Carolina Unzelte

O ministro do Supremo Tribunal Federal (<a href="https://www.jota.info/stf">STF</a>) Flávio Dino determinou na última terça-feira (10/9) que o governo convoque mais bombeiros para a Força Nacional, em face às queimadas que assolam as matas brasileiras. Já no domingo (15/9), possibilitou a abertura de créditos extraordinários pelo Executivo fora do arcabouço fiscal. Uma atuação do Judiciário como essa, que afeta as políticas públicas propostas e implementadas pelo Executivo e fiscalizadas pelo Legislativo, ocorre em processos chamados de estruturais: uma ação judicial que tem por objeto um problema estrutural, e busca reformar as organizações em torno do tema. 
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Esse tipo de processo ainda não é regulado por lei específica, o que levanta questões sobre os limites da atuação do STF sobre esses casos. Em audiência pública no Senado para discutir uma possível legislação sobre o tema em agosto, uma comissão de juristas delineou suas principais preocupações acerca do tema.
O JOTA traz os principais argumentos em torno da criação dessa legislação, além de sugestões sobre como ela deveria ser formulada, discutidas na segunda audiência pública de 22 de agosto no Senado. Você pode conferir o resumo dos outros debates ocorridos em agosto <a href="https://portal.jota.info/legislativo/lei-minimalista-nao-ofereceria-seguranca-juridica-diz-membro-da-agu-sobre-acoes-estruturais-17092024">aqui</a> e <a href="https://portal.jota.info/legislativo/lei-sobre-processos-estruturais-deve-ser-paradigma-para-agencias-reguladoras-diz-didier-17092024">aqui</a>. 
Nesta segunda-feira (16/9), a  Comissão de Juristas Responsável pela Elaboração de Anteprojeto de Lei do Processo Estrutural no Senado apresentou o relatório preliminar de seus trabalhos. <a href="https://www.jota.info/legislativo/comissao-de-juristas-apresenta-relatorio-para-pl-sobre-processo-estrutural">Confira a íntegra</a>.
<h3>O que diz Afonso de Paula Pinheiro Rocha</h3>
Para o procurador do trabalho Afonso de Paula Pinheiro Rocha, algumas reformas no Código de Processo Civil (CPC) refletem elementos do processo do trabalho, como a centralização de decisões e a oralidade, que são práticas essenciais para lidar com litígios de massa – e que potencialmente podem ajudar a nortear a discussão sobre litígios estruturais. Em muitos casos, o processo do trabalho precisa de intervenções estruturais para alterar comportamentos em cadeias produtivas, citando a necessidade de se trabalhar com os "players relevantes" que influenciam o comportamento dentro de uma indústria ou setor.
Rocha sugeriu que o anteprojeto considere a cooperação judiciária entre diferentes esferas. Um exemplo citado por ele foi uma intervenção em uma maternidade no Rio Grande do Norte, onde houve cooperação entre os três ramos da Justiça para resolver uma questão complexa. Ele também sugeriu que a Comissão incluísse previsões no anteprojeto sobre o uso de tutelas executórias atípicas, como multas e outros instrumentos financeiros, para induzir comportamentos que promovam a resolução de violações sistêmicas. 
<h3>O que diz Maria Carolina Silveira Beraldo</h3>
A promotora Maria Carolina Silveira Beraldo, do Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG), destacou a necessidade de uma diretriz procedimental uniforme no processo estrutural, de forma a garantir a segurança jurídica e evitar divergências na condução dos casos. “Menos é mais”, afirmou, defendendo uma abordagem minimalista para o projeto de lei, mas que, ao mesmo tempo, ofereça clareza em relação ao procedimento.
Para ela, o anteprojeto deve incluir mecanismos que garantam a participação dos grupos afetados pelos processos estruturais, seja no âmbito judicial ou extrajudicial. Ela mencionou que o Ministério Público já trabalha de forma extrajudicial em vários casos, especialmente relacionados a grandes desastres ambientais, como os de Mariana e Brumadinho, e uma regulamentação clara pode auxiliar tanto os promotores quanto os juízes na condução desses litígios. A promotora também alertou para a necessidade de delimitar com precisão as duas fases do processo estrutural – a fase declaratória e a fase de implementação das medidas – para evitar confusões e garantir que as decisões sejam aplicadas de forma eficaz. 
<h3>A visão da juíza Marcelle Ragazoni Carvalho </h3>
Representante da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), a juíza Marcelle Ragazoni Carvalho Ferreira enfatizou a importância de flexibilizar o procedimento nos litígios estruturais, permitindo que os juízes tenham maior liberdade para adotar medidas que se adequem às particularidades de cada caso. Ela destacou que a rigidez processual muitas vezes dificulta a solução de problemas que envolvem direitos fundamentais.
