Luiz Orlando Carneiro

A suposta compra de medidas provisórias para beneficiar empresas automobilísticas gerou a primeira denúncia apresentada à Justiça pela Procuradoria da República no Distrito Federal, no âmbito da Operação Zelotes. A ação penal foi protocolada neste domingo (29/11), na 10ª Vara da Justiça Federal de Brasília.
Foram denunciadas 16 pessoas, dentre as quais o ex-conselheiro do Carf José Ricardo da Silva, os lobistas Mauro Marcondes Machado e Alexandre Paes dos Santos e o ex-auditor da Receita Federal Eivany Antônio da Silva (pai de José Ricardo).
Também estão na lista a ex-secretária de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), Lythia Spíndola, e Fernando Cesar de Moreira Mesquita, ex-diretor de comunicação do Senado.
Segundo os procuradores, existem evidências de práticas de extorsão, corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha.
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Além das prisões dos denunciados, a Procuradoria pede a perda de cargos e aposentadorias de funcionários públicos. Requer ainda que 12 dos 16 denunciados paguem solidariamente R$ 879,5 milhões como reparação aos cofres públicos. O MPF pede ainda a perda de R$ 1,5 milhão em favor da União pela prática de lavagem de dinheiro.
O juiz Vallisney de Souza Oliveira, titular da 10ª Vara, analisará a denúncia.
Desmembramento
A ação penal envolve as empresas SGR Consultoria Empresarial Ltda e a Marcondes e Mautoni Empreendimentos e Diplomacia Corporativa Ltda (M&amp;M), e é decorrente do desmembramento da investigação que foi iniciada a partir de uma denúncia anônima. No início das investigações em 2013, os procuradores apuravam o favorecimento de grandes empresas em julgamentos no Carf, por meio da atuação de advogados e ex-conselheiros do tribunal.
Essa investigação levou a procuradoria a outro ramo do esquema: a atuação de organização criminosa para viabilizar a edição de medidas provisórias que concediam benefícios fiscais a empresas do setor automobilístico. Esses fatos levaram à abertura de um inquérito específico.
Fundada por Eivany Antônio da Silva – a SGR oferecia decisões favoráveis no Carf a contribuintes de grande porte, selecionados pelos integrantes da organização.
Segundo os procuradores, o principal nome da companhia é José Ricardo Silva (filho de Eivany), mas conta também com Alexandre Paes dos Santos e Eduardo Valadão. José Ricardo foi conselheiro do Carf entre 2007 e 2014.
Em relação à M&amp;M, de propriedade do casal Mauro Marcondes e Cristina Mautoni (também presos por ordem judicial), os investigadores afirmam que a atuação sempre foi no sentido de patrocinar “interesses de particulares junto ao Estado”.
Além do casal, a empresa contava com a atuação de Francisco Mirto Florêncio (preso e denunciado). A relação de Mirto com a M&amp;M aparece em vários momentos da denúncia, como o fato de ele ter recebido R$ 500 mil da empresa e de ter sido o responsável por realizar, ainda em 2010, uma investigação clandestina contra o então procurador da República José Alfredo Paula Silva, que na época apurava a compra de caças pelo Brasil, assunto sobre o qual o trio atuava intermediando interesses.
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As diligências realizadas ao longo de mais de um ano pelo MPF, em conjunto com a Polícia Federal, Receita Federal e Corregedoria do Ministério da Fazenda concluíram que o objetivo inicial da união SGR-M&amp;M era o atendimento de interesses da montadora MMC junto ao Carf, sobretudo em um recurso que discutia uma autuação fiscal milionária imposta à montadora. Posteriormente, o grupo atuou também na “compra de medidas provisórias”, para beneficiar a MMC e o grupo Caoa, também do setor automobilístico.
De acordo com o MPF, no caso do recurso administrativo – acolhido por 4 a 2, no julgamento do Carf – a empresa MMC deixou de pagar mais de R$ 266 milhões. Já o valor obtido com a renúncia fiscal decorrente da prorrogação promovida pela Medida Provisória 471/09 atingiu a cifra de R$ 879,5 milhões.
<a style="color: #ff6600;" href="/wp-content/uploads/2015/11/mmc-carf.pdf">Leia o acórdao do caso MMC</a>
Como pagamento, a MMC teria repassado ao grupo de lobistas R$ 57 milhões. O pagamento teria sido feito de forma parcelada, entre os anos de 2009 e 2015, segundo o MPF. Para ocultar sua relação com a SGR, o relacionamento financeiro da MMC se restringiu à M&amp;M, com quem tinha uma “história” comercial antiga, explicam os procuradores, na denúncia.
Braços nas montadoras
A procuradoria denunciou ainda três representantes da MMC: Eduardo de Souza Ramos, Paulo Arantes Ferraz e Robert Rittscher. A ex-secretária de Comércio Exterior do MDIC Lytha Spíndola e seus dois filhos, Vladimir e Camilo Spíndola, além do ex-diretor de comunicação do Senado, Fernando Cesar de Moreira Mesquita também estão na lista.
Este último teria recebido R$ 78 mil, como pagamento por ter “monitorado” a tramitação da MP 471 no Congresso. Aprovada como pretendiam os investigados, a Medida Provisória foi convertida na Lei 12.218/2010 e rendeu benefícios fiscais às empresas Caoa e MMC, de 2010 a 2015.
