Carolina Unzelte

O ministro do Supremo Tribunal Federal (<a href="https://www.jota.info/stf">STF</a>) Flávio Dino determinou na última terça-feira (10/9) que o governo convoque mais bombeiros para a Força Nacional, em face às queimadas que assolam as matas brasileiras. Já no domingo (15/9), possibilitou a abertura de créditos extraordinários pelo Executivo fora do arcabouço fiscal. Uma atuação do Judiciário como essa, que afeta as políticas públicas propostas e implementadas pelo Executivo e fiscalizadas pelo Legislativo, ocorre em processos chamados de estruturais: uma ação judicial que tem por objeto um problema estrutural, e busca reformar as organizações em torno do tema. 
Esse tipo de processo ainda não é regulado por lei específica, o que levanta questões sobre os limites da atuação do Judiciário e do STF sobre esses casos. Em audiência pública no Senado para discutir uma possível legislação sobre o tema em agosto, Flávio Roman, adjunto do advogado-geral da União, rebateu as sugestões de uma legislação minimalista para o tema. “Um processo minimalista não seria capaz de oferecer a segurança jurídica necessária para essas decisões e teria potencial para aumentar o conflito entre Poderes”, disse.
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“Ela [a ação estrutural] não está imune a críticas ante os prejuízos que pode causar eventualmente à ampla defesa das partes, além de uma sobrecarga do Judiciário. Talvez uma questão que possamos nos formular é se estamos exigindo do Judiciário mais do que o próprio Judiciário é capaz de nos fornecer. E isso pode gerar incertezas jurídicas”, disse Roman.
Uma legislação mais extensa também seria importante para dar insumos para agentes do Judiciário. “Assim como não podemos ter um projeto de lei que tenha a pretensão de resolver todos os problemas, a gente não pode esquecer que também temos juízes e procuradores que se imaginam capazes de, mediante um único processo, resolver todos os problemas relativos a uma determinada política pública. E, em função disso, precisamos dar contornos seguros”. 
O JOTA traz os principais argumentos em torno da criação dessa legislação, além de sugestões sobre como ela deveria ser formulada, discutidas na audiência pública de 23 de agosto no Senado. Você pode conferir o resumo dos outros debates ocorridos em agosto <a href="https://portal.jota.info/legislativo/o-que-especialistas-dizem-sobre-o-projeto-que-discute-processos-estruturais-17092024">aqui</a> e <a href="https://portal.jota.info/legislativo/lei-sobre-processos-estruturais-deve-ser-paradigma-para-agencias-reguladoras-diz-didier-17092024">aqui</a>. 
Nesta segunda-feira (16/9), a  Comissão de Juristas Responsável pela Elaboração de Anteprojeto de Lei do Processo Estrutural no Senado apresentou o relatório preliminar de seus trabalhos. <a href="https://www.jota.info/legislativo/comissao-de-juristas-apresenta-relatorio-para-pl-sobre-processo-estrutural">Confira a íntegra</a>.
<h3>O que diz Luiz Dellore sobre os processos estruturais</h3>
O professor Luiz Dellore, do Centro de Estudos Avançados de Processo, questiona se o processo estrutural já está consolidado como uma realidade em todo o país. "Será que o processo estrutural já é uma realidade? Ou será que é uma situação em que a gente tem alguns nichos, alguns pontos, alguns momentos?", indagou. Segundo ele, algumas decisões judiciais já reconhecem o processo estrutural, mas muitas vezes o pedido é indeferido ou o processo é extinto sem resolução de mérito. 
Como exemplo, ele mencionou um caso julgado pelo Superior Tribunal de Justiça (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stj">STJ</a>), envolvendo um hospital em São Paulo, no qual o pedido do Ministério Público para intervenção foi julgado improcedente em várias instâncias. O professor destacou que o processo estrutural ainda não é amplamente compreendido por toda a “advocacia militante”, e que isso reflete a falta de consenso sobre sua aplicação prática.
