Pandemia

TJMG autoriza investigação criminal contra juíza que incentivou aglomerações

Em julgamento em fevereiro, maioria do Órgão Especial entendeu que investigação contra Ludmila Grilo é imprescindível

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Juíza Ludmila Lins Grilo / Crédito: reprodução YouTube

O Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG) autorizou o prosseguimento de investigação contra a juíza Ludmila Lins Grilo por possíveis crimes contra a saúde pública. A magistrada, que atua na comarca de Unaí, ganhou repercussão nacional depois do Ano Novo após fazer diversas publicações em seu perfil no Twitter com críticas sobre as medidas adotadas para conter a propagação do coronavírus.

Por maioria, o colegiado entendeu que a juíza deve ser investigada por infração a medida sanitária preventiva e incitação ao crime, previstos nos artigos 268 e 286 do Código Penal. A decisão ocorreu em 10 de fevereiro. 

A informação foi enviada ao Conselho Nacional de Justiça, na última terça-feira (16/3), pelo corregedor-geral de Justiça, e obtida com exclusividade pelo JOTA. No documento, o corregedor também informa que o Órgão Especial deverá deliberar na próxima quarta-feira (24/3), em julgamento virtual, sobre a proposta de instauração do processo administrativo disciplinar contra a juíza. 

Prevaleceu no Órgão Especial o voto do corregedor Agostinho Gomes de Azevedo. Para ele, o fato de discordar de determinada lei “não autoriza seu descumprimento por quem quer que seja, muito menos por uma Juíza de Direito, até porque existem meios jurídicos cabíveis para se questionar a sua constitucionalidade ou validade”.

De acordo com Azevedo, a juíza “sabia das consequências de suas condutas, mas, mesmo assim, resolveu assumir o risco de praticá-las, agindo, portanto, com dolo (ainda que eventual), e não culpa”. O corregedor conclui que é imprescindível a averiguação das supostas infrações criminais.  

Ficaram vencidos os desembargadores Corrêa Junior e Dárcio Mendes. O primeiro entendeu que a conduta deveria ser alvo de investigação disciplinar funcional, mas não de investigação criminal. “A ausência de elemento essencial para a deflagração da instância de investigação criminal não afasta o dever-poder de investigação das condutas em testilha na esfera disciplinar administrativa”, afirmou.

Já o desembargador Dárcio Mendes entendeu que a repreensão criminal da magistrada afronta a sua autonomia e liberdade de expressão. O magistrado também defendeu que publicação sobre o uso de máscaras em lugares públicos “escancara uma incongruência acerca da necessidade de tal medida”.

“Se o uso da máscara é mesmo imprescindível, como pode ser autorizada a circulação de pessoas dentro do estabelecimento comercial sem utilizá-la (em situação que  sequer se mostra de imperiosa necessidade, como o consumo de sorvete)?”, questionou.

Infração disciplinar

As informações sobre o processo foram enviadas ao CNJ em resposta ao pedido feito pela ministra Maria Thereza de Assis Moura, corregedora nacional, e relatora da reclamação disciplinar contra a magistrada que tramita no conselho administrativo. 

O pedido de apuração disciplinar no CNJ foi protocolado pelo advogado José Belga Assis Trad, que afirmou que a juíza cometeu infração ético-disciplinar. Em 13 de janeiro, a corregedora entendeu que não era o caso de determinar a exclusão ou mesmo a suspensão das publicações, conforme havia sugerido um conselheiro do CNJ.

“A imposição de restrição de tal ordem à liberdade de expressão da magistrada poderia caracterizar – a meu ver – censura prévia incompatível com o regime democrático vigente”, afirmou.

Já na última sexta-feira (12/3), a ministra pediu à Corregedoria-Geral de Minas Gerais informações atualizadas sobre a deliberação final do Órgão Especial em autorizar ou não o início de investigações criminais. 

Ao CNJ, a juíza ratificou suas publicações, afirmou que iria deixar de oferecer defesa no procedimento administrativo e ressaltou que continuará sustentando a inviabilidade jurídica do lockdown e restrições impostos por decretos municipais enquanto não for decretado estado de defesa ou estado de sítio. Ludmila Grilo afirmou que essas são as “únicas hipóteses possíveis para restrição do direito de reunião (vulgo ‘aglomeração’, palavra-gatilho utilizada com sucesso para a interdição do debate)”. O JOTA tenta contato com a juíza para posicionamento.