Kalleo Coura

“Tarados”, “receptadores” e “talibãs” foram alguns dos adjetivos usados pelo advogado Técio Lins e Silva para se referir aos membros do Ministério Público Federal autores das “dez medidas contra a corrupção”, em palestra na última terça-feira (27/9), em São Paulo.
Convidado a participar de um debate de alto nível, preparado pelo Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (CESA), Silva transformou os 35 minutos de sua fala em um espetáculo desrespeitoso e de mau gosto. No ano passado, o advogado foi o autor do habeas corpus no Supremo Tribunal Federal que libertou da prisão o ex-executivo da Odebrecht Alexandrino Alencar.
A palestra destoou das demais falas da noite, proferidas pelos advogados Modesto Carvalhosa e Fernando Castelo Branco e pelo promotor de Justiça Fábio Bechara, que endereçaram suas críticas às propostas do MPF com civilidade.
Logo após comparar os dias atuais do Brasil com o período ditatorial, Silva chamou de “talibãs” os autores do Projeto de Lei 4.850/2016, que reúne as medidas. Os procuradores da força tarefa da Lava Jato, segundo ele, seriam parte de um “Ministério Público Estado Islâmico”.
Outro ataque foi feito quando Silva comentava que, na justificativa do PL, os procuradores defendem a inclusão da corrupção no rol de crimes hediondos. “Eles são uns tarados. Para eles, o enriquecimento ilícito é tão grave quanto o estupro ou ainda o favorecimento da prostituição. Eles não vão buscar correlação com os crimes contra o patrimônio. Não, vão nos crimes contra os costumes. É uma afirmação celerada”, afirmou.
Em seguida, disparou contra a polêmica proposta do MPF de ficar com parte da arrecadação dos processos em que atuam. “Eles querem parte do apreendido, 10% da apreensão, são receptadores, querem o dinheiro da corrupção, querem uma parte para financiar a força-tarefa."
Também foi alvo da ofensiva a proposta do chamado “teste de integridade”. “Tem essa medida aqui do Sérgio Malandro, do João Kléber. É o teste de integridade. Ele deve ser preferencialmente feito pela corregedoria, mas poderá também ser realizado pelo Ministério Público. Olha que beleza: o promotor vai fazer pegadinha”, disse Silva.
Sobre esta proposta especificamente o advogado criticou um trecho da justificativa do projeto de lei que diz que para proteger o funcionário público é vedada a realização de testes que representem uma tentação desmedida, a qual poderia levar uma pessoa honesta a se corromper.
“Eu quero saber quanto custa o [procurador Deltan] Dallagnol? Quanto custa a honra do sujeito que escreveu isso? Tem que dar o dinheiro, mas não pode ser muito porque se for muito, ninguém resiste...”, caçoou. “Está escrito aqui! Vamos tentar corromper, mas não dá muito dinheiro, não, tem que ser na medida. Isso aqui não, é muito. Assim, até eu. Deve haver uma tabela, o corruptômetro. Convenhamos, isso não é sério”.
Dez medidas ou AI-5?
Ao comentar a medida que restringe a possibilidade de concessão do habeas corpus, Fernando Castelo Branco citou o Ato Institucional nº 5 (AI-5). “Eu me lembro do AI-5, baixado em 13 de dezembro de 1968, que decretou o recesso do Congresso Nacional e suspendeu o Habeas corpus. Essa criação de barreiras, que não pode ser decretado de ofício, que não pode ser dado em caráter liminar, com supressão de instâncias, sem prévia inquisição do promotor natural, sem dúvida, isso é uma flagrante inconstitucionalidade”, afirmou.
Foram criticadas também as medidas que dizem respeito à admissibilidade da prova obtida de forma ilícita desde que de boa-fé e a criação de uma nova causa interruptiva da contagem do tempo prescricional.
“Na minha concepção, [o projeto] é uma verdadeira propaganda enganosa. A grande maioria dos cidadãos desconhece absolutamente o teor dessas medidas. De maneira geral, além de não servirem aos fins que se propõem, não primam pela melhor técnica legislativa. Diversas passagens são incompatíveis com o texto constitucional por violarem garantias fundamentais que regem o processo penal”, afirma Castelo Branco.
Equilíbrio
Presente no evento, o advogado Modesto Carvalhosa foi convidado a participar da mesa. Em sua fala, mostrou-se preocupado com o tom das críticas. “Gostaria que não fosse criado esse divisor de águas entre o Ministério Público e a classe dos advogados, no sentido de que eles são os monstros e que nós não temos outra missão que não a de criticar a conduta deles”, opinou Carvalhosa.
“Não devemos nos encantar com a ideia de que as dez medidas devam ser combatidas como se estivessem contra o estado democrático de direito. O projeto pode ser melhorado, mas muitas das propostas que estão ali são muito importantes. Outras, exageradas, têm sido criticadas e podem ser aperfeiçoadas ou suprimidas”, disse o jurista.
Para o promotor Fabio Bechara, do Ministério Público de São Paulo, o principal mérito das dez medidas é pela primeira vez introduzir uma discussão sobre a eficiência no combate à corrupção de maneira minimamente sistematizada.
Mesmo assim, Bechara concorda que as propostas apresentam falhas. “Não tem o menor sentido fazer qualquer tipo de restrição ao habeas corpus. O texto da Constituição brasileira é fechado e não tem nenhuma margem de espaço para o legislador ordinário poder legislar sobre o assunto, a não ser a regulamentação de procedimento – e olhe lá. Não existe solução legislativa para tudo”.
Apesar das críticas, Castelo Branco também reconheceu que há pontos positivos nas medidas, como o investimento de um percentual de recursos da administração pública em publicidade para criar uma cultura de intolerância à corrupção, a criação de regras de accountability nos tribunais e Ministério Público, a responsabilização dos partidos políticos por atos de corrupção e a criminalização do caixa dois eleitoral.

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JOTA

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