Linguagem jurídica

Deputado quer obrigar juízes a usar linguagem coloquial em decisões

Projeto do deputado Paulo Bengtson (PTB-PA) enfrenta resistências entre operadores do Direito

Deputado federal Paulo Bengtson (PTB-PA) / Crédito: Cleia Viana/Câmara dos Deputados

Um projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados quer obrigar juízes a escreverem em “linguagem coloquial” os dispositivos das sentenças proferidas em processos que tiverem pessoas físicas como uma das partes.

“Quando a pessoa tem a sentença em mãos, não sabe se ganhou ou perdeu porque a linguagem é tão técnica que a maioria da população tem o desconhecimento do que o juiz escreve”, argumenta, em entrevista ao JOTA, o autor da matéria, o deputado Paulo Bengtson (PTB-PA).

A ideia, diz o deputado, “não é populista, mas tem apelo popular”. Para especialistas, por outro lado, a iniciativa apresenta falhas e não agrega ao Direito.

Na prática, o Projeto de Lei 3326/2021 altera o artigo 489, do Código de Processo Civil (CPC), que dispõe sobre os elementos que devem compor uma sentença, com a inclusão de três parágrafos.

O primeiro deles considera essencial a “reprodução do dispositivo da sentença em linguagem coloquial, sem a utilização de termos exclusivos da linguagem técnico-jurídica e acrescida das considerações que a autoridade judicial entender necessárias, de modo que a prestação jurisdicional possa ser plenamente compreendida por qualquer pessoa do povo”. Essa mudança é e limitada, por outro parágrafo, somente aos processos que envolvem pessoas físicas como uma das partes.

A outra mudança proposta é a obrigação de tradução de termos estrangeiros nas sentenças, exceto quando se trate de texto ou expressão já integrados à técnica jurídica.

Médico veterinário, o deputado diz que teve a ideia após ser procurado por pessoas que não entendiam o que diziam as sentenças recebidas, sobretudo na Justiça do Trabalho.

“Pessoas simples traziam as sentenças para mim porque não entendiam o que estava no documento. Interpretar é função do advogado, mas como as sentenças estão disponíveis online, por qual motivo o cidadão precisa pegar essa decisão e levá-la para algum advogado, caso já esteja em linguagem simples?”, questionou.

Bengtson, contudo, pondera que a linguagem coloquial proposta no projeto não deve ser confundida com gírias. “O que propomos é uma linguagem mais simples, observando também os critérios jurídicos. Não quero cercear a liberdade do magistrado, porém é necessário que o documento seja acessível para todos. Dizem que cerceio o direito de liberdade de expressão do juiz. Não é isso. Queremos linguagem acessível”, sustenta.

O projeto atualmente aguarda relator para ser analisado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados. Ele tramita em caráter conclusivo, o que dispensa apreciação pelo plenário da Casa, necessitando apenas do aval das comissões para seguir ao Senado e eventualmente sanção.

Projeto enfrenta críticas

Autora do livro “Escrever Direito: Manual de Escrita Criativa para Carreiras Jurídicas”, a jornalista Ivy Farias considera que a ideia pode ajudar a aumentar o acesso à Justiça, mas pondera que o texto deveria ser aprimorado.

“O coloquial não é simples e simples não é simplório. A matéria precisa definir o que se entende como linguagem simples. Na minha visão, o projeto falha nesse ponto, mas acho importante trazer esse debate”, analisa.

Apesar das falhas, o projeto, segundo Farias, pode fazer os operadores do Direito repensarem sobre a escrita. “O mundo está mudando, a língua se altera e temos hoje toda uma proposta de inclusão social. Então, não faz sentido os operadores do Direito não repensarem a escrita. Estamos em 2022”.

O juiz da 1ª Vara Criminal de Araxá, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), Renato Zupo, também é defensor da simplificação da linguagem nas sentenças. Porém, vê com ressalvas uma iniciativa neste sentido que parta do Legislativo.

“Qualquer interferência do Legislativo na atividade jurídica deve ser olhada com restrições, principalmente quando se tenta impor, pois isso esbarra em princípios, que são o direito à livre manifestação do pensamento e o direito à não interferência entre os poderes”, acentua.

Apesar de ser favorável à adoção de uma linguagem mais inteligível, Zupo acredita que isto não deva ser uma obrigação do magistrado. “Qualquer restrição impositiva é um desserviço. É muito mais negativa do que positiva. Nós não podemos confundir coloquial com linguagem simples. Sou absolutamente favorável à simplificação, mas isso passa por se expressar em um português jornalístico, que dê para qualquer nível de escolaridade entender”, diz o juiz, autor da obra “Simplifica Direito” (Editora Estante de Direito, 2020).

Já para a desembargadora do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), Ivana David, “o projeto não soma nada” porque o próprio CPC já contempla o que a matéria quer atender.

“Quando se fala, por exemplo, que não pode usar língua estrangeira, o próprio CPC já proíbe isso. É preciso fazer tradução por tradutor juramentado. Ainda que o juiz coloque alguma palavra em latim, normalmente, está entre aspas e, geralmente, já está traduzido para português”, pontua.

A magistrada, que atua na 7ª Câmara Criminal, também ressalta que todo processo é sempre acompanhada por um advogado ou defensor público, o que reforça a falta de justificativa do projeto.

“Não existe processo ou sentença sem a atuação do advogado, que é indispensável para a Justiça. Toda parte tem acesso ao que diz a sentença por meio do seu representante. Então, se não entende, o advogado tem o dever de explicar até mesmo para saber se a parte deseja recorrer ou não”, conclui.