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Dellore sugeriu que a legislação a ser criada deve traçar limites claros para a flexibilização procedimental, evitando que o processo estrutural fique à mercê da interpretação de magistrados específicos. "O devido processo legal estrutural não deve ser distinto do devido processo legal 'usual'. Nessa perspectiva, se nós vamos ter flexibilização procedimental [...] vamos delimitá-la” para garantir segurança jurídica, disse. 
<h3>A visão do ministro Augusto César Leite de Carvalho </h3>
O ministro do Tribunal Superior do Trabalho (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/tst">TST</a>) Augusto César Leite de Carvalho ressaltou a importância do processo estrutural na solução de litígios relacionados ao mundo do trabalho. Para ele, muitos conflitos laborais são reflexo de problemas estruturais mais amplos, que demandam intervenções judiciais profundas para promover mudanças duradouras. "Resolver o problema coletivo, para nós, se apresenta como um horizonte muito mais interessante", afirmou.
Carvalho abordou exemplos de situações em que o processo estrutural poderia ser eficaz, como em dispensas massivas de trabalhadores ou em casos de automação que geram impactos negativos sobre o emprego. Segundo ele, os casos Embraer e Renault-Nissan são exemplo disso, já que milhares de trabalhadores foram afetados por decisões empresariais que, avalia, não foram adequadamente enfrentadas pela Justiça.
O ministro também destacou a "dialogicidade" nos processos estruturais, ou seja, a construção de soluções por meio da interação entre diversas partes interessadas. "Os processos estruturais mais eficazes são aqueles construídos por meio da interação entre as diversas autoridades e instituições, as pessoas afetadas e a sociedade civil", disse, citando Luís Roberto Barroso, presidente do STF, e Patrícia Perrone.
<h3>O que diz Rodrigo da Cunha Lima Freire</h3>
O professor Rodrigo da Cunha Lima Freire, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, defendeu a definição dos poderes do juiz no processo estrutural e a necessidade de delimitação clara de suas competências. Ele criticou a ausência de regras específicas sobre o papel do magistrado, alertando que isso pode levar a uma subversão do processo democrático. "Preocupa-me, muitas vezes, quando o Supremo Tribunal Federal profere uma decisão e essa decisão substitui a Presidência da República", afirmou.
Freire também destacou a importância de se definir claramente o que é um problema estrutural e criticou o uso de termos vagos como "estado de desconformidade" e "estado de coisas inconstitucional". Para ele, esses conceitos amplos abrem margem para interpretações subjetivas, o que pode prejudicar a segurança jurídica. "Eu não posso ter um processo que é baseado no que eu disser que é. É preciso que se tenha uma clareza quanto a isso", defendeu.
Freire sugeriu que a regulamentação do processo estrutural deve prever uma ampla recorribilidade das decisões judiciais, garantindo que as partes tenham a possibilidade de contestar as decisões ao longo do processo. Ele também levantou a questão dos honorários advocatícios e a necessidade de uma definição clara sobre como eles serão tratados nos litígios estruturais. "Processo estrutural, que eu saiba, deve ter condenação em honorários, mas qual a regra a ser aplicada?", questionou.
<h3>A visão de Patrícia Perrone sobre o processo estrutural</h3>
A secretária de Altos Estudos do Supremo Tribunal Federal, Patrícia Perrone, reconheceu que o Poder Judiciário não é o local ideal para formular políticas públicas, mas argumentou que sua intervenção pode ser necessária em situações de violação massiva de direitos fundamentais. "Formular políticas públicas significa alocar recursos que são escassos [...] o Judiciário tem problemas de legitimidade democrática, pois não são os juízes que foram eleitos para fazer a escolha", explicou.
Perrone defendeu que os processos estruturais devem adotar uma abordagem menos interventiva, permitindo que as autoridades competentes e as partes interessadas elaborem os planos de ação, enquanto o Judiciário assume o papel de monitorar a execução desses planos. 