“A demora na solução de uma demanda é um dos fatores mais prejudiciais à imagem do Judiciário”, afirmou a juíza, destacando que a morosidade judicial é um problema que pode ser especialmente grave nos processos estruturais. Para ela, a solução passa pela concessão de maior poder ao juiz para adotar medidas que não estejam previamente estabelecidas em lei, desde que respeitadas as garantias processuais das partes.
“A construção de soluções consensuais é fundamental para garantir a efetividade dos processos estruturais”, e, para ela, os centros de inteligência da Justiça Federal podem desempenhar um papel crucial nesse processo de mediação e resolução de conflitos.
<h3>O que diz a juíza Mônica Silveira Vieira</h3>
A juíza Mônica Silveira Vieira, auxiliar da 1ª Vice-Presidência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, destacou que, “por vezes, nós pensamos que apenas o mais relevante é a participação da magistratura federal na condução dos processos estruturais, mas nós temos, cada vez mais, a condução desses processos pela magistratura estadual", afirmou.
Para a magistrada, o anteprojeto deveria definir de maneira clara o que caracteriza um litígio estrutural, evitando confusões conceituais que possam esvaziar o objeto do processo coletivo. Além disso, Vieira sugeriu que o anteprojeto preveja normas que facilitem a cooperação judiciária, especialmente em processos envolvendo diversas jurisdições.
<h3>O que diz Humberto Dalla sobre o processo estrutural</h3>
O professor e desembargador Humberto Dalla, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, defendeu que os processos estruturais devem ser pautados por ferramentas de solução de conflitos que incentivem o consenso entre as partes envolvidas. Para ele, as ferramentas de resolução consensual de conflitos, como os dispute boards, poderiam ser adaptadas para o contexto dos processos estruturais. 
“Não acho que devamos utilizar ferramentas já prontas e pré-moldadas, se me permitem chamar assim. Então, não acho que é o caso de a gente usar a audiência de conciliação do 334 [do Código de Processo Civil], muito menos uma sessão de mediação. Acho que a mediação não é o instrumento mais adequado aqui”, disse. “Eu acho que é, de fato, pensar numa nova ferramenta que tenha mais capilaridade, que permita uma maior participação democrática, utilizando os meios judiciais, utilizando os meios de audiência remota, utilizando plataformas de cadastro das pessoas interessadas”.
<h3>O que diz Alexandre Sikinowski</h3>
O procurador-geral de Justiça do Rio Grande do Sul, Alexandre Sikinowski, compartilhou sua experiência na gestão de desastres ambientais no estado e, como foi necessária cooperação no caso. “O Rio Grande do Sul viveu o maior desastre climático do Brasil [...] Isso fez com que o Ministério Público se reunisse com os órgãos ambientais e buscasse, com os municípios mais fortemente atingidos, o desenvolvimento de formas de encaminhar esse problema”, disse. Sikinowski sugeriu que o anteprojeto considere a criação de mecanismos de cooperação interinstitucional para enfrentar tragédias como essa de maneira eficiente.
<h3>A visão do ministro Alberto Balazeiro</h3>
O ministro do Tribunal Superior do Trabalho (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/tst">TST</a>) Alberto Bastos Balazeiro reforçou a necessidade de definir o que é um litígio estrutural. Ele também sugeriu que o anteprojeto contemple a criação de mecanismos para a centralização de decisões judiciais em processos estruturais, de modo a evitar que diferentes magistrados emitam decisões conflitantes sobre o mesmo tema. 
Para ele, o litígio estrutural também é uma forma de “prevenir a litigância predatória [...] e outra, é uma definição clara do papel do litígio estrutural em relação às indenizações, porque o caso brasileiro é aquele caso que mistura indenização com tutela”. 
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<h3>A visão de Suzana Henriques da Costa</h3>
Suzana Henriques da Costa, professora de Processo Civil da USP, sugeriu que a legislação inclua a aplicação das normas de processos estruturais a casos repetitivos, argumentando que muitos litígios repetitivos também podem envolver questões estruturais. 
Costa destacou que a inclusão desses mecanismos ajudaria a uniformizar a condução de litígios estruturais e evitaria a fragmentação de decisões judiciais. "Podemos homogeneizar a lógica de tratamento dos processos estruturais", diz.
<h3>A visão de Nabor Bulhões</h3>
O advogado Antônio Nabor Areias Bulhões ficou do lado dos que defendem uma abordagem minimalista para o projeto de lei. Bulhões também apontou que o Supremo Tribunal Federal já tem experiência em lidar com litígios estruturais, como demonstrado em casos envolvendo o sistema penitenciário e a concessão de habeas corpus coletivos. 
Ele sugeriu que o anteprojeto se inspire nesses exemplos e limite sua atuação à criação de diretrizes gerais para a condução desses processos. “Eu acho que as decisões proferidas pelo Supremo e os critérios que ele adotou também nos inspiram a buscar no plano legislativo, já agora, para as instâncias inferiores, que não têm esse notável arsenal que o Supremo tem”. 
