Jamile Racanicci

Qual é a probabilidade de um cliente ganhar um processo? Quanto tempo demora, em média, para irem a julgamento os casos que caírem nas mãos de um determinado juiz? Contra certa empresa, é mais vantajoso propor um acordo ou levar a disputa ao tribunal?
Tecnologias relacionadas à big data, inteligência artificial e aprendizado de máquinas prometem ajudar a responder essas perguntas com mais precisão, a fim de auxiliar a tomada de decisão de empresas e escritórios de advocacia. Se não proverem uma resposta completa, os projetos ao menos propõem um chute mais preciso para que os advogados possam assessorar seus clientes. Além disso, podem auxiliar departamentos jurídicos de empresas a melhor avaliar os serviços contratados e reconfigurar a própria profissão de advogado.
Startups e companhias de grande porte têm desenvolvido softwares que identificam correlações, padrões e tendências sobre o Judiciário a partir de dados sobre as atividades de tribunais. Algumas empresas do setor se apresentaram no 1º Congresso Internacional de Direito e Tecnologia, realizado em Brasília entre os dias 23 e 24 de novembro.
Uma delas é a Lex Machina, dos Estados Unidos, que oferece assistência na litigância de patentes, copyright, antitruste, falências e outras áreas. Ao processar petições, moções, sumários, sentenças, acórdãos e outros, o programa provê estatísticas sobre juízes, tribunais e escritórios concorrentes, bem como sobre empresas na sua atuação como partes. O produto, que começou como um projeto acadêmico na Universidade de Stanford, atualiza diariamente a base de dados com documentos obtidos das cortes americanas.
Por exemplo, advogados podem usar o programa para avaliar rapidamente qual tipo de moção historicamente é mais aceita por juízes de diversas instâncias em relação a causas específicas. É possível pesquisar sobre a outra parte em uma disputa, para saber se a organização costuma preferir fechar acordos dentro de poucos meses e qual é a quantia média de indenizações ganhas anteriormente. Ainda, grandes empresas podem pesquisar quais escritórios menores e mais baratos têm resultados bons o suficiente para delegar processos menos relevantes, a fim de reduzir os gastos com disputas jurídicas.
O gerente de produto e cofundador do Lex Machina, Wade Malone, enfatiza que a tecnologia não torna os advogados desnecessários. “O projeto permite responder questões que antes dariam muito trabalho para serem respondidas, então eram deixadas sem resposta. Agora a força de trabalho pode ser reorganizada para focar nas duras decisões legais que os advogados precisam tomar”, explica.
Outro exemplo é a startup inglesa CaseCrunch, iniciada na Universidade de Cambridge e especializada em análise de dados preditiva para clientes como bancos, seguradoras e escritórios de advocacia. Além de coletar, aprimorar e organizar as bases de informação, o programa aponta cenários mais prováveis para determinados casos. O produto CaseCruncher pode desde otimizar a busca por precedentes até prever quais as chances de o cliente conseguir uma decisão favorável nas matérias de interesse.
O programa ficou mais conhecido em novembro deste ano por competir com 112 advogados humanos na tarefa de prever quantas ações judiciais de consumidores seriam aceitas em relação a vendas incorretas de seguro para proteção de pagamento. A partir das mesmas informações, a precisão do software chegou a 86,6%. Já o indicador dos advogados não passou de 62,3%.
A diretora de marketing e cofundadora do CaseCrunch, Rebecca Agliolo, afirma que a tecnologia está cada vez mais acessível a empresas e escritórios. Os advogados que se recusarem a usar essas ferramentas, segundo ela, podem ficar para trás. “Advogados juniores não precisam mais passar horas pesquisando precedentes. Isso pode ser feito em 30 segundos. Mas os robôs não fazem serviços como negociar, argumentar, aconselhar”, explica.
Com objetivo semelhante de economizar tempo em tarefas de baixo valor agregado, o professor Radboud Winkels, da Universidade de Amsterdã, desenvolveu o Open Laws. Por meio do processamento da linguagem natural e do enriquecimento de dados, o projeto identifica referências entre arquivos para criar conexões em rede com base na similaridade. Automaticamente o programa organiza em pastas todos os documentos diretamente relacionados a um caso específico, ou que possam ter relevância para a discussão.
Similarmente, o programa americano Legal Track promete administrar documentos de forma mais rápida e eficiente. Os motores de busca apreendem informações sobre os arquivos e o algoritmo as cruza de forma a agrupá-las. Sem supervisão de humanos, o programa propõe grupos mais óbvios, como por assunto. A intervenção dos advogados ajuda as máquinas a estabelecer distinções e classificações mais específicas, segundo o interesse de cada profissional.
