Mariana Muniz

Danielle nasceu Raimunda, mas quer ser " rebatizada". Para ela, não basta que a chamem pelo nome de que gosta.  A jovem recorreu à Justiça para que que seu nome seja alterado formalmente no registro civil.
A justificativa de Danielle-Raimunda é a de que o nome registrado é motivo de vergonha – e que socialmente ela já é conhecida como xará da ex-primeira-dama francesa Danielle Mitterrand, ou da autora de romances norte-americana Danielle Steel.
Quem vai decidir sobre essa questão de identidade é o Superior Tribunal de Justiça (STJ), que começou a julgar o caso em setembro. O REsp 1217166/MA está sob análise na 4ª Turma da Corte, relatado pelo ministro Marco Buzzi.
“A mudança de nome não é apenas um capricho pessoal da recorrente. É fonte de infelicidade”, disse o ministro no início do julgamento do caso. Ele aceitou ao recurso especial, mas o andamento do processo foi interrompido por pedido de vista do ministro Raul Araújo.
Buzzi vê na autorização para que Raimunda vire oficialmente Danielle uma chance de se livrar do trauma causado por chacotas, brincadeiras e dizeres relacionados ao nome. O reforço no imaginário popular foi amparado por músicas que buscam em Raimunda uma rima fácil para – nada mais do que – bunda.
A mulher relata que sempre foi alvo de brincadeiras pejorativas na escola, e que já deixou de fazer entrevistas de emprego por temer a reação dos recrutadores ao chamá-la pelo nome. A defesa dela sustenta que qualquer pessoa que passa por situações de sofrimento por causa do nome pode pedir a mudança.
Como funciona
A Lei de Registros Públicos, de 1973,  declarou a obrigatoriedade do registro do nascimento e cravou, com todas as letras de sua redação original, que “o prenome será imutável". A regra permanece 40 anos depois da edição da norma, com a exceção de erros gráficos evidentes e a proibição de aceitarem registros de nomes que possam expor a pessoa a situações vexatórias.
O Judiciário ainda recebe diversos casos de substituição de nomes e para cada situação há uma sentença diferente.
Quando a alteração é autorizada, é necessário trocar muitos documentos. O registro de nascimento é o documento que vai guiar todos os demais. Com isso, tudo precisa ser modificado depois. Se a pessoa tem imóvel, deve ser feita também averbação do novo nome no registro imobiliário.
A pessoa que se sentir exposta ao ridículo por causa do nome pode solicitar a alteração do nome a qualquer hora. A petição deve ser apresentada à Vara de Registros Públicos com uma justificativa bem fundamentada sobre as razões pelas quais o nome e/ou sobrenome causa constrangimento.
Nome próprio
Em 2005, a 3ª Turma permitiu que a dona de casa Maria Raimunda, do Rio de Janeiro, trocasse o nome para Maria Isabela.
A ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, entendeu, à época, que a mudança atenderia a uma “necessidade psicológica profunda”. Maria Isabela, então Raimunda, falava que o nome de batismo trazia, para ela, transtornos e dissabores, posto que passou a ser alvo de troças e brincadeiras, na vizinhança e no local de trabalho.
“A recorrente é alvo de constantes deboches e humilhações, passando assim por constrangimentos de toda ordem, em razão da utilização do prenome Raimunda”, afirmou Andrighi – lembrando que a recorrente era conhecida como Maria Isabela entre parentes, amigos e colegas de trabalho.
Com 13 anos, um menino batizado com nome de dar nó na cabeça pediu para alterá-lo. Chama-se Wonarllevyston Garlan Marllon Branddon Bruno Paullylly Mell. Hoje, aos 20, é Bruno Wonarleviston Oliveira Pereira.
Em audiência na 5ª Vara de Fazenda e Registros Públicos de Campo Grande, a mãe de Bruno, Dalvina Xuxa, esclareceu que o nome do adolescente foi fruto de diversas sugestões feitas por amigos e parentes, mas reconheceu ter exagerado no resultado final.
