CONTRATO DE TRABALHO

Legislativo busca regulamentação mais precisa do home office após pandemia

Pandemia fez com que empresas se adaptassem ao teletrabalho e agora o Congresso pretende legislar sobre o tema

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Imagem: Pixabay

No começo de março, a consultoria de marketing LETS Marketing planejava ampliar a estrutura de seu escritório na Zona Oeste de São Paulo para acomodar sua equipe. Veio a pandemia, e o regime de home office foi implantado de forma compulsória. O que era para ser provisório vai se tornar permanente e o escritório servirá somente para reuniões com clientes. “Toda a verba que tínhamos para estrutura física e equipamentos será agora para a estrutura de home office das pessoas. Vamos investir em maquinário e software para continuarmos nos comunicando”, diz Rafael Gagliardi, sócio da consultoria.

A decisão da LETS marketing se assemelha à de outras empresas, como o próprio JOTA, mas por enquanto ainda não há uma regulamentação específica para o home office, o que gera insegurança entre as companhias.

O tema está em pauta no Congresso, com a formação de um grupo de trabalho para a formulação de um anteprojeto sobre o assunto. Segundo fontes consultadas pelo JOTA, pontos como controle de jornada, fornecimento de equipamentos para o trabalhador e a concessão de vale-refeição e vale-transporte devem ser abordados

CLT

CLT tem, desde a reforma trabalhista de 2017, um dispositivo que trata de teletrabalho. Pelo texto do artigo 75, a alteração do regime presencial para teletrabalho pode ser feita em contrato desde que haja mútuo acordo entre o empregador e o empregado. Atualmente, os contratos de teletrabalho costumam ocorrer após convenções ou acordos coletivos.
No entanto, aqueles que se enquadram nesse regime não têm controle de jornada. De acordo com o artigo 62, quem está em teletrabalho não precisa bater ponto, assim como empregados que exercem atividade externa e quem tem cargo de confiança. “Há uma enorme discussão na Justiça do Trabalho sobre o que é cargo de confiança e o que é trabalho externo”, lembra André de Melo Ribeiro, sócio da área trabalhista do Dias Carneiro Advogados. “Seria ingênuo pensar que o teletrabalho não vai passar por questionamentos na Justiça se houver uma exigência de controle de jornada”, destaca.
Na visão do advogado, se o empregador determina que o empregado tem a obrigação de permanecer conectado em uma faixa horária, há controle de jornada. “O empregador não é obrigado a fazer o controle, mas no momento em que impõe isso, tem o ônus, que é pagar hora extra, garantir intervalo e pagar adicional noturno”, explica.

