Bárbara Pombo

Bárbara Mengardo

Cai por terra a ideia de que auditores fiscais tomam decisões para engordar os cofres públicos ao julgar processos no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Na outra ponta, os conselheiros representantes dos contribuintes nem sempre votam contra a Receita Federal - uma suposição que representa um dos principais motivos de questionamentos sobre a composição paritária do tribunal, responsável pela decisão final sobre a cobrança de multas e tributos contestados por contribuintes.
Em meio ao cenário conturbado pela Operação Zelotes da Polícia Federal e o veto à atuação de conselheiros como advogados, uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ) e obtida com exclusividade pelo JOTA, aponta que o funcionamento do Carf, na prática, é mais complexo.
Dados obtidos após a análise de 877 decisões proferidas entre janeiro de 2004 e maio de 2013 indicam que as empresas e pessoas físicas ganharam 53,2% dos casos em que o relator representava o Fisco. O percentual é o mesmo quando são analisadas as decisões proferidas por conselheiros dos contribuintes.
Sob relatoria de um fiscal, foram totalmente providos 32,5% dos recursos dos contribuintes e 20,7%, parcialmente providos. Sob relatoria de um representante dos contribuintes, as taxas de provimento são de 35,5% e 17,7, respectivamente. O percentual de derrotas das empresas e pessoas físicas é igual (46,8%) tanto nos processos sob relatoria de fiscais, quanto representantes dos contribuintes apresentam o relatório.
Resultado de três anos de trabalho encomendado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), a pesquisa “Conselho Administrativo de Recursos Fiscais: Uma análise do sistema tributário do Brasil” foi apresentada nesta sexta-feira (29/05), no Seminário Jurimetria, Direito e Estatística, realizado na sede da Associação dos Advogados de São Paulo.
As conclusões extraídas das decisões proferidas em 2014 são ainda mais significativas. Em 50,9% dos casos relatados por representantes dos contribuintes o resultado foi favorável ao Fisco, ou seja, manteve-se a cobrança da Receita Federal. O percentual é maior que os 47,7% de processos relatados por fiscais, que resultaram em derrota do contribuinte. No período, os auditores fiscais deram mais vitórias integrais e parciais aos contribuintes (40,2%) do que os representantes deles (37,4%).
Em linhas gerais, a pesquisa com dados oficiais mostra que o conselho havia adotado até agora um equilíbrio: a Receita Federal foi considerada certa em praticamente metade dos processos administrativos em que se questionam a forma e incidência de tributos ou penalidades do Fisco.
O Carf teve seu funcionamento interrompido e o regimento interno posto sob reforma depois que a PF deflagrou a Zelotes em março. Com regras mais restritivas, o governo espera evitar que o tribunal volte a ficar sob suspeita. Na semana passada, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) impediu que conselheiros exerçam a advocacia. O cenário leva muitos integrantes atuais do Carf a preverem uma composição menos independente justamente agora. O Senado instalou, ainda, a sua CPI para investigar o conselho.
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Sem divergência
A pesquisa da ABJ com base em decisões do Carf aponta também que, na maioria das vezes, fiscais e representantes dos contribuintes concordam, especialmente quando a decisão é desfavorável à tese das empresas e pessoas físicas. Em 46,4% dos processos analisados, as decisões foram unânimes em desfavor do contribuinte. As decisões desfavoráveis proferidas por maioria de votos representam 37,3% dos casos.
A base de dados usada para atingir essa conclusão neste levantamento foi maior, de 181.623 decisões proferidas entre 2004 e 2013.
Em 2014, as decisões unânimes representaram 74.7% dos processos.
Uma vez a cada 20 processos 
Apontado por especialistas como obstáculo à equidade entre Receita e contribuintes no Carf, o voto de qualidade foi utilizado em apenas 4,85% das decisões proferidas em 2014. O voto de qualidade pode ser chamado, grosso modo, de voto de desempate. Nesses casos, cabe ao presidente da turma (que é representante do Fisco) dar a palavra final.
Segundo a pesquisa, o percentual sobe para 8,04% quando parte da decisão é proferida por voto de qualidade – em que o processo, por exemplo, é conhecido por desempate e a autuação cancelada por unanimidade ou maioria de votos.
Apesar do baixo percentual, alguns especialistas ponderam que os grandes casos - mais complexos e com autuações mais altas – são definidos por desempate. “Talvez se não se considerasse o número de processos, mas os valores, os votos de qualidade representassem 50% ou mais decisões”, afirma uma fonte.
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Recursos especiais
Apesar de desfazer alguns “mitos” relacionados ao Carf, a pesquisa da ABJ também demonstrou que algumas das opiniões expressadas por advogados são, de fato, verdadeiras. É o caso da máxima de que, no Conselho, os recursos especiais do Fisco são mais facilmente providos do que os dos contribuintes.
Os recursos especiais são instrumentos processuais por meio dos quais as partes dos processos recorrem das câmaras ordinárias para a câmara superior. Como a última instância do Carf tem por objetivo a pacificação de jurisprudência, a câmara superior só analisa casos quando a parte recorrente consegue anexar ao processo uma decisão oposta do conselho em caso idêntico.
Após analisar os resultados desses processos entre 2004 e 2013, a ABJ constatou uma grande diferença quando se compara os recursos interpostos pelos contribuintes e os ajuizados pelo Fisco.
Os dados apresentados pela associação demonstram que no período analisado, 51,46% dos recursos dos contribuintes tiveram provimento negado. Já nos recursos do Fisco, a Fazenda Nacional teve suas pretensões derrubadas em apenas 7,52 % dos casos.
O percentual de vitórias também é discrepante. Entre 2003 e 2013, 2,97% dos recursos dos contribuintes foram providos. Já no caso dos recursos do Fisco, o número salta para 40,68%.
Recurso de ofício
A pesquisa também fez um retrato dos chamados recursos de ofício, que envolvem autuações com valores superiores a R$ 1 milhão. Nesses casos, pelo valor elevado, os processos sobem automaticamente para as turmas de julgamento (segunda instância) quando a Fazenda Nacional fica vencida nas Delegacias Regionais de Julgamento (primeira instância).
De acordo com o levantamento da ABJ, o Carf negou provimento a 70,03% desses processos. Isso significa que, na grande maioria das vezes, após analisar os recursos de ofício, os conselheiros consideram que as Delegacias Regionais de Julgamento estavam corretas, e a autuação era realmente indevida.
Segundo especialistas ouvidos pelo JOTA, seria possível até mesmo questionar a necessidade de existência desse tipo de recurso, já que, na maioria absoluta das vezes, o resultado da 1ª instância administrativa é mantido.
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JOTA

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