Raquel Alves
Foi analista política em Brasília. Cobre Congresso Nacional. Passou pelas redações da extinta Radiobrás, Agência Nordeste, jornal DCI, TV Record e Agência CMA. Email: raquel.alves@jota.info
A polêmica em torno da possibilidade de aprovação de um mecanismo legal de anistia ampla, geral e irrestrita ao caixa-dois eleitoral barrou a votação em plenário do Projeto de Lei (PL) 4850/16 sobre as dez medidas contra a corrupção.
Aprovado por unanimidade pela comissão especial na madrugada desta quinta-feira, o parecer de Onyx Lorenzoni (DEM-RS) chegou a ter a discussão iniciada pelos deputados depois da aprovação relâmpago de um requerimento de urgência, mas a votação foi adiada pelo presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ) para terça-feira.
“Não precisamos votar nada de afogadilho, então para que não se vote de forma precipitada e sem análise aprofundada, deixamos para terça-feira. Assim não há risco de aprovar o que não se deve aprovar nem que se suprima alguma coisa importante por falta de debate com os líderes. Na próxima semana a gente volta”, anunciou Maia.
O adiamento já havia sido formalmente solicitado pelo relator Onyx em plenário. Contrário a qualquer mudança em seu parecer, criticou a ofensiva silenciosa para anistiar crimes de caixa-dois e correlatos, bem como para incluir na versão final do texto a possibilidade de membros do Judiciário e do Ministério Público serem processados por crime de responsabilidade.
“O alerta foi feito pela deputada Renata Bueno, que tem assento no Parlamento italiano. Ela disse que a forma como o Parlamento italiano reagiu à ação da Justiça italiana foi fragilizando as leis. Transformou a Itália num país mais corrupto depois da (Operação) Mãos Limpas. É isso que queremos? Uma vendeta contra o Ministério Público, contra a Polícia Federal, contra os magistrados? Não. O parecer é equilibrado e merece respeito”, disse.
O adiamento, no entanto, só foi anunciado depois que Maia deixou o gabinete da presidência onde estava reunido com os líderes e admitiu a inexistência de ambiente político para votação. A “inexistência de ambiente político” era visível no plenário com sucessivos bate-bocas e deputados exaltados com as acusações de ofensiva para anistiar políticos e investigados pela Lava Jato.
Rodrigo Maia negou o “acordão” em construção. “Isso não é concreto e nem foi discutido em nenhuma discussão da qual participação. Esse é um debate que não existe. Isso é uma confusão de palavras para gerar polêmica e enfraquecimento da Câmara. Fora da tipificação do caixa dois não existe nada. Ninguém quer anistiar crime que não existe. Essa outra matéria (anistia) que vocês estão citando não teria votos e eu acho que carece de constitucionalidade”, disse. “Isso aí é a vontade de vocês venderem notícia” reclamou.
O PL 4850/16 precisa de maioria simples para ser aprovado pela Câmara. Mudanças podem ser feitas por meio dos Destaques de Votação em Separado (DVS) apresentados durante a sessão plenária. Aprovado pela Câmara, o projeto ainda precisa de aval do Senado. Se os Senadores alterarem o conteúdo votado pelos deputados, uma última rodada deliberativa é necessária antes do envio do PL das dez medidas à sanção.
O que será votado
Muitas das 10 medidas originais propostas pelo Ministério Público Federal foram retiradas ou modificadas substancialmente. Apenas seis permaneceram em sua essência: as relacionadas à prevenção à corrupção, a criminalização do enriquecimento ilícito, o aumento das penas e crime hediondo para grandes valores, a reforma prescricional e a responsabilização dos partidos e criação da tipificação do caixa-dois.
A medida mais polêmica que se discute incluir por meio de uma emenda na votação do projeto de lei no plenário da Câmara dos Deputados na semana que vem é justamente uma anistia ampla, geral e irrestrita ao caixa-dois, que pode ainda abarcar outros atos.
Segundo um texto, cuja autoria ninguém quer assumir, “não será punível nas esferas penal, civil, eleitoral, doação contabilizada, não contabilizada ou não declarada, omitida ou ocultada de bens, valores ou serviços para financiamento de atividade político-partidária ou eleitoral até a data da publicação desta lei”.
A partir da data da publicação do projeto, o crime de caixa dois eleitoral passaria a ser punível com pena de reclusão de dois a cinco anos e multa.
“É importante lembrar que a lei penal não retroage. Com este texto, busca-se afastar o enquadramento de atos que, em tese, podem ser alvos de ações eleitorais e que eventualmente poderiam já ser punidos criminalmente pelo artigo 350 do código eleitoral”, afirma o procurador regional da República Fábio George da Nóbrega, conselheiro do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público).
Outra medida prevê a criação de comissões para assegurar a “razoável” duração do processo. O texto sugere o período de 3 anos na primeira instância e de um ano nas instâncias recursais. Além disso, TRFs e TJs precisarão divulgar informações estatísticas sobre ações de improbidade administrativa e ações criminais por categoria. Os dados deverão ser enviados para CNJ e CNMP.
A tipificação do exercício irregular da advocacia também foi incluída no texto. O exercício ou o anúncio da advocacia sem preencher as condições legais ou que exceda os seus limites levará a uma pena de um a dois anos, além de multa. Incorre nas mesmas penas quem exercer a advocacia se suspenso ou privado de seu exercício por decisão administrativa ou judicial.
O que saiu do texto
Três medidas polêmicas que faziam parte das 10 medidas contra a corrupção foram retiradas do texto. Uma delas é a do teste de integridade do funcionário público, que previa a simulação de ofertas de vantagens indevidas para agentes públicos.
As medidas que previam restrições ao habeas corpus também foram retiradas – tanto a versão original proposta pelo MPF, quanto a versão abrandada pelo relator Onyx Lorenzoni.
A validade das provas ilícitas obtidas de boa-fé por um agente público ou por meio de erro escusável também foi excluída do texto final.
Dentre as medidas incluídas pelo relator e retiradas do texto, o destaque fica para a criação do crime de responsabilidade para promotores e juízes. Outra proposta do relator que está ausente é a que criaria a possibilidade da prisão preventiva para permitir a identificação e a localização do produto e proveito do crime e assegurar sua devolução.