A secretária também disse que a regulamentação do processo estrutural deve permitir um grau de flexibilidade, sem perder de vista a necessidade de garantir a proteção dos direitos fundamentais. "Toda nova tecnologia precisa de regulação, mas a regulação, quando a tecnologia está começando a existir, tem que ser cuidadosa para não matar a capacidade de criação e de experimentação".
<h3>O que diz Daniela Moraes </h3>
Daniela Moraes, professora da Universidade de Brasília e representante do Grupo de Estudos em Processo Civil e Acesso à Justiça, reforçou a ideia da necessidade de uma conceituação clara do litígio estrutural e de uma participação mais ativa dos grupos atingidos pelos processos. 
Moraes também afirma que, dada a complexidade dos litígios estruturais, seria importante que o pedido inicial pudesse ser ajustado à medida que o processo avançasse, respeitando sempre o contraditório. "A proposta é que, em momento oportuno, o pedido possa ser revisado", explicou.
<h3>O que diz Matheus Casimiro</h3>
Matheus Casimiro Gomes Serafim, assessor Especial da Presidência do STF, disse que o processo estrutural, embora ainda não esteja plenamente desenvolvido no Brasil, já é uma realidade, mesmo que de forma fragmentada. “Afirmar que ele não existe é ignorar o que acontece no Supremo Tribunal Federal”, declarou.
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Para ele, quatro pontos essenciais deveriam ser considerados na definição de processo estrutural: vinculação a direitos fundamentais, a gravidade da violação, sua natureza sistemática e a cronicidade do problema. 
Ele argumentou que esses pontos são fundamentais para evitar a banalização do conceito e garantir que o processo estrutural seja utilizado apenas em casos de violação grave e recorrente de direitos fundamentais. "Se conseguirmos um conceito pautado nessas quatro ideias, será um avanço significativo para o processo estrutural no nosso país".
<h3>O que diz Fabrício da Soller, da PGFN</h3>
Fabrício da Soller, representante da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, destacou que a responsabilidade fiscal deve ser observada em todo litígio dessa natureza. Uma das maiores preocupações do Ministério da Fazenda, segundo ele, é a possibilidade de decisões judiciais em processos estruturais comprometerem o orçamento público e interferirem na alocação de recursos. "Nós até admitimos, com muita tranquilidade, que os direitos são limitados por outros direitos, mas nós não admitimos com a mesma tranquilidade que os direitos também são limitados por considerações de ordem política e financeira. É natural que seja assim", disse.
Ele exemplificou o dilema com casos em que o Judiciário determinou a execução de obras ou ações que exigiam elevados investimentos públicos, sem considerar o impacto que isso teria no orçamento geral. Para evitar esse tipo de impasse, o diálogo entre o Judiciário e o Executivo deve ser intensificado durante os processos estruturais, segundo ele. "E por que essas escolhas públicas devem ser feitas por essas duas instâncias, Legislativo e Executivo? Em decorrência, como diz o Ministro Barroso, do princípio democrático, da soberania popular que está inserida no princípio democrático".
<h3>Inês Maria dos Santos, da PGE-SP</h3>
Inês Maria dos Santos, procuradora-geral do Estado de São Paulo, argumentou que é essencial que o Judiciário, ao tratar de casos estruturais, tenha um processo estruturado. "Propomos [...] que o processo estrutural seja claramente bifásico e dividido, portanto, nas fases de reconhecimento, porque é muito importante que o texto normativo traga os requisitos para essa delimitação". 
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A sugestão da procuradora-geral paulista é que a regulamentação dos processos estruturais inclua um cronograma para implementação das medidas, levando em conta as capacidades e programação orçamentária. "O cumprimento de sentença em processos estruturais deve, claro, considerar as peculiaridades do caso, enfim, sendo realizado de forma gradual e supervisionada", diz. 
<h3>O que diz Paulo Mendes </h3>
Para o advogado Paulo Mendes, representante da Associação Brasiliense de Processo Civil, "nós não podemos confundir processo estrutural com intervenção 
em política pública e com ativismo judicial. Agora, da mesma forma, nós precisamos ter presente que muitas vezes ele acaba sendo palco para isso".
