Felipe Seligman
Sócio e diretor de Estratégia e Gente do JOTA
A União Brasiliense dos Gays (Unigay) enviou nesta quarta-feira (02/09) um parecer jurídico ao governador do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg (PSB), pedindo seu veto ao projeto de lei 173/215, que limitou o conceito de família a relações entre homens e mulheres.
A peça foi aprovada pelos 22 deputados distritais presentes à sessão do último dia antes do recesso legislativo (30/06) e tenta emular o Estatuto da Família - parte da agenda conservadora abraçada pelo atual presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
De acordo com o documento enviado ao governador e assinado pelos professores do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) Francisco Schertel Mendes, João Trindade Cavalcante Filho e Rafael Araripe Carneiro, a legislação aprovada pela Câmara Legislativa do DF é inconstitucional - no conteúdo e na forma - e pode gerar condenações internacionais por desrespeito a direitos humanos.
"A adoção de um conceito taxativo e não inclusivo de entidade familiar, na forma proposta pelo Projeto de Lei no 173/2015, contraria o direito internacional contemporâneo, podendo causar consequências ao Brasil no âmbito do Sistema Interamericano de Direitos Humanos”, diz o parecer. "É notório, entretanto, que a inserção das relações de afeto entre pessoas do mesmo sexo no conceito de entidade familiar configura um movimento não apenas nacional, mas global, com fundamento nos princípios da dignidade humana, da igualdade, da autodeterminação, da não-discriminação e da busca da felicidade do indivíduo, devendo o legislador ordinário estar atento a todas essas circunstâncias”.
Além de violar tratados internacionais assinados pelo país, a lei do DF foi aprovada quatro dias depois de a Suprema Corte norte-americana abolir a diferença legal para o casamento de gays ou heterossexuais. No Brasil, decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) assegura o registro de união civil a todos os cidadãos.
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"Valorização da Família"
O projeto, de autoria do deputado distrital Rodrigo Delmasso (PTN), tem o objetivo de instituir diretrizes para "implantação da Política Pública de Valorização da Família no âmbito do Distrito Federal”. Logo no artigo 2, o parlamentar restringiu o conceito de família às duas seguintes definições:
I - entidade familiar como o núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou união estável;
II - por comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
Para os professores, “essa redação taxativa, abrangendo apenas duas situações específicas, deixa de abarcar diversas entidades reconhecidamente aptas à caracterização de uma entidade familiar. Por esta razão, vai em sentido diametralmente oposto ao atual panorama normativo e jurisprudencial do ordenamento jurídico brasileiro, que – fundado na dignidade da pessoa humana – mostra-se amplamente inclusivo’”.
De fato, caso não seja vetada por Rollemberg, a legislação estará sujeita a uma ação direta de inconstitucionalidade no STF e, muito provavelmente, será derrubada por lá. Só não é possível antever o prazo em que isso aconteceria.
“Como já demonstrado, o conceito contemporâneo de família do direito brasileiro não se funda mais apenas em aspectos patrimoniais, culturais ou religiosos, mas sim em interesses de cunho pessoal/humano, tendo como vetor central a relação sócio afetiva entre indivíduos. Dessa maneira, é dever do legislador buscar sempre uma caracterização jurídica aberta do que pode constituir uma entidade familiar, sob pena de se marginalizar uma série de relações interpessoais que são dignas da proteção à família pelo Estado”, diz o documento.
O parecer também afirma que a Constituição de 1988 limita a prerrogativa de a União legislar sobre Direito de Família, não podendo o Estado ter uma visão própria e mais restritiva. Por isso a Câmara Legislativa cometeu, também, uma inconstitucionalidade formal.
Rodrigo Rollemberg tem até terça-feira (08/09) para vetar ou não.
Leia aqui o parecer e o ofício enviado ao governador.