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Lytha Spíndola teria analisado o texto da Medida Provisória 512, que tinha recomendação de veto pelo Ministério da Fazenda, segundo o MPF.
Uma mensagem trocada entre a então assessora especial do gabinete da Casa Civil da Presidência da República e o assessor especial do então ministro Antonio Palocci “não deixa dúvidas de que Lytha trabalhou no sentido que a Presidência ignorasse o parecer técnico do MF e garantisse os benefícios a empresas do setor automobilístico que atuam na região Centro-Oeste, ou seja, a Caoa e a MMC”.
Os dois últimos denunciados são Halysson Carvalho Silva e Marcos Augusto Henares Vilarinho, denunciados pelo crime de extorsão. Neste caso, a participação se deve ao fato de o grupo Caoa ter se recusado a pagar a parte acertada na negociação que levou à aprovação da MP 471. São mencionados documentos que dão conta de que a MMC e a Caoa deveriam pagar R$ 32 milhões à M&amp;M. O valor seria repartido entre a SGR e a M&amp;M.
A denúncia cita mensagens registradas em documentos apreendidos pelos investigadores, segundos as quais, 40% deste total seriam usados para pagar “colaboradores” – que na verdade, seriam os agentes públicos corrompidos (incluindo parlamentares federais cujos nomes ainda não foram identificados) – e os outros 60% distribuídos entre os lobistas.
No entanto, apenas a primeira fez o repasse. Mauro Marcondes teria se negado a repassar a parte da SGR, com o argumento de que precisava pagar os “colaboradores”.
“Com o passar do tempo, a situação ficou insustentável, pois a SGR também tinha seus compromissos espúrios”, enfatiza um dos trechos da ação. Foi neste contexto que, em 2010, Halysson e Marcos Augusto foram contratados pelos responsáveis pela SGR para ameaçar Mauro Marcondes e Eduardo Ramos. O valor exigido nas conversas por celular e de informações pessoais falsas, era de 1,5 milhão de dólares.
Para forçar o pagamento, Halysson ameaçava entregar à oposição e à imprensa um dossiê sobre a compra da MP 471. “Os e-mails de Halysson Carvalho, recebidos pela secretária de Eduardo Ramos (Lilian Gasperoni Pina), foram imediatamente repassados para Mauro Marcondes e não deletados ou comunicados para a polícia. Isso revela três coisas: a) a ameaça era séria; b) a polícia não podia saber do seu teor, pois comprometia Eduardo Ramos; e c) Mauro Marcondes era a pessoa indicada para resolver o problema”, afirmam os procuradores.
Os denunciados:
José Ricardo da Silva – organização criminosa (art. 2º da Lei n.º12.850/2013), lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei n.º 9.613/98), corrupção ativa (art. 333 do Código Penal) e extorsão (art. 158, § 1º, do Código Penal);
Eivany Antônio da Silva – organização criminosa (art. 2º da Lei nº 12.850/2013), lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei n.º 9.613/98), corrupção ativa (art. 333 do Código Penal) e extorsão (art. 158, § 1º, do Código Penal);
Alexandre Paes dos Santos (vulgo APS) – quadrilha (art. 288 do Código Penal), lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei n.º 9.613/98), corrupção ativa (art. 333 do Código Penal) e extorsão (art. 158, § 1º, do Código Penal);
Eduardo Gonçalves Valadão – quadrilha (art. 288 do Código Penal), lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei n.º 9.613/98), corrupção ativa (art. 333 do Código Penal) e extorsão (art. 158, § 1º, do Código Penal);
Mauro Marcondes Machado – organização criminosa (art. 2º da Lei n.º 12.850/2013), lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei n.º 9.613/98), corrupção ativa (art. 333 do Código Penal);
Cristina Mautoni Marcondes Machado – organização criminosa (art. 2º da Lei n.º 12.850/2013), lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei n.º 9.613/98), corrupção ativa (art. 333 do Código Penal);
Francisco Mirto Florêncio da Silva – organização criminosa (art. 2º da Lei n.º 12.850/2013), lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei n.º 9.613/98), corrupção ativa (art. 333 do Código Penal);
Lytha Battiston Spíndola – organização criminosa (art. 2º da Lei n.º 12.850/2013) e lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei n.º 9.613/98);
Eduardo de Souza Ramos – organização criminosa (art. 2º da Lei n.º 12.850/2013), lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei n.º 9.613/98) e corrupção ativa (art. 333 do Código Penal);
Robert de Macedo Soares Rittscher – organização criminosa (art. 2º da Lei n.º 12.850/2013) e lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei n.º 9.613/98);
Paulo Arantes Ferraz – corrupção ativa (art. 333 do Código Penal);
Vladimir Spíndola – lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei n.º 9.613/98);
Camilo Spíndola – lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei n.º 9.613/98);
Fernando Cesar de Moreira Mesquita – corrupção passiva (art. 317, c/c art. 327, §2º, ambos do Código Penal);
Halysson Carvalho Silva – extorsão (art. 158, § 1º, do Código Penal);
Marcos Augusto Henares Vilarinho – extorsão (art. 158, § 1º, do Código Penal).

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JOTA

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