Ditadura

Suspenso o julgamento sobre indenização de herdeiros de Ustra a familiares de vítima

Companheira e irmã de jornalista morto em 1971 pedem condenação por danos morais ao espólio do Coronel Brilhante Ustra, morto em 2015

Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra em depoimento à Comissão Nacional da Verdade, em maio de 2013. Crédito: Wilson Dias/Agência Brasil

A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) começou a julgar nesta terça-feira (8/8) o Recurso Especial 2.054.390, apresentado pela companheira e pela irmã do jornalista Luiz Eduardo Merlino, morto em 1971 no Destacamento de Operações e Informações – Centro de Operações de Defesa interna (DOI-CODI) do II Exército, em São Paulo. Os familiares da vítima pedem que o STJ reestabeleça a sentença da primeira instância e imponha uma condenação por danos morais às herdeiras do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, morto em 2015, que comandou o destacamento durante a ditadura militar.

A sessão desta terça-feira terminou com o placar empatado em 1×1, e o julgamento terá continuidade no início da próxima sessão. O relator, o ministro Marco Buzzi, votou pela imprescritibilidade de ações indenizatórias por danos morais e materiais decorrentes de atos de perseguição política com violação de direitos fundamentais ocorridos durante o regime militar. Ele propôs cassar o acórdão do TJSP e determinar o retorno dos autos ao tribunal de origem para que se prossiga no julgamento da apelação.

“Em contexto de violências cometidas contra seres humanos, sob a insígnia de pessoas ligadas ao Estado, se as vítimas não esquecem o que lhes foi cometido e carregam os traumas decorrentes destes momentos de terror, cabe ao Estado apurar”, disse o ministro.

Já a ministra Maria Isabel Gallotti apresentou voto divergente do relator, entendendo pela ilegitimidade passiva do réu e pela prescrição. Para ela, a ação indenizatória não poderia ter sido ajuizada com a agente público, no caso o coronel Ustra, no polo passivo. Ela citou decisão unânime do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do RE 1.027.633 que definiu que a pessoa prejudicada por um agente público deverá ajuizar ação contra o Estado ou a pessoa jurídica do direito privado que presta serviços ao Estado.

“Reafirmo a responsabilidade objetiva do Estado. Esse entendimento, todavia, não se aplica às ações em que se pretende responsabilização direta do agente político que praticou o ato, em razão de ensejar a indesejável perpetuidade dos conflitos entre indivíduos, recaindo as condenações sobre os herdeiros do causador do dano, e ignorando a luta histórica pela anistia e redemocratização do país”, disse a ministra.

Relembre o caso

Merlino foi preso em 15 de julho de 1971, em Santos, quando visitava a família. Torturado, foi morto quatro dias depois. A versão oficial divulgada pela ditadura foi a de que ele se suicidou enquanto era transportado para o Rio Grande do Sul. As condições do corpo da vítima e relatos de outros presos políticos mostram que ele foi espancado e morreu por falta de atendimento médico adequado.

Em 2010, a irmã e a esposa do jornalista morto entraram com a ação por danos morais contra o coronel Ustra. Em 2012, a 20ª Vara Cível de São Paulo condenou o coronel a pagar indenização de R$ 50 mil, com correção monetária, para cada uma das autoras e arcar com os honorários no valor de 10% da condenação.

A defesa do coronel recorreu da decisão argumentando que ele estaria coberto pela Lei da Anistia. Em 2018, o TJSP declarou a prescrição do processo sob o argumento de que que os fatos ocorreram em 1971 e a ação foi ajuizada pela família em 2010 – 39 anos depois do ato atribuído ao coronel e 22 anos após a promulgação da Constituição Federal de 1988. A promulgação da Constituição seria o marco temporal a partir do qual os autores poderiam ter entrado com a ação indenizatória até o limite de 20 anos seguintes, segundo a Lei Civil.

O advogado da irmã e da esposa de Merlino, Joelson Costa Dias, disse na sessão desta terça-feira (8/8) que suas clientes apresentaram o recurso não pela indenização financeira, que ele considera de valor módico, mas para que haja uma reparação moral dos danos sofridos. “Dar conhecimento dos detalhes, dos padecimentos suportados pela ótica de quem os sofreu, com indicação de seus responsáveis, é necessário para que se reparem os danos, se não materialmente, moralmente”, disse Dias.