Segurança coletiva 
Para o advogado Anderson Schreiber, autor do livro “Direitos da Personalidade”, a proteção ao nome é entendida como instrumento necessário para garantir a segurança coletiva a partir da identificação de cada indivíduo no meio social. Segundo ele, o nome foi regulado no Brasil como verdadeira questão de Estado.
A pesquisa para o livro, realizada no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), levou o especialista a encontrar os mais diversos casos envolvendo mudança de nome e seus desdobramentos. O mais recente, vindo da comarca de Quissamã, envolvia o pedido de alteração do prenome de uma menor chamada Klaricy para Klarisse.
A justificativa é de que a bebê – que tem menos de um ano de idade – poderia vir a sofrer constrangimentos, já que a grafia do nome possuía as letras KY, uma marca de lubrificantes. A desembargadora Renata Machado Cotta entendeu que havia motivo justo para a mudança, e não existia prejuízos a terceiros. A decisão é do dia 26 de agosto.
Gênero e nome
Para além dos insatisfeitos com prenomes ingratos, mudar o registro civil é um desafio também para pessoas transexuais. Em outubro, o STJ começou a discutir a possibilidade de um transexual alterar o registro civil mesmo sem ter passado por cirurgia de mudança de sexo. A questão é analisada no REsp 1626739/RS.
Nos últimos sete anos, o tribunal firmou entendimento de que os transexuais que passam pela cirurgia de redesignação de sexo tem o direito de ter alterado o nome e o sexo no registro civil. A questão analisada agora pelos ministros da 4ª Turma vai além, uma vez que a pessoa não foi submetida ao procedimento de reconstrução de gênero.
+JOTA: <a style="color: #000000;" href="https://www.jota.info/justica/transexual-pode-alterar-registro-civil-sem-cirurgia-de-mudanca-de-sexo-11102016" target="_blank">Transexual pode alterar registro civil sem cirurgia de mudança de sexo?</a>
A transexual nasceu do sexo masculino, mas se identifica como sendo do gênero feminino. O relator do caso, ministro Luís Felipe Salomão, votou a favor da possibilidade de retificação do registro civil sem que a pessoa transexual precise passar por procedimento cirúrgico.
Para o ministro, a questão diz respeito essencialmente ao princípio da dignidade humana. “A exigência de cirurgia de transgenitalização vai de encontro à defesa dos direitos humanos por condicionar o exercício do direito à personalidade à mutilação física. Somente a vontade livre e consciente da pessoa, sem qualquer imposição estatal, pode legitimar o devido procedimento cirúrgico. ”
Quando entrou na pauta de julgamentos pela última vez, em dezembro, o caso dividiu a opinião dos juízes. O ministro Raul Araújo, que havia pedido vista em outubro, votou contra – e o andamento do julgamento foi interrompido novamente, agora pelo pedido de vista do ministro Marco Buzzi.
Na corte fluminense, o homem transexual Fábio Reis Berlando conseguiu, em 2014, modificar seu nome. Antes, chamava-se Fabiane. Mas embora o tribunal tenha reconhecido o pedido de alteração do nome, negou a alteração do gênero no registro civil. A justificativa: a aparência externa “não modificada e presença de órgãos condizentes com o sexo feminino”.
A advogada Marina Lagos Boaventura, que há mais de dez anos trabalha em casos similares ao de Fábio, afirma que, a partir de decisões recentes, o Judiciário têm buscado enfrentar a discussão de maneira honesta.
“Mas ainda há um longo caminho para que as pessoas transexuais consigam ser chamadas da maneira como desejam, sem que se sintam humilhadas, expostas, excluídas", diz.
Embora pareça banal, Boaventura lembra que nome e sobrenome são elementos essenciais da personalidade. “Ter o nome que se quer é um privilégio”.

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JOTA

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