Bárbara Pombo

Passava das 16h, todos os processos e listas de embargos de declaração julgados, quando o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Francisco Falcão, chamou a julgamento na Corte Especial a liminar referente a uma disputa bilionária entre a União e o consórcio Santo Antônio Energia. Vazio àquela altura, o plenário não contava mais com a presença do exército de advogados contratado pelo consórcio formado pela Odebrecht e Andrade Gutierrez para impedir a cobrança de uma multa de, ao menos, R$ 266 milhões. A penalidade fora imposta pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) pelo baixo desempenho da usina em construção no Rio Madeira, em Rondônia. O prejuízo, segundo o consórcio, pode chegar a R$ 2,3 bilhões.
<a href="https://www.jota.info/materias54-stj-pode-definir-disputa-bilionaria-entre-uniao-e-consorcio-santo-antonio" target="_blank">No início do mês</a>, JOTA informou que, além de interesses bilionários, o julgamento envolvia advogados de peso, pressão – nem sempre ortodoxa – sobre os ministros, uma estratégia de comunicação que culminou na publicação de encartes em jornais de grande circulação e a saúde financeira o de uma das maiores usinas hidrelétricas em construção.
Duas horas antes do início da sessão de ontem da Corte Especial, Falcão avisou assessores que levaria o caso a julgamento. Eram quase 15h quando, informados de que os dois agravos regimentais contra a decisão proferida na Suspensão de Liminar 1.911 “não haviam chegado ao plenário”, os advogados deixaram a Corte. Questionado pelo JOTA sobre o motivo do que seria naquele momento um adiamento do processo, o advogado André Serrão respondeu: “Coisas da Corte”.
Restou um advogado da equipe no plenário, pego completamente de surpresa com o início do julgamento. Orientado pelo telefone, assumiu a tribuna para pedir que os ministros aguardassem a volta dos advogados Luiz Antonio Bettiol e Paulo Costa Leite para continuar a coleta dos votos. Contrariado e interrompendo o advogado, Falcão – que acabara de votar contra a usina - afirmou que avisara Costa Leite na noite anterior que colocaria o processo em pauta. “A matéria é por demais polêmica, envolve R$ 1,2 bilhão do setor energético do país e a decisão entendo que está acertada”, afirmou o presidente do STJ.
Em menos de quinze minutos, a Corte Especial decidiu, por 9x1, manter em 99,5% o Fator de Indisponibilidade (FDI) da usina de Santo Antônio. Por contrato, as usinas hidrelétricas devem manter suas turbinas em funcionamento durante parte do dia para atender a chamados do Operador Nacional do Sistema (ONS). De acordo com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a disponibilidade média de Santo Antônio é de 81%, ou seja, desempenho abaixo do previsto. Como não conseguiu cumprir com a obrigação contratual, a usina foi penalizada a pagar multa por não estar gerando a energia prevista inicialmente.
No processo, a concessionária afirmava não questionar a fixação do índice de disponibilidade de 99,5%, mas a metodologia utilizada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para aferi-lo. Para a usina, o percentual só poderia ser utilizado quando pelo menos 44 turbinas estivessem em operação comercial. Em agosto, foi colocada em funcionamento a 30ª turbina. São 50, no total. Com o fator seja aplicado no período de motorização da usina seria necessário desembolsar R$ 2,3 bilhões, entre 2015 e 2021. Ontem, durante o julgamento, o ministro Francisco Falcão afirmou que o litígio já envolveria R$ 1,2 bilhão.
De acordo com advogados do caso, restaria agora apenas embargos de declaração no STJ.
Em seu voto, o presidente da Corte afirmou que o consórcio Santo Antônio não conseguiu comprovar os equívocos da Aneel na aplicação da metodologia. Dessa forma, deveria ser presumida a legalidade e legitimidade do ato administrativo, seguido por todo o sistema de produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica do país. “A modificação artificial das ‘regras do jogo’ para uma única empresa, no sistema de energia elétrica traz insegurança jurídica e administrativa, com graves reflexos para o setor”, afirmou.
Seguindo o relator, o ministro Herman Benjamin completou: “Não há Tesouro ou consumidor que consiga pagar essa conta”.
Único a votar a favor da usina, o ministro João Otávio de Noronha afirmou que o setor elétrico brasileiro vive, “lamentavelmente, um momento de judicialização", assinalou. “As normas não são respeitadas pelo governo federal, são alteradas a bel-prazer. Isso está nos custando fuga de investimentos e quando não prejuízo nas tarifas.”
No início de setembro, a Corte Especial já havia imposto uma derrota a Santo Antônio ao obrigá-la a depositar R$ 594 milhões a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) por conta do atraso de 63 dias na entrega da energia que vendera às distribuidoras. Após pedido de vista e alteração de voto, chegou-se ao placar de 6×4 a favor de 36 distribuidoras de energia.
Representante da Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa, o advogado Sérgio Bermudes afirmou, em nota após o julgamento, que se a usina está vendendo energia deve cumprir o fator de disponibilidade fixado pela Aneel.
"Na decisão que deferiu a suspensão de liminar, proferida pelo Ministro Felix Fischer, entendeu-se que o critério técnico da Agência Reguladora (ANEEL) não poderia ser afastado por decisão judicial em antecipação de tutela, conforme precedentes da Corte", anotou. "No julgamento de hoje (ontem), foi confirmado esse entendimento, que aliás já havia sido manifestado pela própria Corte Especial no julgamento da suspensão de segurança 2727 (03.09.14), também ajuizada por nós contra a Santo Antonio Energia."

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JOTA

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