4ª Turma

STJ avalia se banco precisa de permissão expressa do cliente para investir

Placar está empatado em 2 votos a 2. Posição final é do ministro Marco Buzzi, que pediu vista do processo

26/02/2019|12:51|Brasília
Atualizado em 26/02/2019 às 13:48
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Crédito: Flickr

A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) começou a analisar, em sessão realizada na última quinta-feira (21/2), se instituições financeiras precisam de autorização prévia e expressa do cliente para fazer investimentos. O tema consta em uma ação movida por um casal que alega ter tido prejuízos após o banco no qual eram correntistas mudar o tipo de investimento que possuíam. Segundo os autores, a alteração ocorreu sem a permissão deles.

O placar até agora está empatado em dois votos a dois, e o posicionamento de minerva caberá ao ministro Marco Buzzi, que pediu vista do processo. O relator do caso, ministro Luis Felipe Salomão, entendeu que houve ilicitude na conduta do banco, sendo seguido pelo ministro Antônio Carlos Ferreira. Já a ministra Isabel Gallotti, que foi acompanhada pelo ministro Raul Araújo, entendeu que há indícios de anuência dos clientes às ações do banco.

A ação foi movida por um casal de clientes contra o Banco Industrial e Comercial S/A. Segundo o processo, os autores tinham um investimento de R$ 400 mil e costumavam aplicar o valor em rendimentos de Certificado de Depósito Bancário (CDB) junto à instituição financeira. O investimento, tido como mais conservador, consiste no empréstimo de dinheiro ao banco, que posteriormente devolve o montante com juros.

Nos autos, os clientes afirmam que em 1997, sem autorização expressa, o banco aplicou R$ 250 mil do seu dinheiro em um fundo de ações, investimento mais volátil e que apresenta maior risco ao consumidor. O resto dos recursos foi mantido em CDBs. O investimento se manteve por cinco anos, período em que os clientes continuaram o relacionamento com o banco e fizeram outras aplicações.

CDC

Em 2002, no entanto, eles acionaram a Justiça sob a alegação de que não haviam dado autorização expressa ao banco para modificar o investimento. Os clientes fundamentaram o pedido no artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor.

O dispositivo veda ao fornecedor de produtos ou serviços "executar serviços sem a prévia elaboração de orçamento e autorização expressa do consumidor, ressalvadas as decorrentes de práticas anteriores entre as partes”. Por isso, pedem a devolução dos valores corrigidos como se tivessem sido aplicados no CDB, além de indenização por danos morais.

O banco, por sua vez, alega que houve permissão verbal dos clientes e afirma que essa era uma prática comum entre os correntistas e o gerente. Por fim, argumenta que o casal manteve o relacionamento com a instituição financeira por cinco anos, o que indica a ciência e anuência deles quanto ao investimento.

Em primeiro grau o pedido dos correntistas foi atendido. Já o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO) negou o pleito, o que levou os autores a recorrerem ao STJ no REsp 1.326.592.

Relator

Ao apresentar o voto, o relator do caso, ministro Luis Felipe Salomão, argumentou que o banco tem o dever de apresentar informações claras sobre riscos aos consumidores, que, geralmente, possuem menos conhecimento técnico sobre as transações financeiras. “A eficácia do direito à informação não se satisfaz com o cumprimento formal do dever de indicar dados e demais elementos, sem o cuidado ou a preocupação de que estejam sendo devidamente entendidos pelo destinatário”, afirmou durante o julgamento.

Ao se manifestar a favor dos clientes, o ministro continuou: “no caso em julgamento, penso que a deficiência informacional do consumidor decorreu da incontroversa ausência de autorização expressa para que o banco procedesse à aplicação financeira em fundo de investimento que apresentava risco incompatível com o perfil conservador do correntista”.

Ainda de acordo com Salomão, o silêncio do cliente quanto à aplicação nos anos subsequentes não pode ser confundido com anuência. “Tenho que, se tratando de prática abusiva vedada pelo código consumerista, não pode ser atribuído ao silêncio do consumidor, em um dado decurso de tempo, o mesmo efeito jurídico previsto no artigo 111 do Código Civil, segundo o qual o silêncio importa anuência quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa”.

O relator propôs o envio do processo ao tribunal originário para que a ação seja reanalisada levando em conta a ilicitude da conduta do banco. O entendimento foi seguido pelo ministro Antônio Carlos Ferreira.

Divergência

A ministra Isabel Gallotti apresentou posicionamento oposto e abriu divergência. Ela entendeu que a manutenção do investimento pelos clientes por cinco anos indicou ratificação da atitude do banco, e refutou a versão dos autores. “Certamente que a hipótese era a de uma aplicação malsucedida cuja esperança pela reversão do quadro sucumbiu-se após meia década de espera”, afirmou durante a sessão.

Segundo Gallotti, apesar do impasse, os autores continuaram a movimentar suas contas correntes normalmente entre 1997 e 2002, inclusive fazendo outras modalidades de investimento. "Ora, havendo arbitrária transferência de dinheiro para fundo de ações, também não me é crível que as vítimas permaneceriam tendo relacionamento com a entidade bancária infratora”, argumentou. A magistrada foi seguida pelo ministro Raul Araújo.

Após ouvir os argumentos dos colegas o ministro Marco Buzzi pediu vista do processo. Ele tem 60 dias, prorrogáveis por mais 30, para devolver a ação. Ainda não há previsão de quando o caso voltará à pauta.logo-jota