Além disso, ele defendeu que flexibilização não é inerentemente perniciosa, aquela que "pega as partes de surpresa". "A flexibilização não pode ser vista como antagonista da segurança jurídica. Já evoluímos o suficiente para entender que, em muitas situações, o processo flexível é que densifica a segurança jurídica", disse.
<h3>O que diz Trícia Navarro Xavier Cabral</h3>
A juíza Trícia Navarro Xavier Cabral destacou a importância de ferramentas de participação, e propôs uma "audiência de contextualização". "Seria um formato novo de audiência, que não se identifica com as outras formas de audiência que a gente tem no Código de Processo Civil ou em outras legislações", disse. "Qual seria a natureza jurídica dessa audiência de contextualização? Eu entendo que essa seria uma audiência de natureza multifuncional, porque ela não se presta a um objetivo específico, mas pode ser composta por inúmeras formas, não só de diálogo, mas de resultados, de produtos dessa audiência". 
<h3>A visão de Cecília Asperti sobre os processos estruturais</h3>
Cecília Asperti, advogada e especialista em Direito Processual, mencionou as assessorias técnicas, recursos utilizados em casos como o desastre de Mariana e Brumadinho, para ampliar a participação de partes envolvidas no processo estrutural. "Elas permitem que haja uma articulação dos diferentes grupos, porque a gente sabe que os interessados, aqueles que são os maiores afetados em problemas estruturais, não são um bloco monolítico de interesses uníssonos ou de características uniformes", explicou. 
Ela também enfatizou a necessidade de ampliar espaços de participação, para além das audiências públicas, nesse tipo de litígio. ". Parece-me que a gente  precisaria, idealmente, pensar em espaços de participação até anteriores à formulação da demanda, preferencialmente, durante essa fase que precede a decisão estruturante e, com certeza, durante a fase de implementação", afirmou
<h3>A visão de Rita Andréa Guimarães Carvalho Pereira </h3>
A especialista em Direito Público Rita Andréa Guimarães Carvalho Pereira ecoou a importância de potencializar o diálogo em casos estruturais. "Eu entendo que o nosso olhar precisa ser ampliado para além dos tribunais e das salas de audiência. Considerando que o processo estrutural é um diálogo constante e que o consenso entre as partes interessadas é a base para melhor solucionar os problemas identificados, nossa proposta é integrar os mecanismos adequados de resolução de conflito, aqui representados pela mediação, pela conciliação e pela negociação, como componentes essenciais ao aprimoramento e à construção do processo estrutural", disse.
Para fazer essas mudanças, "a gente sabe que não adianta promulgar a lei. A gente precisa incentivar esses métodos adequados", segundo Pereira. Para ela, além da regulamentação, é necessário remuneração para contratar profissionais de mediação e promover a valorização desses atores dentro do processo.
<h3>O que diz Lilian Maciel</h3>
Lilian Maciel, desembargadora, falou sobre a noção de processo justo. "O processo justo perpassa por um tripé de que ele seja adequado, efetivo e célebre. Nós não devemos nos distanciar, nas nossas propostas, da busca exatamente dessa adequação do procedimento, de modo que seja efetivo e célere e resulte num processo justo para quem? Para a nossa sociedade".
<a href="https://portal.jota.info/wp-content/uploads/2024/09/12856-1.pdf">Veja a íntegra das notas taquigráficas da audiência pública do dia 23 de agosto aqui</a>

CJPRESTR – Comissão de Juristas responsável pela elaboração

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JOTA

Flávio Roman, adjunto do advogado-geral da União, participou de comissão no Senado para discutir projeto de lei sobre o tema

Lei minimalista sobre ações estruturais não ofereceria segurança jurídica, diz membro da AGU

Representante da AGU participou de comissão no Senado para discutir projeto de lei sobre o tema