Cofundador do Legal Track, o cientista de dados Dave Lewis interpreta a tecnologia como inteligência aumentada. “As máquinas fazem o advogado parecer mais inteligente, elas não têm o objetivo de ostentar a si mesmas. O foco é na utilidade”, argumenta.
Cuidado ao investir
Como as novas tecnologias se tornam cada vez mais acessíveis e necessárias, o pesquisador Dazza Greenwood, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) alerta para a atuação de oportunistas. Segundo o professor, profissionais desonestos podem aproveitar o desconhecimento dos escritórios a fim de explorar oportunidades de lucro rápido sem oferecer, em contrapartida, um produto útil.
Antes de fechar negócio, Greenwood recomenda que advogados pesquisem sobre softwares de código aberto ou com licença creative commons. O professor também indica que profissionais busquem fontes confiáveis de informação, como <a href="http://law.mit.edu/">fóruns de discussão do MIT</a>.
“Em tempos de incerteza, a ‘hype’ da tecnologia é algo para ficar alerta. Fóruns como o do MIT são ambientes abertos e livres para compartilhar ideias e ajudar as pessoas a fazer um julgamento de forma mais bem informada”, explica.
Rebecca Agliolo, do CaseCrunch, aconselha que advogados tenham em mente um uso específico para o qual aplicar a tecnologia antes de comprar os softwares. “Não consigo contar a quantidade de advogados que possuem tecnologia e não sabem me dizer o que ela faz, ou para que serve”, afirma.
Embora muitas novas empresas prometam serviços que aumentem a produtividade dos escritórios, nem todas as organizações conseguem satisfazer as expectativas dos compradores. O advogado Roberto Novaes, do escritório Marcelo Tostes Advogados, afirma que o ramo da tecnologia voltada para o Direito ainda está em definição.
“Às vezes conhecemos empresas em feiras, queremos comprar a solução que oferecem mas elas têm dificuldade de entrega. Ou não têm o produto, ou não têm a estrutura, ou há dificuldade de financiamento, de conseguir lidar com um projeto de um escritório maior”, comenta.
Iniciativa de escritórios
Com isso em mente, o escritório inaugurou uma empresa com foco na tecnologia aplicada no Direito. Spin-off do Marcelo Tostes Advogados, a MTTech hoje emprega engenheiros, estatísticos, desenvolvedores e outros profissionais para avaliar e negociar a compra de produtos oferecidos pelo mercado, bem como desenvolver soluções do zero. Além de decidir entre comprar ou produzir internamente, a organização tem autonomia para vender serviços para outros escritórios e permite investimento de diferentes atores.
Um produto desenvolvido pela MTTech é o Easy Lawyer, que fornece uma estrutura logística própria para negócios jurídicos desde a prestação do serviço até o pagamento. O usuário cadastra as tarefas que precisam ser cumpridas e o software designa o melhor profissional para cumpri-la, levando em consideração o preço, a avaliação do advogado em trabalhos parecidos e a proximidade do local da diligência.
Roberto Novaes é diretor de produto da MTTech e considera a tecnologia um atributo competitivo essencial para os escritórios economizarem tempo e aumentarem produtividade. “Bom atendimento, ter mestres e doutores, biblioteca própria: isso não é mais o diferencial entre grandes escritórios. Ser capaz de entregar um serviço jurídico de qualidade é um pressuposto, então tudo se reduz a uma competição por preço”, avalia.
O diretor-geral da LexisNexis no Brasil, Rodrigo Bueno, afirma que a preocupação dos escritórios em se atualizar é justificada porque os departamentos jurídicos dos clientes investem pesadamente em tecnologia. “A competição dos escritórios está dentro dos clientes, que estão querendo precisar deles cada vez menos”, sustenta. A multinacional vende softwares e ferramentas de inteligência artificial aplicada ao Direito, tanto para escritórios quanto para empresas.
Novaes lembra que fica cada vez mais difícil surpreender os clientes, se as empresas investem mais em tecnologia que os escritórios. “Você não pode oferecer algo que não é novidade faz cinco anos”, diz.
Bueno afirma que a reconfiguração do papel dos advogados nos escritórios já começou a acontecer e só tende a se intensificar. “Quando falamos em aumentar a produtividade a primeira reação é sempre um sorriso. Isso muda quando você diz que aquilo representa menos pessoas em um projeto e menos horas que pode-se cobrar do cliente. Mas o desafio é o advogado ser menos um preenchedor de papel e revisor de contrato, e mais um conselheiro do cliente para desenhar estratégias”, conclui.

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JOTA

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