Surpreendidas pela determinacao da justiça do Piauí de retirar o WhatsApp do ar, as empresas de telefonia se articularam nesta quinta-feira (26/02) para recorrer da decisão, argumentando desrespeito ao direito do consumidor. As Teles trataram o tema como algo inesperado e grave a ponto de gerar transtorno à milhares de usuários.
As operadoras de telefonia acionaram seus departamentos jurídicos mas o SindiTelebrasil, que é a entidade que representa o setor, assumiu a defesa de todas operadoras.
Autoridades policiais e jurídicas do Piauí explicam que desde 2013 tentam com o próprio WhatsApp a liberação de conteúdo considerado fundamental em uma investigação que segue sob sigilo. A empresa estrangeira, no entanto, não colaborou alegando que não está submetida à legislação brasileira. Por isso, a ação judicial partiu contra operadores de infraestrutura e conexão móvel para deixar o setor sem saída.
As Teles dizem que não tem responsabilidade sobre o conteúdo do aplicativo. "Não conseguiram resolver o problema com o dono do carro que transporta drogas e decidiram fechar a rodovia inteira", compara uma fonte do setor.
Tecnicamente, o risco é de as operadoras impedirem o caminho até o provedor para o envio e recebimento de mensagens, fotos, imagens e áudios. Na prática, o consumidor continuaria a ver o ícone do WhatsApp mas ele ficaria off line, e por tempo indeterminado.
Em nota, o setor manifestou que: "o SindiTelebrasil entende que a medida pode causar um enorme prejuízo a milhões de brasileiros que usam os serviços, essenciais em muitos casos para o dia a dia das pessoas, inclusive no trabalho. Para o SindiTelebrasil, a medida é desproporcional, já que para conseguir informações de um número reduzido de pessoas, negadas pela proprietária do WhatsApp, decidiu-se suspender o serviço em todo o País. E para isso, exigir a aplicação dessa medida das prestadoras de telecomunicações, que não têm nenhuma relação com o serviço.”
Em seu recurso, as empresas convenceram o desembargador Raimundo Nonato da Costa Alencar, que derrubou a suspensão do aplicativo de mensagens. Ele revogou determinação do juiz Luiz de Moura Correia, da Central de Inquéritos da Comarca de Teresina, que tentou bloquear o aplicativo para ajudar numa investigação que envolve crianças.
Milhares de usuários acreditavam que iam ficar sem o acesso ao WhatsApp mas, no fim das contas, nada aconteceu. O JOTA conversou com o magistrado autor da nova decisão. Ele tem 66 anos, é especializado em Direito Público. Tem WhatsApp, mas não usa.
Por que o senhor decidiu manter o uso do WhatsApp no país?
Na verdade, eu não entro no mérito da decisão que eu suspendi. Até porque não é conveniente, o juiz tem suas razões. A situação que ele analisa é delicadíssima tanto é que corre em segredo de justiça. Mas a minha decisão no mandado de segurança tem apenas um aspecto: o que ele decidiu tem uma amplitude que vai muito além do que poderia ir, foge inclusive aos limites do território piauiense. As empresas telefônicas, que se sentem prejudicadas pela decisão objeto do mandado de segurança, na minha concepção, nesse momento pelo menos, não podem sofrer as consequências dessa medida até que a gente analise com profundidade, com mais cautela. Mas sem retirar com toda certeza a preocupação do juiz, que é louvável, de buscar responsáveis pelos crimes que ele entende que estão sendo praticados através dessa rede.
O fato das operadoras não terem tirado o WhatsApp do ar para entrar com recurso configura descumprimento de uma decisão judicial?
Seria antecipar um ponto de vista jurídico. Eu não tive essa preocupação porque não sei quanto tempo efetivamente a determinação do juiz levou para chegar, através da polícia do Piauí, ao conhecimento dessas pessoas que supostamente estavam recalcitrando as informações. Agora, qualquer que seja o tempo isso é o menos importante. Essas empresas tinham, na minha concepção, prerrogativa de procurar seus direitos e o fizeram dentro do que eu considero o caminho legal.
Quais os argumentos jurídicos usados pelas empresas?
Foi um universo considerável de argumentos, que passa inclusive pela liberdade de informação. Também por esse aspecto de que pessoas que se utilizam de forma honesta e útil desse serviço não poderiam sofrer restrições. Pela decisão do juiz, elas teriam que suspender o serviço apenas por 24h. Nem todo mundo ficou sabendo disso.
Ainda assim, o senhor manteve a cobrança do juiz de que o WhatsApp tem que colaborar na investigação?
Induvidosamente. A decisão do juiz é absolutamente necessária. Ela é imprescindível à descoberta que a polícia pretende fazer. Quem tem o dever de colaborar, vai colaborar ainda que sofra medidas constrangedoras. Não sei se a medida de suspender esse serviço em todo território nacional é a ideal. Neste momento, não me parece sendo dada a abrangência, a amplitude. Mas o juiz está absolutamente correto nesse aspecto de promover todos os esforços no sentido de coibir uma prática delituosa gravíssima. O juiz merece da minha parte todo o respeito, e todos os elogios.
O senhor interpretou que se o WhatsApp fosse suspenso, muitas pessoas que não tem a ver com o processo seriam prejudicadas?
Seriam atingidas por essa medida. Por isso que estou sempre usando a expressão "amplitude", "alcance" dessa situação. Mas a medida em si ao menos no que diz respeito ao nosso estado é imprescindível.
O senhor usa WhatsApp?
Não uso WhatsApp por incrível que pareça. Eu tenho o aplicativo no meu celular mas jamais fiz contato através do WhatsApp. Eu não sou muito afeito a isso. Tenho amigos que ficam mandando mensagens ... Eu entrei num grupo, aliás em dois grupos, a pouco tempo mas eu jamais mandei. Inclusive eu li agora uma mensagem, uma interessante, que diz: "e olha, que ele nem usa WhatsApp". Mas sinceramente, se eu também usasse, não seria por interesse que eu faria isso, seria pelo que diz meu entendimento e minha consciência.
Então, daqui a pouco o JOTA irá mandar um WhatsApp para o senhor...
(risos) Pode mandar, será recebido com muito prazer.