Não fossem as suspeitas lançadas pela Operação Zelotes, a Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) julgaria amanhã (08/04) um processo controverso da gigante de siderurgia Gerdau, que acabou entrando no foco da investigadores da Polícia Federal.
Na terça-feira passada (31/03), o Ministério da Fazenda suspendeu todas as sessões do conselho por tempo indeterminado. Estavam na pauta da câmara três processos administrativos em que a siderúrgica convenceu conselheiros de que não deveria recolher imposto de renda e CSLL em uma operação chamada tecnicamente de ágio interno.
Um dos casos é citado na decisão proferida no dia 16 de março pela juíza federal Pollyanna Kelly Alves. No despacho, a juíza autoriza buscas e apreensões em endereços residenciais, empresas e escritórios de advocacia ligados a um suposto esquema de corrupção e compra de votos no Carf. Foram determinados ainda o bloqueio de bens e valores de investigados.
A Operação Zelotes foi deflagrada em 26 de março, por meio de uma força-tarefa envolvendo a Polícia Federal, o Ministério Público Federal, a Receita Federal e Corregedoria do Ministério da Fazenda. São investigados casos de compra de votos, tráfico de influência e lavagem de dinheiro envolvendo advogados, conselheiros e ex-conselheiros do Carf.
Os casos
O processo – de número 10680.724392/2010-28 – foi julgado em abril de 2012 pelo conselho, e por cinco votos a um foi dado ganho de causa à companhia. O voto contrário foi dado por Ideli Pereira Bessa, representante da Receita Federal.
O caso foi analisado pela 1ª Turma da 1ª Câmara da 1ª Seção do Carf, que à época tinha como vice-presidente o conselheiro José Ricardo da Silva. Ele é apontado pela juíza Pollyanna como “um dos principais responsáveis pelo esquema de corrupção” no Carf.
Silva também seria relator do caso na Câmara Superior do conselho – responsável por pacificar o entendimento quando existem decisões divergentes. Na última instância administrativa o processo iria a julgamento junto com outros dois casos envolvendo a Gerdau, de números 11080.723701/2010-74 e 11080.723702/2010-19. Os três processos tratam de ágio interno, e somados atingem pouco mais de R$ 1 bilhão.
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Os casos foram pautados pela primeira vez na Câmara Superior em novembro de 2013, mas os julgamentos nunca foram iniciados. Desde 2013 os processos foram colocados e retirados de pauta quatro vezes, por conta de pedidos de vista do então relator ou por determinação do ex-presidente do conselho. Em 2014 José Ricardo deixou o Carf, e a relatoria dos casos foi passada ao conselheiro Valmir Sandri.
José Ricardo da Silva é citado como um dos envolvidos no esquema e teve sua prisão temporária pedida pela Polícia Federal à Justiça. A juíza, que autorizou buscas e apreensões no escritório dele, indeferiu o pedido de prisão temporária feito pela PF.
Em 2012, advogados tributaristas começaram a se surpreender com decisões do CARF favoráveis a contribuintes em casos como o da Gerdau. Isso porque os casos versam sobre um dos assuntos mais polêmicos em discussão no conselho: a possibilidade de abatimento, da base de cálculo do Imposto de Renda (IR) e da Contribuição Social Sobre Lucro Líquido (CSLL), do ágio gerado em operações envolvendo empresas do mesmo grupo econômico.
Além dos casos da Gerdau, é difícil encontrar outros processos envolvendo o tema com resultados favoráveis às empresas.
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As autuações discutidas administrativamente pela Gerdau estão relacionadas a reestruturações societárias envolvendo oito empresas do grupo, realizadas entre 2005 e 2010. Nos processos, a empresa alega que a amortização seria permitida pela Lei nº 9.532, de 1997. A norma, criada no contexto das privatizações, permite que o ágio gerado em incorporações ou fusões seja abatido do total a pagar de IR e CSLL em até cinco anos. O ágio seria o sobrepreço pago nesse tipo de operação, com base em uma expectativa de rentabilidade futura.
Na decisão em que dá ganho de causa à Gerdau, o relator dos três casos, conselheiro Carlos Eduardo de Almeida Guerreiro, considera que a legislação não faz distinção entre o ágio interno e o gerado entre operações envolvendo empresas que não são do mesmo grupo econômico.
Carlos Eduardo cita ainda que a rentabilidade futura foi atestada pela companhia por meio de laudos, que não foram contestados pela fiscalização. “Desde que o contribuinte atue conforme a lei, ele pode fazer seu planejamento tributário para reduzir sua carga tributária. O fato de sua conduta ser intencional (artificial), não traz qualquer vício”, afirma o relator na decisão.
O entendimento, entretanto, não é majoritário dentro do Carf. Em fevereiro deste ano, por exemplo, a mesma 1ª Turma da 1ª Câmara da 1ª Seção manteve autos de infração lavrados contra a concessionária Florença Veículos por amortização de ágio interno. Da composição de 2012, entretanto, restam apenas dois conselheiros.
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No caso mais recente, a relatora designada para o processo, conselheira Edeli Pereira Bessa, considera em seu voto que, para que possa ocorrer a amortização do ágio, “é necessário que haja preço (custo) pago pela aquisição ou subscrição de um investimento a ser avaliado pelo método da equivalência patrimonial, superior ao valor patrimonial desse investimento. E somente há preço e, por consequência, aquisição, quando a operação se realiza entre partes independentes.”
Segundo a advogada Vivian Casanova, do Barbosa, Müssnich & Aragão Advogados, os casos da Gerdau não foram os únicos julgados de forma favorável aos contribuintes, mas a maioria das decisões do Carf não permitem o aproveitamento do ágio interno.
“Existe uma tendência do conselho de não permitir, por entender que não se pode utilizar o benefício [da amortização] com base em reorganizações dentro da empresa”, diz.
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Por meio de nota, a Gerdau esclarece que, até o momento, não foi contatada por nenhuma autoridade pública a respeito da Operação Zelotes, da Polícia Federal, e que vem tomando conhecimento do tema pelo noticiário de imprensa.
Todos os processos administrativos de interesse da Gerdau se acham ainda em trâmite no Carf, pendentes de julgamento final de mérito. Portanto, a Gerdau não obteve qualquer ganho decorrente de decisões emanadas por aquele conselho. Com relação a estes processos, nenhuma importância foi paga, a qualquer título, a qualquer pessoa física ou jurídica por conta de sua atuação em nome da Gerdau junto ao Carf.
A empresa ressalta ainda que, com base em seus preceitos éticos, não concedeu qualquer autorização direta ou indireta para que seu nome fosse utilizado em pretensas negociações ilegais, repelindo veementemente qualquer atitude que tenha ocorrido com esse fim.
A Gerdau reitera, portanto, que possui rigorosos padrões éticos na condução de seus pleitos junto aos órgãos públicos e que está tomando as medidas necessárias para proteger seus direitos e sua reputação. Além disso, reafirma que está, como sempre esteve, à disposição das autoridades competentes para prestar os esclarecimentos que vierem a ser solicitados.