Congresso

Em março, no começo da pandemia no Brasil, o governo federal editou a Medida Provisória 927/2020, que facilitava a adoção do home office pelas empresas. Entre as regras estava a exigência de o empregador fornecer equipamento e infraestrutura. A MP, entretanto, não foi aprovada pelo Congresso e perdeu a validade.
Diante desse vácuo normativo relacionado ao home office, foram apresentados neste ano ao menos quatro projetos de lei tratando do tema e que aguardam despacho para iniciar a tramitação.
Além disso, o deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP) montou um grupo de trabalho para a formulação de um anteprojeto tratando do tema. São cerca de 70 convidados, incluindo advogados, magistrados e membros do Ministério Público do Trabalho. O grupo deve entregar propostas a Agostinho até 15 de dezembro.
Um dos convidados é o professor do Direito do Trabalho Ricardo Calcini, que contou ao JOTA o que o anteprojeto pretende abordar. “A ideia do anteprojeto é trazer diretrizes legislativas mínimas para que qualquer empreendedor hoje no país, seja o grande, o médio, e principalmente o pequeno, possa ter orientações a ser seguidas”, explica. “Vamos tratar da questão de jornada e como vai funcionar esse controle, vamos disciplinar a parte de vale-refeição, o vale-transporte, toda parte de estrutura do funcionário e todos os equipamentos que ele precisa para trabalhar”, diz. “Hoje o teletrabalho acaba sendo muito uma negociação entre as partes e sabemos que não é uma negociação ideal, considerando que a relação de trabalho tem desníveis”.
Para o advogado trabalhista André de Melo Ribeiro, deveria haver uma diferenciação de regulamentação para os empregados hipersuficientes, que são aqueles com salário acima de R$ 12,2 mil. “Nesse caso, a lei deveria respeitar a maior autonomia desse empregado. Ele já tem condições de sentar e conversar, não vai ser o valor de energia elétrica e plano de celular que vai mudar a remuneração dele”, destaca.
Nos demais casos, Ribeiro avalia que o ideal seria estabelecer um controle de jornada efetivo, com direito a hora extra e adicional noturno. “O controle deveria ser permitido por meios alternativos”, defende.
O escritório Mattos Filho, um dos maiores do país, manteve durante a pandemia o controle de jornada de seus funcionários. “A gente vem fazendo a mesma marcação, só que de forma online, é um sistema no computador”, diz Renata Maiorino, diretora de Recursos Humanos da banca.
Assim como muitas empresas, o Mattos Filho adotou o home office de forma compulsória. “Antes de março, tínhamos uma regra de home office de dois períodos. Era uma alternativa ao esquema de trabalho, era mais uma experiência”, lembra Roberto Quiroga, sócio-diretor do escritório. “Agora, vamos pegar isso que foi obrigatório e fazer uma nova forma de trabalhar. Estamos pensando em novas ferramentas, novos instrumentos. Estamos pensando em uma alternativa parcial, híbrida”, revela.
Como essa deve ser uma alternativa comum, o advogado trabalhista André de Melo Ribeiro entende que deveria haver uma legislação específica para esses casos: “Eu incluiria uma regulamentação do que é um home office parcial, definido claramente que a empresa deve oferecer os equipamentos em comodato ao empregado e arcar com determinados custos, como internet”.
Quanto à parte estrutural, também seria necessário ajuste legislativo. “A lei hoje já estabelece a obrigação de ergonomia, mas não regula a fiscalização da casa do empregado. Hoje tem uma discussão grande se um fiscal pode checar na casa de um empregador se há ergonomia”, destaca Ribeiro.

Trabalho sob demanda

Outro tema que está em discussão na Câmara dos Deputados é o trabalho sob demanda. A deputada Tábata Amaral (PDT-SP) apresentou o PL 3748/2020, que institui o regime de trabalho sob demanda e determina que esses trabalhadores não seguirão as disposições da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Entretanto, o texto estabelece que “a plataforma com a qual o cliente contratou o serviço será solidariamente responsável por garantir, no mínimo, a equivalência de direitos e condições de trabalho, em caso de existir um intermediário entre ela e o trabalhador que executou os serviços”.
Quanto ao pagamento, pelo texto, o trabalhador sob demanda poderá ser remunerado por meio de verba única, respeitando um salário-hora de trabalho referente à categoria, ou, quando este for inexistente, ao salário mínimo/hora. Em todas essas hipóteses, deverá ser acrescido 1/12, correspondendo ao 13º salário proporcional e 1/12, correspondendo às férias proporcionais.
O projeto da deputada também determina que o trabalhador sob demanda terá direito a receber o seguro-desemprego. Para isso, o trabalhador precisará comprovar ter trabalhado em regime de trabalho sob demanda por pelo menos 15 meses nos últimos dois anos antes do pedido de seguro-desemprego.
Se houver o descumprimento sobre o que estabelece o projeto de lei, a plataforma infratora fica sujeita ao pagamento de multa de 0,1% a 1% de sua receita bruta anual, conforme regulamento da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia.
Também fica a plataforma obrigada a prestar informações relativas aos trabalhadores sob demanda cadastrados e às remunerações que lhes forem pagas, devidas ou creditadas por meio do Sistema de Escrituração Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas (eSocial), conforme regulamento da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia.
Na justificação do projeto, a deputada Tábata Amaral diz que “dados do IBGE mostram um intenso crescimento dessa modalidade de trabalho, que já abrange milhões de brasileiros.