Liberdade de expressão

TJSP mantém restrições contra humorista Léo Lins por perda de prazo em recurso

Lins está proibido de fazer comentários ‘depreciativos’ ou ‘humilhantes’ contra minorias em seus shows sob pena de multa de R$ 10 mil a cada descumprimento

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O humorista Léo Lins durante uma de suas apresentações de stand-up. /Crédito: Léo Lins/Reprodução

Por perda de prazo no recurso, a 16ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve as medidas cautelares que determinaram que o humorista Léo Lins deletasse o espetáculo ”Perturbador” de seu canal do YouTube, por conter piadas contra minorias da sociedade, além de diversas outras restrições. As medidas cautelares foram impostas pela juíza de Direito Gina Fonseca Côrrea.

Após a decisão da magistrada, a defesa de Léo Lins apresentou um recurso contra a decisão de primeira instância sob a alegação de que ela seria desprovida de fundamentação e caracterizava ato de censura prévia ao determinar limitações à publicação e realização de shows de humor, bem como ao determinar a remoção de espetáculo teatral de humor em plataformas digitais.

Além disso, a defesa de Léo Lins argumentou que foram impostas ao humorista medidas cautelares não previstas na lei, sendo vedada a aplicação de interpretação extensiva e integrativa no âmbito processual penal por importarem em restrição aos direitos dele. Aduziu, ainda, que a decisão interfere ”prévia e diretamente” na liberdade artística do humorista ao pretender definir o formato e o conteúdo de sua peça artística, além de restringir a sua criatividade.

A decisão de primeira instância contra o humorista Léo Lins

Desde o dia 9 de maio, Léo Lins está sujeito às seguintes medidas cautelares:

  • Léo Lins está proibido de manter, transmitir, publicar, divulgar, distribuir, encaminhar ou realizar download de quaisquer arquivos de vídeo, imagem ou texto, com conteúdo depreciativo ou humilhante em razão de raça, cor, etnia, religião, cultura, origem, procedência nacional ou regional, orientação sexual ou de gênero, condição de pessoa com deficiência ou idosa, crianças, adolescentes, mulheres, ou qualquer categoria considerada como minoria ou vulnerável;
  • Proibição de realizar, em suas apresentações, quaisquer comentários, bem como de divulgar, transmitir ou distribuir, quaisquer arquivos de vídeo, imagem ou texto, com conteúdo depreciativo ou humilhante em razão de raça, cor, etnia, religião, cultura, origem, procedência nacional ou regional, orientação sexual ou de gênero, condição de pessoa com deficiência ou idosa, crianças, adolescentes, mulheres, ou qualquer categoria considerada como minoria ou vulnerável;
  • Léo Lins tem a obrigação de retirar do ar em plataformas virtuais, sites, redes sociais ou qualquer aplicação de internet arquivos de vídeo, imagem ou texto, com conteúdo depreciativo ou humilhante em desfavor em razão de raça, cor, etnia, religião, cultura, origem, procedência nacional ou regional, orientação sexual ou de gênero, condição de pessoa com deficiência ou idosa, crianças, adolescentes, mulheres, ou qualquer categoria considerada como minoria ou vulnerável, comprovando-se nos autos;
  •  Proibição de se ausentar da Comarca em que reside por mais de 10 (dez) dias, sem autorização judicial;
  • Léo Lins deve comparecer mensalmente em juízo para informar e justificar suas atividades.

A juíza cita como exemplos de comentários odiosos, preconceituosos e discriminatórios contra minorias e grupos vulneráveis feitos por Léo Lins:

“Eu acho, de verdade, que o tipo de humor que eu faço é o mais inclusivo de todos. Eu faço piada de tudo e de todos. Quer show mais inclusivo do que esse? Eu já cheguei a contratar intérprete de libras, só pra ofender surdo-mudo. Não adianta fingir que não ta ouvindo não…”. Em seguida, emite sons “imitando” pessoas mudas: “Ahn, ahn, ahn” e diz: “Sinal você entende. Entende esse aqui?” e em seguida: “Eu ia trazer um intérprete hoje, só não trouxe porque eu pensei: “ah foda se os surdos né?” (…) “Eu até aprendi algumas. Vou ensinar pra vocês. Sabe como o surdo e mudo fala bom dia? – Ahnnn! Boa noite? – Nhanhanhan”

“Acho que eu sou o único stand up no Brasil que no dia do show, por conta das ameaças, na porta do teatro, colocaram um detector de metal. (…) E graças ao detector a gente impediu a entrada de 1 canivete e 2 cadeirantes. Os cadeirantes eram muito meus fãs, vieram se arrastando me ver. Parecia um soldado na trincheira eles vindo assim”;

“Agora na Síria tem um anão (finge estar segurando o riso) combatendo o Estado islâmico. (…) Eu acho que esse anão ficou puto porque expulsaram ele do Estado Islâmico. Não dá nem pra ele ser um homem bomba! Vai ser o quê? Um homem estalinho? Eles usam anão em festa junina.” Em seguida, simula atirar anões no chão, emitindo os sons “Pá! Pá! Pá!” e prossegue: “Se tiver algum anão aqui, no final do show a gente estoura. Mais um processo! Pelo menos vai ser pequenas causas”

Para a juíza, sob o pretexto de se tratar de um espetáculo de humor, Léo Lins, em tese, parece deliberadamente ofender diversos grupos minoritários e vulneráveis, “além de incitar a práticas de diversos crimes, inclusive de natureza sexual”.

Por isso, determinou as cautelares e uma multa de R$ 10 mil a cada novo descumprimento

No dia 5 de julho, diante da apresentação do recurso, o juízo de primeiro grau decidiu manter as restrições impostas a Léo Lins.

O julgamento do recurso de Léo Lins no TJSP

Para o relator do caso na segunda instância, desembargador Marcos Alexandre Coelho Zilli, o recurso apresentado pela defesa de Léo Lins é intempestivo. Ou seja, de acordo com Zilli, não foi observado o prazo de cinco dias previsto no art. 586 do Código de Processo Penal para a interposição de recurso em sentido estrito.

Conforme consta nos autos, o humorista foi pessoalmente intimado da decisão proferida em primeira instância na data de 11 de maio de 2023, quando tomou conhecimento das medidas cautelares instituídas em seu desfavor. ”No processo penal, os prazos contam-se da data da intimação, conforme proclama a Súmula 710 do Supremo Tribunal Federal (STF)”, destacou o relator.

”Assim, o prazo recursal se iniciou no dia 12 de maio de 2023 (sexta-feira) e se encerrou no dia 16 de maio seguinte (terça-feira). Ocorre que a defesa somente interpôs recurso em sentido estrito no dia 19 de maio de 2023, conforme consta no protocolo do sistema informatizado, sendo, portanto, manifestamente intempestivo”, analisou Zilli.

O relator ainda ressaltou que o recurso não se tratava de uma mera irregularidade, uma vez que a intempestividade macula a própria interposição do recurso, tendo em vista que o humorista não observou um dos requisitos de admissibilidade recursal. ”Desse modo, diante da interposição extemporânea do recurso em sentido estrito, de rigor o seu não conhecimento”, concluiu.

O JOTA tentou contato com o humorista, mas não obteve retorno. O espaço segue aberto.

O processo tramita em segredo de Justiça.