, num ímpeto de Wikipedia, leu como foi a formação do nosso planeta e a gênese das primeiras moléculas de água, os primeiros oceanos, as primeiras chuvas, a origem da vida e evolução em cada uma de suas eras.
Ele veio vindo: 3 bilhões de anos, 2 bilhões, 400 milhões, 30 milhões. Para não correr o risco de chegar a 2023, o relatório deu um salto para trás e começou a descrever o Big Bang e a formação dos átomos de oxigênio e hidrogênio. Exasperado, o deputado Alex Madureira (PL) questionou o que aquilo tinha a ver com a Sabesp. Marcolino respondeu com satisfação que se tratava de água.
Sem recurso, a base teve de fazer um acordo com a oposição. Deu o que ela queria: adiou por cinco dias as sessões. E ganhou o compromisso de que os petistas pulariam umas 700 páginas do voto. Na volta, no dia 13, a leitura sílaba por sílaba do deputado Reis (PT) tirou do sério mais de um governista.
No dia seguinte, depois de muita discussão e algum bate-boca, um novo acordo.
O PT concordou em “dar como lido” o voto em separado. Um outro relatório, do deputado Luiz Fernando (PT) também foi dado como lido. O deputado Caio França (PSB) fez no fim da sessão uma leitura abreviada do seu voto em separado. Assim, o Congresso de Comissões volta a se reunir na próxima terça-feira (21/11), para a discussão e votação dos relatórios, o que deve tomar de duas a três sessões até a esperada aprovação do texto de Barros Munhoz.
Passando nas comissões, o projeto estaria pronto para ser pautado no plenário da Assembleia até o dia 5 de dezembro, fim do período previsto no regime de urgência. A partir daí, com novas manobras protelatórias, a votação poderia ocorrer em até uma semana.
Trata-se de uma votação única, que exige maioria simples. E se a oposição não tem os votos para barrar a privatização, tampouco a base de Tarcísio tem a maioria garantida para aprovar o projeto. A chave está com os “independentes” do União Brasil, MDB, PSDB e nos votos flutuantes da própria base: Republicanos, PSD, PL e PP. Na Assembleia, é uma negociação que passa menos pelos méritos ou deméritos da proposta e mais pela liberação de emendas (que caiu sob Tarcísio) e atendimento a demandas nas bases. E, claro, à existência ou não de pressão popular.
Na audiência pública desta quinta, a secretária estadual de Infraestrutura, Natália Resende, terá meia hora para defender o projeto de “desestatização” e dizer como ele seria mais seguro e com mais controles que a privatização da energia em SP, alvo de críticas desde o vendaval do dia 3/11. A secretária deve destacar o aumento de R$ 10 bilhões em saneamento no estado e o adiantamento das metas de universalização de 2033 para 2029, além de garantir a queda de tarifas.
Outra meia hora será dada a Representantes do Sintaema (Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente de SP), que têm contestado os números do governo e destacado que a Sabesp já é eficiente e lucrativa. Depois, deputados e representantes da sociedade civil devem se alternar durante três horas de audiência.
Parece um roteiro sem surpresas. Mas na quarta-feira (14/11) o depoimento em CPI da Alesp do presidente da Enel foi interrompido por quedas de energia, o que ganhou as manchetes e as redes e tirou o peso dos argumentos apresentados. A oposição espera sempre por esses imprevistos. Vai que falte água na audiência sobre a Sabesp…
Início da audiência: 14h
Como assistir: Qualquer pessoa pode participar na Assembleia, mas vagas são limitadas e deve haver fila. Audiência também será transmitida pela TV ALESP e via YouTube.