<h3>O que diz André Roque sobre o processo estrutural</h3>
O professor André Roque, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), destacou dois aspectos que, em sua visão, merecem atenção especial na criação dessa legislação. O primeiro foi a possibilidade de modificação da demanda: ele criticou o atual sistema do Código de Processo Civil (CPC) de 2015, afirmando que ele pouco evoluiu em relação ao código anterior no que diz respeito à flexibilização da demanda, e que, no contexto dos processos estruturais, essa flexibilidade é ainda mais necessária do que em processos individuais.
Roque também apontou que o uso da boa-fé como critério, embora necessário, pode ser insuficiente e gerar insegurança jurídica, uma vez que diferentes juízes poderiam aplicar o conceito de maneira diversa. Ele sugeriu a inclusão de outros critérios no anteprojeto, como a possibilidade de evitar novas demandas, a busca pela verdade material, a inexistência de grave risco de prolongamento excessivo do processo, e a necessidade de reabrir a fase instrutória em caso de modificação.
O segundo ponto levantado por Roque foi o uso de provas estatísticas nos processos estruturais. Ele reconheceu que essas provas são admissíveis no ordenamento jurídico, mas alertou para os riscos de seu uso acrítico. Assim, para ele, a legislação deve oferecer uma orientação clara sobre o valor adequado das provas estatísticas.
<h3>O que pensa Gláucio Ferreira Gonçalves </h3>
Para o magistrado Gláucio Ferreira Gonçalves, da 12ª Vara Cível da Subseção Judiciária de Belo Horizonte, há a necessidade de uma delimitação clara do que constitui um litígio ou problema estrutural em primeiro lugar. Em segundo, deve haver, segundo ele, a limitação dos poderes de imposição monocrática de medidas estruturais positivas, especialmente em razão das restrições orçamentárias que podem afetar os entes atingidos por essas decisões. 
“Acredito ser imprescindível considerar o desenho e as desigualdades regionais e locais, neste país imenso que é o nosso”, afirmou ele, destacando a necessidade de adaptar as soluções às realidades locais. Além disso, Gonçalves argumentou que, sem um final bem definido para esses litígios, há o risco de o juiz assumir um papel permanente na fixação de políticas públicas, o que pode se tornar problemático.
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<h3>O que diz Anelyse Santos de Freitas</h3>
A defensora pública do estado do Pará Anelyse Santos de Freitas defendeu as vias extrajudiciais como meio de garantia de direitos fundamentais. Como exemplo, ela citou uma experiência em Belém em 2012, em que, com esforço interdisciplinar e interinstitucional, foi possível, em apenas seis meses, implementar o mínimo de estrutura necessária para pessoas vulneráveis. 
Ela ressaltou que a Defensoria Pública utiliza esse mecanismo em seu dia a dia e, muitas vezes, consegue estruturar políticas públicas por meio da mediação extrajudicial, sem a necessidade de recorrer ao Judiciário. Além disso, ela explicou que a Defensoria possui prerrogativas que conferem a força executiva a acordos firmados extrajudicialmente, algo que fortalece a atuação da instituição na promoção de direitos humanos e na resolução de conflitos: “Essa via nos é muito cara... um acordo firmado perante um defensor ou uma defensora pública já é considerado um título executivo”.
<h3>O que diz Ademar Borges de Sousa Filho </h3>
O professor Ademar Borges de Sousa Filho, do IDP, levantou o ponto sobre a conversão da ação individual em estrutural, alertando para o risco de banalização desse mecanismo e sugeriu que a definição do que constitui um processo estrutural seja o critério material base para impor essa conversão. Ele também propôs a criação de um cadastro único de ações estruturais, inspirado no cadastro de ações coletivas já existente. 
Sousa Filho também sugeriu que o anteprojeto inclua uma lista indicativa de entidades e mecanismos que possam auxiliar os juízes no monitoramento de ações estruturais. Segundo Ademar, muitos juízes pelo Brasil têm dificuldade em identificar quais entidades podem contribuir para o monitoramento das decisões. “É uma medida que constaria na lei quase como um caráter pedagógico, auxiliando mesmo o juiz a pensar quais entidades podem auxiliá-lo”.
Ademar também recomendou que a legislação inclua a realização de audiências prévias à certificação, pois esse momento é crucial para delimitar com precisão o objeto do processo e entender os pontos que demandam intervenção. 
<a href="https://portal.jota.info/wp-content/uploads/2024/09/12855-2.pdf">Veja a íntegra das notas taquigráficas da segunda audiência do dia 22 de agosto</a>

CJPRESTR – Comissão de Juristas responsável pela elaboração

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JOTA

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