Ana Pompeu

A 35ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/tjsp" target="_blank" rel="noopener noreferrer">TJSP</a>), de forma unânime, deu provimento ao recurso de um homem que prestou serviços sexuais mas não recebeu o pagamento acordado. Pela decisão colegiada, a Justiça não pode negar amparo a quem pretende receber o valor acertado pelos serviços de cunho sexual, já que se trata de um negócio jurídico lícito, apenas controvertido pelas questões morais da sociedade. Na primeira instância, a ação havia sido extinta sem julgamento do mérito.
"A Justiça, que não deve fechar os olhos à evolução da sociedade, precisa estar atenta a suas transformações", disse o relator, Morais Pucci. Ele enfatizou, então, que a Constituição tem como fundamento a dignidade da pessoa humana, tendo como objetivo fundamental a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais, promovendo o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo e quaisquer outras formas de discriminação. 
<a href="https://www.jota.info/produtos/tributos?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Tributos_materias" rel="attachment wp-att-291213"><img class="size-medium wp-image-291213 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-tributos-v2.jpg" alt="" width="300" height="300" /></a>No caso, em 22 de agosto do ano passado, um homem foi contratado por outro homem para prestar serviços sexuais e firmou contrato verbal dos valores. Mas, depois, não recebeu a remuneração. Ele juntou cópias de conversas do WhatsApp aos autos do processo e argumentou que a profissão de trabalhador do sexo está amparada no Código de Ocupações Brasileiras. Assim, pediu a condenação do cliente ao pagamento de R$15.395,90, correspondente à prestação dos serviços, mais juros de mora e correção desde o ajuizamento. 
O desembargador Morais Pucci, relator do caso no TJSP, afirmou que, para o negócio jurídico ser válido, a lei requer: agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei. E lembrou posição do ministro aposentado Cezar Peluso, segundo a qual objeto lícito é aquele “não proibido por lei, nem contrário à ordem pública, à moral e aos bons costumes”. 
Diante disso, embora inexista vedação legal à prostituição no Brasil, ele passou a discutir se a questão apresentada nos autos ofende a moral e os bons costumes, o que invalidaria o negócio jurídico em caso afirmativo. Ele respondeu que o tema é controvertido. Ele lembrou que profissão é antiga, remontando à Antiguidade, à Mesopotâmia, que esteve presente, como, na Roma antiga e Idade Média, ora sendo criticada, ora sendo abertamente aceita e institucionalizada, como no reinado de Luís XV, na França, quando teve seu auge. 
No Brasil, ressalta, também há registros de prostituição desde a época das sociedades indígenas e do Período Colonial. "Tradicionalmente, tal atividade, por envolver questões sexuais, sempre foi vista como pecaminosa, ofensiva aos 'bons costumes' e à moral, então mais conservadora, religiosa e rígida, não encontrando, por isso, proteção jurídica."
Em 2002, com base na Classificação Uniforme de Ocupações (CIUO), o Ministério do Trabalho e Emprego decidiu reconhecer e identificar todas as ocupações do mercado de trabalho do país. Nessa listagem, a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), os profissionais do sexo aparecem no item nº 5198 como uma categoria profissional, que, embora ainda não esteja regulamentada, conforme avalia o magistrado, já reflete uma mudança na mentalidade dominante.
Morais Pucci afirmou que, diante da evolução dos costumes, e da proteção garantida pela Carta Magna, não se pode negar tutela jurídica àquele que busca amparo do Estado, cobrando o valor ajustado de quem se aproveitou de seus serviços de cunho sexual, livremente contratados. "Permitir o acesso à Justiça é respeitar a dignidade sexual, a soberania sobre o próprio corpo e a livre autonomia no ato de contratar."
Na ação, o autor lembrou caso em que, por unanimidade, em 2016, o Superior Tribunal de Justiça (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stj" target="_blank" rel="noopener noreferrer">STJ</a>), ao conceder habeas corpus a uma garota de programa acusada de roubar um cordão folheado a ouro de um cliente que não quis pagar, considerou a prostituição um ato lícito. O caso foi de relatoria do ministro Rogério Schietti.
"Não mais se sustenta, à luz de uma visão secular do Direito Penal, o entendimento do Tribunal de origem, de que a natureza do serviço de natureza sexual não permite caracterizar o exercício arbitrário das próprias razões, ao argumento de que o compromisso assumido pela vítima com a ré — de remunerar-lhe por serviço de natureza sexual — não seria passível de cobrança judicial", disse o relator no STJ.
O desembargador também foi ao caso do STJ, destacou trecho do voto de Schietti e de citação de Guilherme Nucci segundo a qual, no Direito Civil, "a prostituição deve ser reconhecida como um negócio como outro qualquer [...] O comércio sexual entre adultos envolve agentes capazes. Como já se deixou claro, reconhecida a atividade no rol das profissões do Ministério do Trabalho, o objeto é perfeitamente lícito, pois é um contato sexual, mediante remuneração, entre agentes capazes. Seria o equivalente a um contrato de massagem, mediante remuneração, embora sem sexo. Não há forma prescrita em lei para tal negócio, que pode ser verbal".
Desta forma, Pucci considerou "forçoso concluir, portanto, com base em tais lições doutrinárias e jurisprudencial, que o negócio celebrado pelo autor, prestação onerosa de seus serviços sexuais, é válido e passível de proteção jurídica". Assim, deu provimento ao recurso para afastar a sentença do primeiro grau e determinando que o processo prossiga e tenha audiência de conciliação ou de mediação marcada, ou, se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na tentativa amigável, com a intimação do réu.
O caso tramita com o número 1006893-49.2020.8.26.0079.

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JOTA

Para relator, 'permitir o acesso à Justiça é respeitar a dignidade sexual, a soberania sobre o próprio corpo e a livre autonomia'

TJSP: homem tem direito a cobrar, na Justiça, serviços sexuais não pagos por cliente

Para relator, 'permitir o acesso à Justiça é respeitar a dignidade sexual, a soberania sobre o próprio corpo e a livre autonomia'