Isabella Macedo

O diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antonio Barra Torres, confirmou aos senadores da CPI da Pandemia ter participado de reunião com integrantes do governo na qual a mudança da bula da cloroquina para incluir o tratamento da Covid-19 foi abordada. Conforme adiantado pelo JOTA na edição da sexta-feira (7) do Bastidores da Saúde, Barra Torres repetiu o relato do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta sobre a reunião. O presidente do órgão regulador disse ter rejeitado a possibilidade de alteração nas indicações do medicamento. 
“Sim, me recordo [da reunião]. Inclusive, lógico, acompanhei pela televisão o depoimento do ministro Mandetta e confirmo, de minha memória, que estávamos lá o general Braga Neto, ministro-chefe da Casa Civil, ministro Mandetta evidentemente, eu, a doutora Nise Yamaguchi, um médico sentado ao lado dela que não me recordo o nome. E realmente não tenho na minha memória o registro do ministro Jorge Oliveira e ministro Ramos”, afirmou.  
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>
A médica Nise Yamaguchi é uma das mais vocais defensoras da cloroquina no tratamento da Covid-19 e chegou a se reunir com Bolsonaro e seus aliados diversas vezes. “Esse documento foi comentado pela doutora Nise Yamaguchi o que provocou uma reação, confesso, até um pouco deseducada ou deselegante minha. Minha reação foi muito imediata ao dizer que aquilo não poderia ser porque, talvez não seja do conhecimento de vossas excelências, só quem pode modificar uma bula de um medicamento registrado é a agência reguladora daquele país, mas desde que solicitado pelo detentor do registro”, afirmou. 
Questionado sobre quem seria o autor do documento, Barra Torres disse desconhecer a origem da proposta de alteração da bula. “Eu não tenho a informação de quem é o autor, quem foi que criou, quem teve a ideia. A doutora, de fato, perguntou dessa possibilidade e pareceu estar, digamos, mobilizada com essa possibilidade”, completou. 
O presidente da Anvisa também foi questionado sobre pressões para rejeitar ou adiar a aprovação das vacinas chinesa, Coronavac, e a russa, Sputnik V.  O relator Renan Calheiros (MDB-AL) pediu respostas sobre a situação dos insumos para vacina e produtos de origem chinesa analisados pela Anvisa; se há mais avaliações negativas sobre os insumos; e se há problemas a serem superados para que cheguem ao Brasil. Barra Torres negou que haja problemas de qualidade dos insumos e confirmou a dificuldade de recebimento, mas disse não ver nexo causal entre a demora e as declarações hostis de Bolsonaro sobre o país asiático.
Sobre a possibilidade de ingerência do governo federal para dificultar a aprovação de alguma vacina, especialmente da CoronaVac, Barra Torres foi enfático: “Não houve nenhum tipo de interferência, nenhum tipo de pressão em relação a isso (...) Quando a agência sofre acusações de que se comportou seguindo essa ou aquela orientação política, revela um natural desconhecimento da atuação dessa mesma agência. Seria preciso um poder de convencimento sobrenatural para que toda uma coletividade de técnicos se flexionasse ao desejo de quem quer que seja”. 
<h3>Vacinas</h3>
Durante as cinco horas de depoimento, Barra Torres foi questionado diversas vezes sobre a negativa da agência à vacina russa. Em todas as vezes, explicou que o Instituto Gamaleya, responsável pelo desenvolvimento do imunizante, o Fundo de Desenvolvimento Russo e outros países que estão aplicando a Sputnik V em sua população não responderam de forma concreta os questionamentos apresentados pela agência reguladora brasileira. Barra Torres explicou que os documentos recebidos apontam resultados positivos, mas não atestam os procedimentos usados para chegar às conclusões apontadas. 
Além do adenovírus replicante - vírus da doença inativado e geneticamente modificado para ser o vetor da vacina - identificado na Sputnik V, Barra Torres explicou que outros pontos não foram sanados de maneira satisfatória. A Anvisa questionou cerca de 60 países que supostamente usam a Sputnik V, dos quais 24 responderam que não aplicam o imunizante e 11 não enviaram nenhuma resposta. México e Argentina, que têm agências reguladoras semelhantes ao funcionamento da Anvisa no Brasil, também não responderam de forma satisfatória - os mexicanos alegaram cláusula de confidencialidade para não responder e a Argentina tinha poucos dados. Barra Torres também destacou que embora a Sputnik V represente cerca de 50% das vacinas aplicadas na Argentina, ela corresponde a 92% dos efeitos adversos registrados no país.
O contra-almirante da Marinha que comanda a agência garantiu que, apesar da negativa inicial, todo o processo já percorrido pode ser reaproveitado para uma nova análise de pedido de uso da vacina. “Não é porta fechada”, afirmou. O presidente da Anvisa entregou diversos documentos à presidência da CPI para explicar o processo decisório da agência em relação à negativa para exportação do imunizante, que serão mantidos em sigilo. 
Confrontado pelo relator sobre as declarações do presidente da República ao longo de 2020 e em 2021 sobre vacinas, Barra Torres disse que as frases de Bolsonaro vão “contra tudo que nós temos preconizado em todas as manifestações públicas”, mas evitou fazer uma avaliação direta do impacto das frases sobre a população. “Eu penso que a população não deve se orientar por condutas dessa maneira. Ela deve se orientar por aquilo que está sendo preconizado, principalmente pelos órgãos que têm linha de frente no enfrentamento da doença”.

imagem_materia

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Diretor-presidente da Anvisa corroborou depoimento de Mandetta de reunião no Planalto para tratar do medicamento


Barra Torres confirma tentativa de inclusão de Covid na bula da cloroquina

Diretor-presidente da Anvisa disse na CPI da Pandemia que houve tentativa de incluir tratamento da Covid na bula da cloroquina