Interferência política

Vladimir Aras vê ‘obstrução da Justiça’ em ato de Bolsonaro relatado por Moro

Membro do MPF, que integrou a Lava Jato, afirma que PGR e Câmara dos Deputados deverão apurar os fatos

Vladimir Aras. Foto: PGR

Integrante do Ministério Público Federal e ex-membro da Força Tarefa da Lava Jato, Vladimir Aras comentou, por meio do Twitter, as declarações dadas por Sergio Moro durante coletiva de imprensa para anunciar a saída do governo e do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Ele citou indícios de ao menos três crimes que poderiam implicar o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), nos relatos de Moro: falsidade ideológica, obstrução de Justiça e crime de responsabilidade.

“Os fatos narrados por @SF_Moro são gravíssimos. Houve relatos sobre falsidade ideológica, obstrução da Justiça e crime de responsabilidade, que deverão ser investigados pelo @MPF_PGR e pela @camaradeputados Câmara dos Deputados”, disse, marcando os perfis oficiais dos órgãos e pessoas citadas. 

O ex-juiz federal da Lava Jato anunciou que se demitiu do cargo de ministro depois que o presidente Jair Bolsonaro exonerou o diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, afirmando, ainda, que tentou reverter a situação, sem sucesso.

Moro disse que o presidente da República desejava trocar o comando da PF para ter acesso a informações sigilosas e relatórios de inteligência e que estava preocupado com a condução de inquéritos em tramitação no Supremo. Moro não citou quais seriam essas investigações, mas há processos abertos que podem chegar a apoiadores e familiares do presidente da República. Ele chegou a afirmar: “eu disse ao presidente que seria interferência política. Ele disse que seria mesmo”. 

Vladimir Aras afirmou que “a Polícia Federal se notabilizou como uma das forças policiais mais respeitadas do mundo por atuar tecnicamente, com um corpo funcional bem preparado e com bastante autonomia operacional. As consequências dessa intromissão política são incalculáveis”.

Além da indicação por uma investigação dos supostos crimes citados, ele sugeriu outras medidas de proteção à instituição que, segundo ele, podem ser aprovadas rapidamente. Ao JOTA, explicou que uma proposta de emenda à Constituição (PEC) poderia estabelecer a definição do diretor geral da Política Federal por meio de lista tríplice.

De acordo com ele, a introdução de regra de nomeação do diretor geral da PF por lista tríplice, com termo fixo, com prazo desemparelhado do mandato presidencial seria uma forma de sujeitar o processo a um controle institucional. 

“É viável para proteger juridicamente e politicamente a PF, que tem investigações não só sobre corrupção, mas de crime organizado do país e de outros países. Investigações que estão sob sigilo judicial, só reveladas por decisão do Supremo ou outra instância. Estamos falando de tráfico de armas, corrupção, lavagem de dinheiro”, avalia. 

“Não é uma coisa simples fazer com que o superintendente informe isso ou aquilo ou que o delegado não possa investigar certos casos. O MPF depende de informações da PF, como o Judiciário e toda a sociedade. Seria um método que pelo menos sujeite a algum tipo de controle e não permita que aconteça algo como o que foi dito ali.”

A Força-Tarefa da Lava Jato também se manifestou sobre o caso, por meio de nota:

“Os procuradores da República integrantes da força-tarefa da operação Lava Jato do Ministério Público Federal no Paraná vêm a público manifestar repúdio às noticiadas tentativas de interferência do Presidente da República na Polícia Federal em investigações e de acesso a informações sigilosas.

1. A operação Lava Jato demonstra que o trabalho do Estado contra a corrupção exige instituições fortes, que trabalhem de modo técnico e livre de pressões externas nas investigações e processos.

2. Assim, a escolha de pessoas para cargos relevantes na estrutura do Ministério da Justiça e da Polícia Federal deve ser impessoal, guiada por princípios republicanos e jamais pode servir para interferência político-partidária nas investigações e processos.

3. Da mesma forma, as investigações devem ser protegidas de qualquer tipo de ingerência político-partidária. É inconcebível que o Presidente da República tenha acesso a informações sigilosas ou que interfira em investigações.

4. A tentativa de nomeação de autoridades para interferir em determinadas investigações é ato da mais elevada gravidade e abre espaço para a obstrução do trabalho contra a corrupção e outros crimes praticados por poderosos, colocando em risco todo o sistema anticorrupção brasileiro.”